O Globo
Presidente ignorou soberania popular ao
indicar primeiro-ministro de partido de direita
A França já tinha nos
acostumado à lógica democrática da coabitação desde os anos 1980 e 1990, quando
os governos gaullistas conviviam civilizadamente com os governos socialistas e
vice-versa. Quando o socialista François Mitterrand era presidente, e os
gaullistas venceram as eleições parlamentares, Jacques Chirac se transformou em
primeiro-ministro, mesmo não sendo socialista, em nome do respeito democrático
irrestrito à soberania popular. Da mesma forma, quando o gaullista Chirac
ganhou as eleições presidenciais em seguida, e posteriormente os socialistas
venceram as eleições parlamentares, Lionel Jospin assumiu como
primeiro-ministro pela mesma lógica do imperativo democrático.
Contudo o presidente Emmanuel Macron rasgou os pressupostos da soberania popular francesa quando não indicou um representante da Nova Frente Popular (NFP) da esquerda e dos ecologistas para ser o primeiro-ministro. A NFP obteve comparativamente mais votos que os demais partidos, mesmo sem ter, como as demais legendas, é claro, maioria absoluta. Macron indicou alguém do partido da direita, que teria de se aliar com a extrema direita para poder ter condições mínimas de governabilidade.
O então primeiro-ministro de Macron quis se
demitir no dia seguinte à proclamação dos resultados eleitorais, pois se
norteava pelos antigos pressupostos democráticos da coabitação. Mas o
presidente pediu para ele se manter no cargo até o fim da Olimpíada de Paris. Contudo
Macron queria ganhar tempo para tramar um pequeno golpe rasteiro nos alicerces
da democracia francesa.
Para não indicar, como era esperado, um
membro da NFP, provocou um sério cataclismo na comunidade política francesa, ao
ignorar os pressupostos democráticos e lançar o país numa aventura política
irresponsável e instabilidade perigosa, por não estar à altura do imperativo da
democracia para a França e a Europa. Ambas foram seriamente afetadas pela
manipulação casuística.
Macron desmente tudo o que foi demonstrado de
forma bela, e mesmo deslumbrante, na abertura da Olimpíada —regulada pela ética
e pela política de inclusão e da crítica ao colonialismo europeu — ao indicar
Michel Barnier como primeiro-ministro. Barnier é um político ferozmente marcado
pelas pautas anti-imigração. Portanto a espetacular abertura da festa francesa
na Olimpíada foi uma farsa, na medida em que os pressupostos básicos que a
norteavam não são reconhecidos e respeitados pelo novo primeiro-ministro do
país.
Macron está decididamente na contramão da
democracia e da História. Lança-se no colo da direita e da extrema direita, o
que queria aparentemente evitar ao dissolver o Parlamento e convocar novas
eleições parlamentares, para se contrapor à derrota vergonhosa das forças
progressistas francesas nas eleições para o Parlamento Europeu.
2 comentários:
Ok
Os resultados das urnas são soberanos apenas quando de interesse de quem detém o poder.
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