Lula deveria acatar mudanças em estudo para o BPC
O Globo
Proposta sugere desvincular do salário mínimo
a correção do benefício e aumentar idade para concessão
A equipe econômica deverá apresentar em breve
ao presidente Luiz Inácio Lula da
Silva propostas do Ministério do Planejamento para rever as regras de concessão
do Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a idosos e deficientes de
baixa renda. Não faltam argumentos em favor das mudanças para tornar o programa
mais justo, mais eficiente e, de quebra, ajudar a equilibrar as contas
públicas. Duas medidas estão em estudo: corrigir o benefício apenas pela
inflação, deixando de levar em conta o salário mínimo (cuja regra prevê ganho
real) e aumentar a idade mínima para concedê-lo, de 65 para 70 anos. Lula
deveria acatar ambas as sugestões.
Publicado em dezembro, um estudo do Banco Mundial sobre o sistema previdenciário brasileiro chamou a atenção para várias incongruências. Uma delas está no BPC. Ao comparar programas do tipo ao rendimento per capita em mais de 30 países, os pesquisadores concluíram que o valor no Brasil é alto demais. “A generosidade da atual aposentadoria não contributiva do BPC só é similar à de Trinidad e Tobago”, afirmam. Além de o benefício em si já ser generoso, o índice de reajuste — o mesmo do mínimo — também é camarada. A correção pela inflação já garantiria a manutenção do poder de compra para quem recebe o auxílio.
Outra distorção: pelas regras atuais,
necessidades distintas são tratadas da mesma forma. Quem recebe BPC em geral
tem filhos crescidos, não precisa gastar em vestuário ou transporte para ir
trabalhar. Apesar disso, recebe o mesmo valor de quem tem filhos pequenos e
recebe salário mínimo, com sistema de correção idêntico. Ao desvincular o
reajuste do BPC do mínimo, o governo atenuaria a discrepância.
A regra atual para o BPC — o valor é idêntico
mesmo para quem nunca contribuiu — é contraproducente e sem lógica. Quem
contribui durante toda a vida produtiva ganha, na aposentadoria, o mesmo que
quem pouco ou nada pagou ao INSS.
Na tentativa de incentivar o recolhimento, o Planejamento examina a
possibilidade de pagar um adicional aos que contribuem por algum tempo, mas não
atingem o limite mínimo para aposentadoria.
Por fim, está em análise o aumento na idade
mínima para concessão do benefício. Dado o envelhecimento da população, é outra
medida que não deveria ser adiada. Estimativas do próprio governo reconhecem
que, se nada for feito, os gastos com BPC saltarão de R$ 106,6 bilhões neste
ano para R$ 140,8 bilhões em 2028. Nesse cálculo, já estão contados os R$ 47,3
bilhões que o governo pretende economizar com cortes de benefícios irregulares.
Como essa economia é incerta, a despesa poderá ser bem maior. Não será surpresa
se, apesar do pente-fino, o BPC em breve custar mais de 1% do PIB.
Mais de uma vez, Lula já afirmou não aceitar
que os mais pobres paguem pelo ajuste das contas públicas. Tal objetivo é nobre
num país com tamanha desigualdade social. Mas não pode servir de biombo para
encobrir programas mal concebidos e regras injustas. É perfeitamente possível
proteger da pobreza idosos e deficientes de baixa renda indexando o benefício
que recebem à inflação da cesta básica consumida por essa parcela da população.
Lula deveria lembrar que é socialmente injusto manter regras que incentivem a
informalidade, o aumento do rombo da Previdência e
o desequilíbrio fiscal — que alimenta inflação e pune, sobretudo, os mais
vulneráveis que ele quer proteger.
É bem-vinda a iniciativa da CGU para acabar
com sigilo de cem anos
O Globo
Prossegue sob Lula a prática comum na gestão
Bolsonaro. Ela só se justifica quando não houver interesse público
Na campanha eleitoral, o presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva prometeu suspender o sigilo de cem anos que seu adversário, Jair
Bolsonaro, determinara para informações de interesse público. “Farei
um decreto para saber o que esse homem esconde por cem anos”, afirmou em debate
na televisão. Um dos documentos trancafiados era o cartão de vacinação de
Bolsonaro, cujo sigilo foi suspenso em 2023 por decreto de Lula. O documento se
tornou foco de uma investigação por fraude. Mas, uma vez no governo, Lula
manteve a prática.
Está sob sigilo a agenda de visitas à
primeira-dama, Janja Lula
da Silva, como acontecia com Michelle
Bolsonaro. Também está vetada a divulgação dos gastos com o
helicóptero presidencial, das despesas com alimentação no Palácio da Alvorada e
das visitas dos filhos do presidente ao Palácio do Planalto. Chegaram a ser
classificadas como secretas as imagens de câmeras de segurança da invasão do
Planalto e do Congresso em 8 de Janeiro, até serem liberadas pelo Supremo. E
continua em segredo a Declaração de Conflito de Interesses do ministro de Minas
e Energia, Alexandre
Silveira. Obrigatória, essa declaração inclui dados patrimoniais,
fiscais e pessoais, além de informar se há parentes exercendo atividades
incompatíveis com a função.
A cultura da opacidade e do segredo continua
a vigorar na alta administração pública. Por isso é bem-vinda a iniciativa da
Controladoria-Geral da União (CGU),
que acaba de preparar um projeto de alteração na Lei de Acesso à Informação
(LAI) para acabar com o sigilo de um século. O Projeto de Lei, sob análise na
Casa Civil, também procura acabar com o excesso de negativas a pedidos de
informações com base na LAI sob o argumento de que elas são de cunho pessoal.
Em 2022, último ano do governo Bolsonaro, 1.332 requisições foram negadas sob
essa justificativa. No ano passado, 1.339. Mesmo levando em conta o aumento nos
pedidos, ainda é um volume grande de vetos.
É razoável manter reservadas informações de
cunho estritamente pessoal, desde que haja justificativas sensatas. Na prática,
contudo, o caráter privado tem sido usado como pretexto para carimbar como
sigilosas informações de interesse público, contrariando o espírito de
transparência da LAI. Foi o excesso desse tipo de alegação que levou a CGU a
preparar o projeto. Se aprovado, o servidor que vetar a divulgação terá de
apresentar justificativas para a a falta de interesse público. E as informações
pessoais poderão ser consultadas depois da morte do agente público afetado pelo
sigilo.
Outro projeto que acaba com o sigilo de cem
anos tramita no Senado. Seu autor, senador Carlos Viana (Podemos-MG),
justifica a iniciativa com base nos “abusos por parte de governantes e órgãos
de Estado, que têm se negado a fornecer informações que deveriam ser públicas”.
Ambos os projetos deverão ser unificados sob um mesmo relator. A iniciativa
deve ter continuidade, em nome do princípio constitucional da publicidade na
administração pública. O interesse da sociedade não pode ficar em segundo
plano.
Balança precisa pender para o lado da
proteção ambiental
Valor Econômico
É alarmante que Amazonas, Pantanal e Cerrado
queimem simultaneamente, intoxiquem com sua fuligem todas as cidades no caminho
do fogo e nenhuma providência de envergadura pareça estar a caminho
Com quase dois terços do território nacional
encoberto por fumaça de incêndios no campo, na sequência do trágico dilúvio no
Rio Grande do Sul, o governo deveria ter agido com mais intensidade e presteza
aos eventos climáticos extremos que, ao que tudo indica, vieram para ficar. As
reações oficiais às queimadas, do Amazonas a São Paulo, parecem protocolares,
adaptadas à paupéria de recursos do Ministério do Meio Ambiente, e estão muito
aquém da urgência requerida. É alarmante que Amazonas, Pantanal e Cerrado
queimem simultaneamente, intoxiquem com sua fuligem todas as cidades no caminho
do fogo e nenhuma providência de envergadura pareça estar a caminho.
Só agora a ideia de uma Autoridade Climática,
uma proposta de Marina Silva da campanha eleitoral de 2022, entrou nas
prioridades e de um jeito estranho. O governo aparentemente aceitou o
instrumento, que deverá coordenar e executar um plano de prevenção e adaptação
ao choque climático que ainda não existe quando o contrário deveria ocorrer.
Disputas de poder sepultaram por dois anos a ideia que ressurge quando nada
mais parece estar à mão para indicar um rumo plausível de ação.
A magnitude da crise cresce com a
proliferação rápida do fogo. De janeiro até quarta-feira (11), o país registrou
172.815 focos de incêndio, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), o maior número desde 2010. Já a estiagem é a mais extensa
vista em décadas, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Alertas e
Desastres Naturais (Cemaden). São 5 milhões de km2 sob algum grau de seca, ou
59% do território nacional, com parte da área já enfrentando condições adversas
há 12 meses. Dos 27 Estados brasileiros, apenas o Rio Grande do Sul e Santa
Catarina não estão sendo fortemente afetados.
A combinação de baixo volume de chuvas, em
decorrência do fenômeno El Niño, e da antecipação da estação seca, uma das
muitas consequências das mudanças climáticas, alimenta as chamas que se
alastram pelo país. Embora o clima seja favorável à propagação, especialistas
dizem que os incêndios não são acidentais. É preciso intenção para que o fogo
comece, e a Polícia Federal investiga o assunto.
A fumaça dos incêndios ganhou os céus,
levando consigo um tom cinza-alaranjado de apocalipse e secura de deserto à
paisagem das cidades em várias regiões. São Paulo é há quatro dias consecutivos
líder de um ranking de pior qualidade do ar entre 120 cidades do mundo, feito
pelo site suíço IQAir. Outros municípios enfrentam situação similar, o que põe
em risco a saúde da população, especialmente idosos e crianças.
O quadro desolador já exigia ações mais
contundentes, mas, diante da inércia dos Executivos, e o puro desdém do
Congresso, mais preocupado com emendas, coube ao ministro Flávio Dino, do
Supremo Tribunal Federal (STF), ordenar que policiais e bombeiros militares de
áreas não afetadas fossem deslocados para ajudar no enfrentamento dos
incêndios. Ainda que a ação seja imprescindível e tenha ocorrido após uma
audiência de conciliação, não é tarefa de um juiz, e sim do Executivo,
mobilizar forças para combater queimadas.
Pressionado a reagir, o presidente Lula
partiu com uma comitiva de ministros para Manaus e anunciou que o país terá uma
Autoridade Climática, que chega tarde e ainda carece de detalhes sobre sua
estrutura. A culpa pelo atraso, porém, não é apenas do Planalto. Lula também
anunciou um pacote de R$ 650 milhões para o combate à estiagem e ao fogo no
Amazonas. O investimento inclui a pavimentação da polêmica BR-319, obra da
ditadura militar ligando Manaus a Porto Velho, amaldiçoada pelos ambientalistas
e cientistas por conta dos riscos que pode trazer à floresta.
O contraste expõe a incoerência de um governo
que tenta se equilibrar entre uma ala desenvolvimentista, que defende projetos
como a exploração de petróleo na foz do Amazonas, e outra ambientalista, que
viu parte dos seus planos só saírem da gaveta para embelezar discursos ou em
momentos oportunos. Não bastassem as contradições do Executivo, o Congresso
parece pouco interessado no problema e, nos últimos dias, ignorou que o país
está queimando para tocar uma agenda de pouco interesse para a sociedade.
Já está mais do que claro que os efeitos das
mudanças climáticas serão mais intensos daqui para frente. Preveni-los é bem
mais barato e eficaz que remediá-los. Só um plano sério, abrangente, que
envolva diferentes níveis da administração pública e da sociedade civil, será
capaz de dar conta do recado. O governo tem condições de liderar essa missão e
há bons exemplos a serem seguidos. É o caso do trabalho feito para conter o
desmatamento na Amazônia, que caiu quase pela metade em relação ao ano passado.
Espera-se mais do que respostas tardias de um
governo eleito para substituir os negacionismos e as boiadas de Jair Bolsonaro.
Se, daqui em diante, a balança não passar a pender para o lado da proteção
ambiental, a COP30, pensada para ser uma vitrine que levaria o país à liderança
global da luta contra as mudanças climáticas, poderá se transformar em um
fiasco.
Empate triplo dura pouco na disputa
paulistana
Folha de S. Paulo
Nunes e Boulos se isolam na liderança; Marçal
vê sua rejeição disparar, enquanto prefeito amplia vantagem no 2º turno
Durou pouco o empate triplo na dianteira da
corrida pela Prefeitura de São Paulo.
Três semanas depois de detectado pelo Datafolha,
o enrosco entre Ricardo Nunes (MDB), Guilherme
Boulos (PSOL)
e Pablo Marçal (PRTB)
se desfez.
A pesquisa do instituto divulgada nesta
quinta-feira (12) mostra o atual prefeito na liderança
numérica da disputa, com 27% das intenções de voto, mas em situação
de empate técnico com o deputado federal do PSOL, que alcançou 25%. O
influenciador ficou um pouco para trás, com 19%.
A pior notícia para o autointitulado ex-coach
talvez nem seja essa, contudo, e sim o crescimento acentuado de sua rejeição.
Em pouco mais de um mês, a fatia dos eleitores que dizem não votar em Marçal de
jeito nenhum passou de 30% para 44%. É um patamar que dificulta sobremaneira a
vida de quem pretende vencer uma eleição majoritária.
Pelo menos dois fatores contribuem para esse
cenário. Um deles é a artilharia de seus adversários, que partiram para o
ataque tão logo a ascensão de Marçal se concretizou nas pesquisas.
Nunes, em particular, com dois terços do
horário eleitoral gratuito, não economizou nas tentativas de descredenciar o
rival, com quem faz competição direta pelos votos dos bolsonaristas. A lógica
política mais convencional parece pesar contra um candidato sem tempo de rádio
e TV nem estrutura partidária.
O segundo fator é o próprio candidato Marçal.
Sua falta
de limites para a torpeza e o descompromisso com o debate de
ideias até podem render engajamento nas redes sociais, mas, ao que tudo indica,
provocam repulsa em eleitores de fora de seu nicho.
Não surpreende que, nas hipóteses de segundo
turno do Datafolha, o influenciador perderia tanto para Nunes quanto para
Boulos se a eleição fosse hoje.
Nesse ponto, o prefeito não tem do que
reclamar: também derrotaria o deputado do PSOL com vantagem em alta. Assim,
Nunes aumenta seu cacife na parcela dos paulistanos disposta a apoiar o
candidato com mais condições de derrotar a esquerda.
Boulos, por sua vez, cabeça de uma chapa
composta também pelo PT, espera atingir o percentual que, historicamente, tem
dado ao partido de Lula pelo menos o segundo lugar na capital paulista. Seria o
suficiente para levá-lo ao segundo turno, mas, de acordo com a fotografia atual
da disputa, não para conseguir a vitória.
Se quiser ter uma chance, precisará angariar
votos entre os simpatizantes dos demais candidatos, que permanecem estagnados
em um pelotão distante dos três líderes. Tabata Amaral (PSB) e José
Luiz Datena (PSDB),
que tinham pretensões mais elevadas, oscilaram 1 ponto para baixo, com 8% e 6%,
respectivamente.
Como as próprias pesquisas do instituto
Datafolha sugerem, entretanto, a corrida eleitoral está longe de resolvida
—sobretudo por se tratar de uma cidade que conhece muito bem as reviravoltas de
última hora.
A catástrofe esquecida no Sudão
Folha de S. Paulo
Guerra já causou milhares de mortes e pode
ter implicações temerárias, mas é ignorada pela comunidade internacional
Ofuscado pelas guerras em Gaza e na Ucrânia,
o conflito no Sudão adquire
ares de catástrofe humanitária e ameaça se espalhar para muito além de suas
fronteiras, incluindo outros continentes.
Terceiro país mais extenso da África,
um pouco maior que o estado do Amazonas, o Sudão vive um ciclo de instabilidade
desde que protestos levaram as Forças
Armadas a derrubarem o então ditador, Omar al-Bashir, em 2019.
O governo civil que assumiu em seu lugar teve
vida curta e foi derrubado por militares menos de dois anos depois.
A atual
guerra, iniciada em abril de 2023, tem origem na divisão entre o
Exército sudanês e a milícia Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês).
Não há ideologia separando os beligerantes, só vaidades e projetos de poder de
senhores da guerra às custas do sofrimento da população.
Após 15 meses, são cerca de 150 mil mortos e
10 milhões de deslocados internos, ou 20% da população. A capital, Cartum,
outrora metrópole pujante, está devastada. O temor é de uma crise de fome em
larga escala, que já atinge campos de refugiados pelo
país.
O Sudão fica numa região instável e
estratégica, o Chifre da África. É vizinho do Golfo Pérsico e de rotas
marítimas importantes para o comércio mundial.
Também é caminho para migrantes que rumam
à Europa.
Rico em petróleo e minérios, desperta
cobiça de atores externos que turbinam a disputa.
Há sólidas evidências de que os Emirados
Árabes Unidos estejam abastecendo a RSF com armamento, enquanto
Irã e Egito apoiam
o Exército sudanês. Como já se tornou rotina em solo africano, a Rússia,
por meio dos mercenários do grupo Wagner, vende sua influência para os dois
lados.
O envolvimento estrangeiro alimenta um
conflito que já desestabiliza vizinhos, sobretudo o Chade, que vem absorvendo
sudaneses desesperados em fuga. Muitos são da região de Darfur, palco de um
genocídio há 20 anos e que agora revive o horror com algumas das maiores
atrocidades do atual combate.
Com o mundo atento a guerras mais chamativas
e até existenciais (não há armas nucleares no Sudão), há pouco apetite
diplomático para interromper a matança na África. Iniciativas de paz têm sido
tímidas e infrutíferas, com inimigos mal disfarçando a pouca vontade de
negociar.
No entanto ignorar o que pode se tornar uma das maiores tragédias humanitárias das últimas décadas, com imprevisíveis e temerárias implicações geopolíticas, seria mais um erro imperdoável da comunidade internacional.
Orçamento em frangalhos
O Estado de S. Paulo
Pelo que se vê, as emendas parlamentares
fabricadas para abastecer currais eleitorais de congressistas não só
continuarão sem nenhum critério técnico, como poderão ser turbinadas
A pedido do Supremo Tribunal Federal (STF), a
Controladoria-Geral da União (CGU) realizou uma auditoria nos 10 municípios
mais beneficiados, per capita, por emendas parlamentares que constituíam o
chamado “orçamento secreto”, vetado pela Corte, e depois pelas emendas que
substituíram esse mecanismo e mantiveram a opacidade. O resultado da amostra,
entre 2020 e 2023, indica que desvios, atrasos e desperdício de dinheiro não
são exceção, mas regra.
Pelo visto, a falta de transparência na
destinação dos recursos é característica imprescindível desse instrumento para
os objetivos dos parlamentares envolvidos: distribuir verbas sem critério para
melhorar as chances eleitorais de si mesmos e de aliados políticos – isso sem
falar na avenida de oportunidades para corrupção.
Diante das evidências de que o espírito
dessas emendas é intrinsecamente antirrepublicano e antidemocrático, fica cada
vez mais claro o acerto do Supremo em colocar um freio na distribuição desse
dinheiro. Nada do que foi arrolado pela CGU respeita o que vai na Constituição.
Há de tudo ali, desde truques para mascarar
os envolvidos na transferência dos recursos até a escandalosa desnecessidade
por parte de quem os recebe. Um caso exemplar chamou a atenção dos auditores:
para a minúscula Pracuúba (AP), destinou-se polpuda verba para construir nada
menos que quatro campos de futebol, para usufruto de pouco mais de 5 mil
habitantes – que já dispunham de campos de futebol. Isso não é desvio; é
padrão.
Para a surpresa de ninguém, dos dez
municípios que mais receberam dinheiro, cinco são do Amapá, Estado do senador
Davi Alcolumbre, virtual eleito para voltar à presidência do Senado. Consta que
sua habilidade na administração das emendas é um dos fatores que o tornaram
favorito na eleição.
Na última década, as emendas parlamentares
saltaram de 4% do Orçamento discricionário para 23%, tornaram-se obrigatórias e
se diversificaram. Especialistas cansaram de alertar que esses repasses,
distribuídos sem equidade, transparência ou critérios que garantam sua
integração às metas da União e às necessidades locais, degradam as políticas
públicas porque são pulverizados, pressionam os cofres públicos porque drenam
recursos dos ministérios e geram riscos de corrupção porque não são
fiscalizados. Finalmente, distorcem a competição democrática, porque abastecem
redutos de alguns parlamentares em detrimento de outros, tornando-se um
cobiçado complemento do Fundo Eleitoral.
Ainda assim, sob a conivência de Executivos
fracos, os congressistas criaram doações aos caixas de Estados e municípios –
as emendas “Pix” – e repasses sem transparência por apadrinhados de líderes do
Parlamento – o “orçamento secreto”. Este último foi declarado inconstitucional
pelo Supremo Tribunal Federal em 2022, mas continuou a ser operado sob as
Emendas de Comissão. Tamanho foi o destempero que, em agosto, o STF, cumprindo
sua função de guardião da Constituição, suspendeu os repasses até que o Congresso
criasse parâmetros de “eficiência, transparência e rastreabilidade”.
Mas, como reza uma máxima do cinismo
político, consagrado no romance O Leopardo, de Tomasi di Lampedusa, é
preciso que tudo mude se queremos que tudo permaneça como está. Temendo
retaliações do Parlamento, o STF articulou com caciques do Legislativo e do
Executivo um insólito “acordo”, que, em tese, deveria garantir as tais “eficiência,
transparência e rastreabilidade”. Mas já se vê que a pizza, ainda no forno, não
cheira bem. Conforme apurado pelo Estadão, as emendas de comissão podem
virar obrigatórias; os recursos poderão bancar obras regionais, e não
nacionais; o volume de emendas poderá ser turbinado; e as emendas “Pix” serão,
na essência, mantidas.
Assim, nesse acordo, o Judiciário evita mais
desgastes; o Executivo, com sua base parlamentar diminuta, garante ao menos um
naco das emendas para seu PAC; e as bancadas fisiológicas seguem abastecendo
seus currais eleitorais – quando não seus bolsos. A turma de Brasília superou
até o célebre cínico da obra de Lampedusa: ao que parece, tudo mudará, mas para
ficar ainda pior do que já estava.
A desculpa da eleição
O Estado de S. Paulo
Tebet alega que época de eleição dificulta
uma impopular revisão dos gastos, mas o governo já teve um ano sem eleição e
mesmo assim nada fez para interromper a espiral de despesas
A ministra do Planejamento e Orçamento,
Simone Tebet, em entrevista ao Estadão, discorreu sobre a impossibilidade
de revisão estrutural dos gastos orçamentários neste ano por causa do
calendário eleitoral, mas garantiu que o governo não cogita mexer nos pisos
constitucionais da Saúde e da Educação. Também a este jornal, o secretário
Dario Durigan, o segundo na hierarquia do Ministério da Fazenda, em resposta a
uma pergunta específica sobre sujeitar gastos com Previdência, Saúde e Educação
aos limites fixados pelo arcabouço fiscal, disse que a ideia está “amadurecendo
dentro do governo”.
A divergência nas declarações de dois
expoentes da equipe econômica reflete a desconexão do governo quando o foco é o
controle das despesas, o ponto mais crítico na busca pelo equilíbrio fiscal. Em
meio a esse desencontro, a única certeza é de que tão cedo não ocorrerá, num
governo liderado por Lula da Silva, um debate sério e definitivo sobre como
frear o avanço contínuo dos gastos públicos.
Ao dizer que a maioria das medidas de revisão
de gastos depende de aprovação do Legislativo, geralmente refratário a projetos
que possam soar impopulares em ano eleitoral, Tebet reconhece o óbvio. A
questão é que o governo Lula não começou agora, e sim em 2023 – que, além de
não ser ano eleitoral, era supostamente o período em que o presidente eleito,
escorado pela legitimidade do voto, tinha toda a força política para adotar
medidas menos populares. Lula, como se sabe, não fez nada disso. Ao contrário,
ainda antes da posse articulou um grande pacote de gastos e, depois de vestir a
faixa, enterrou de vez o teto para as despesas, optando por um arcabouço fiscal
muito mais brando – e que nem assim é levado muito a sério por Lula.
Se o obstáculo agora é de fato a campanha
municipal, não se pode esperar deste governo o enfrentamento da ampliação dos
gastos. Afinal, Lula da Silva vive em permanente modo eleitoral, tentando
buscar alternativas para driblar amarras orçamentárias – como o uso de fundos
de pensão de estatais e empresas como a Petrobras para financiar projetos de
infraestrutura de interesse do governo – e postergando decisões que travam a
escalada da dívida pública, como a de rever a vinculação de benefícios
previdenciários ao reajuste real do salário mínimo.
No ano passado, o déficit do setor público
como proporção do PIB chegou a 2,29%, com um saldo negativo de quase R$ 250
bilhões, de acordo com dados do Banco Central. A margem de tolerância da meta
de déficit zero para este ano permite, na prática, um resultado negativo de até
R$ 28,8 bilhões. A pouco mais de um trimestre do fechamento do ano, o ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, mantém o discurso de meta zero, ou seja,
equilíbrio entre receitas e despesas, e já fala em “mais conforto” para chegar
ao déficit zero também em 2025. Ninguém mais compra o discurso, até porque o
planejamento para o ano que vem permanece concentrado nas receitas, que
esgotaram o potencial de crescimento.
O secretário executivo Dario Durigan
argumenta que o arcabouço fiscal é a primeira importante trava em relação às
despesas e exemplifica com o bloqueio e contingenciamento de R$ 15 bilhões,
feito recentemente pelo governo para os gastos deste ano. Mas reconhece que, na
busca pelo equilíbrio fiscal, é imprescindível rever a despesa obrigatória do
governo, com discussão no Congresso. Tebet reitera sua convicção no cumprimento
da meta fiscal, “como mantra”, como diz, e alega que o governo sabe “o momento
de fazer e o momento de não fazer as coisas”.
Espera-se que o momento de fazer não tarde, porque a evolução da dívida pública não para. E vale ressaltar que de nada adianta usar de criatividade para aproximar os cálculos de um resultado mais favorável. O que é necessário é derrubar as resistências que parecem existir no governo para reequilibrar, de forma estrutural, a agenda fiscal – a forma mais eficiente e sustentável de combate à desigualdade, bandeira tão cara a Lula da Silva.
Gol de mão
O Estado de S. Paulo
Na desoneração da folha, Senado vence, BC
mantém dignidade e governo se arrisca com perda da credibilidade
O longo imbróglio da desoneração da folha de
pagamento de setores econômicos e municípios terminou na manhã de ontem. Depois
de uma batalha que envolveu a aprovação de um projeto de lei, veto
presidencial, derrubada de veto, edição de medida provisória pelo Executivo,
devolução de trechos da proposta pelo Congresso e até mesmo a participação do
Supremo Tribunal Federal (STF), finalmente se chegou a um acordo sobre o tema e
uma nova proposta foi aprovada prevendo a reoneração gradual, a partir do ano
que vem, e a compensação parcial da renúncia tributária associada à medida.
De início, o Senado queria manter a
desoneração integralmente até 2027, enquanto a equipe econômica lutava pela
reoneração completa já a partir deste ano. O Ministério da Fazenda cobrou dos
parlamentares que propusessem ações para repor as perdas, mas o Legislativo
rejeitou a maioria delas, sobretudo as que representavam aumento de impostos, e
aprovou uma série de medidas que dificilmente vão cobrir o buraco.
De todas, a mais controversa, proposta pelo
Senado com a conivência da Fazenda, era a permissão para que o governo se
apropriasse de R$ 8,6 bilhões em recursos de pessoas físicas e empresas
esquecidos em contas de instituições financeiras e contabilizasse o montante
como receita primária para fins de apuração da meta fiscal. Quando todas as
resistências haviam sido vencidas e o caminho parecia livre, o Banco Central
(BC) entrou na história e jogou um balde de água fria nas pretensões do
Executivo e do Senado.
Por meio de nota técnica, o BC – a quem cabe
o cálculo para apuração da meta – recomendou aos deputados a rejeição integral
desse trecho do projeto de lei, que estava em “flagrante desacordo” com a
metodologia estatística utilizada pela instituição para o cálculo das contas
públicas, as orientações do Tribunal de Contas da União e o entendimento do STF
sobre o tema.
Fato é que o BC tinha razão. O dinheiro
oriundo dessas contas, se contabilizado, deveria ser registrado como ajuste
patrimonial, e não receita primária – ou seja, sem impacto no cálculo da meta
fiscal. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), teve de assumir a
relatoria da proposta para que fosse possível chegar a um acordo. Oficialmente,
todos os envolvidos tiveram de ceder um pouco, mas o governo foi quem mais
perdeu.
O Senado conseguiu manter um cronograma para
que os setores e municípios tenham tempo para se adequar ao fim do benefício e
não precisou se desgastar com medidas arrecadatórias. O BC manteve a dignidade
e não será obrigado a deturpar os resultados fiscais. Já o Ministério da
Fazenda poderá divulgar outro número, diferente do calculado pelo BC, para
sustentar que cumpriu a meta.
A Fazenda, que entrou atrasada no debate, recorreu ao STF para forçar o Congresso a negociar, mas não conseguiu nem reonerar a folha como desejava nem aprovar as medidas para repor as perdas. Ao fim dessa disputa, julga ter obtido uma vitória ao poder apregoar o cumprimento da meta fiscal com mais uma exceção à regra, mas ignora que essa manobra pode ter um custo bem mais alto – a perda de sua credibilidade.
Setembro Verde e a doação de órgãos
Correio Braziliense
Até maio deste ano, o Brasil tinha mais de 72
mil pessoas na lista de transplante de órgãos, sendo o rim o mais
aguardado
Setembro talvez seja o mês com o maior número
de cores e campanhas em prol da saúde no Brasil. Dourado, roxo, azul, vermelho,
amarelo e por aí vai. O Setembro Verde destaca a doação de órgãos e estimula a
população a debater o tema e a se manifestar frente a seus familiares.
A legislação brasileira vigente diz que
apenas a família pode autorizar a doação de órgãos do ente falecido. Nesses
casos, estamos falando em doar uma grande quantidade de órgãos e tecidos, a
exemplo de pele, tendões, pulmões, rins, fígado, pâncreas, intestino, válvulas
do coração, ossos, e outras tantas possibilidades. Em vida, no entanto, é
possível a doação de parte do fígado, da medula óssea e de um dos rins, desde
que seja comprovada a compatibilidade sanguínea.
A primeira boa notícia é que, em 2023, de
acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil contabilizou o maior número de
transplantes de órgãos na última década. Entre janeiro e setembro, foram
registrados 6.766 transplantes, ultrapassando os 6.055 realizados no mesmo
período em 2022.
A segunda boa notícia é o crescimento do
número de doadores. Foram 3.060 efetivações de janeiro a setembro, contra 2.064
no ano anterior, o que corresponde a um crescimento de 17%. O destaque ficou
por conta dos transplantes de rim, que tiveram um aumento de 113% em 20 anos,
passando de 2.911 procedimentos para 6.208.
Além dos avanços na saúde pública, assim como
na interação entre agentes de saúde e famílias dos possíveis doadores, é
importante pontuar o trabalho de acompanhamento de médicos e respectivas
equipes junto aos pacientes e/ou familiares durante todo o processo de
doação.
As organizações de procura de órgãos (OPOs)
desempenham um papel relevante, como parte do Sistema Nacional de Transplantes
(SNT). Atuando como órgãos executivos da Comissão Nacional de Transplantes de
Órgãos e Tecidos, tomaram como exemplo o modelo norte-americano, ficando
responsáveis pela identificação, manutenção e captação de potenciais
doadores.
Embora tenha havido um crescimento
significativo das doações de órgãos, o Brasil ainda engatinha nessa questão,
tanto com relação ao desenvolvimento de políticas públicas que cubram todas as
demandas quanto a campanhas que incentivem as doações intervivos ou após a
morte.
Até maio deste ano, o Brasil tinha mais de 72
mil pessoas na lista de transplante de órgãos, sendo o rim o mais aguardado
(embora seja o mais transplantado), com cerca de 40 mil pessoas na fila,
seguido pela córnea, que conta com mais de 28 mil solicitações e, depois, o
fígado, com mais de 2.300 pessoas aguardando o transplante, segundo os dados do
Ministério da Saúde.
Falta também uma sistematização quanto à
legitimação dos doadores de órgãos. Não há unanimidade quanto à forma de se
manifestar como doador, a não ser apontamentos individuais junto às famílias ou
iniciativas de se pronunciar em documentos como a carteira de identidade. Não
deixam de ser manifestações louváveis, mas ainda muito pouco disseminadas.
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