Candidatos têm de manter compostura nos debates
O Globo
Depois da cadeirada de Datena em Marçal,
baixaria continua a tomar conta dos eventos na TV em SP
Nem o episódio grotesco da cadeirada no
debate entre candidatos à Prefeitura de São Paulo realizado pela TV Cultura no
fim de semana acalmou os ânimos. Em novo debate realizado pela Rede TV! e pelo
portal UOL nesta terça-feira, o candidato Pablo Marçal (PRTB),
com uma das mãos enfaixadas, voltou à carga. Ofendeu o prefeito Ricardo Nunes (MDB)
e provocou de novo José Luiz Datena (PSDB).
Nunes reagiu em tom de voz alterado. Datena respondeu que não bateria em
“covarde” duas vezes. O bate-boca continuou. A moderação teve de conceder
múltiplos direitos de resposta para conter a baixaria insuflada por Marçal e
repercutida pelos adversários.
No domingo, na cena-símbolo do descontrole e
da violência que tomaram conta dos debates, Datena respondeu às provocações
constantes e malcriadas de Marçal lançando uma banqueta sobre o adversário. Foi
um desrespeito ao eleitorado paulistano e uma evidência material de que nenhum
dos dois está qualificado para exercer cargo político de qualquer natureza.
Datena argumentou que sua reação foi humana. Pode até ser verdade. Mas não é reação aceitável de alguém que se julga apto a governar a maior cidade brasileira. Que o partido fundado por próceres da democracia, como Fernando Henrique Cardoso ou Franco Montoro, tenha escolhido um candidato capaz de protagonizar incidente tão vexatório é sinal preocupante do nível de decadência a que chegou.
Embora Marçal tenha sido a vítima da
cadeirada, as evidências não deixam dúvidas de que era isso — ou algo parecido
— que ele planejava. Foram repetidas as acusações infundadas e as provocações,
o tempo todo incitando Datena a usar a violência. Minutos antes de ser
agredido, Marçal lembrou que, em debate anterior, o adversário tucano fora até
o púlpito onde ele estava e, como cachorro que corre atrás de moto e late, “não
fez nada”. Em seguida, chamou-o de “arregão” e disse que não era homem nem para
lhe dar um tapa. Referiu-se a Datena com uma gíria dos presídios normalmente
usada para identificar estupradores. Então foi atingido.
Mesmo depois da agressão, Marçal continuou
provocando. Sua atitude não é digna de quem almeja ocupar um dos cargos mais
cobiçados do país. Desde o início da campanha, ele esteve mais interessado em
circo que em qualquer outra coisa. Tenta chamar a atenção da maneira mais
rasteira. Tudo para produzir fotos e vídeos e publicar em suas redes sociais,
como fez no hospital para onde foi levado. Do PRTB, nada se ouviu sobre o
comportamento de seu candidato.
Na segunda-feira, Datena divulgou nota
dizendo não defender a violência como solução de conflito, mas afirmou não se
arrepender. “Espero, também, ter lavado a alma de milhões de pessoas”, disse.
Na Justiça
Eleitoral, seus advogados acusaram Marçal de calúnia e difamação. Na
campanha de Marçal, a exploração da cadeirada chegou ao absurdo de compará-la
aos atentados contra Donald Trump.
Na esfera policial, seus advogados registraram boletim de ocorrência por lesão
corporal e injúria. É improvável que as investigações resultem em algo concreto
antes ou mesmo depois do pleito.
Por definição, a democracia é a busca de
consenso político por meio do diálogo, sem o emprego da força. Em qualquer
discussão, portanto, é fundamental que os candidatos mantenham um mínimo de
compostura. Não dá mais para tolerar a gritaria e a troca de ofensas que têm
proliferado nos debates. O objetivo desses encontros é informar o eleitor, não
abrir espaço a agressões ou à baixaria.
Na história recente da democracia brasileira,
já houve toda sorte de embates acalorados e bate-bocas, sempre tratados pela
moderação de acordo com as regras — mas agressões físicas deveriam ser
impensáveis. Que tenham passado a fazer parte do jogo político é uma mostra da
absoluta falta de senso de medida dos candidatos em sua busca desenfreada por
exposição para atrair votos.
Nenhum deles esconde a ansiedade pelos
resultados das próximas pesquisas eleitorais. Sobre os temas que afetam o
cotidiano da população, pouco se fala. São Paulo tem desafios gigantescos nas
áreas de transporte, saúde, educação ou segurança. É responsabilidade dos
partidos garantir que seus candidatos apresentem soluções para todos esses
problemas.
Está claro que o comportamento agressivo é
péssimo exemplo não apenas para políticos de outras cidades brasileiras, como
para toda a população. Se adultos que almejam governar a metrópole agem assim,
que recado se transmite às crianças e aos jovens? A prova mais eloquente da
falta de civilidade e temperança — essenciais ao convívio democrático — é que,
no debate nesta terça-feira, as cadeiras tenham de ter sido aparafusadas ao
chão.
Restrição fiscal limita programa de estímulo
a investimentos
Valor Econômico
O próprio governo reconhece que, para atender a todo o setor produtivo, precisaria destinar R$ 28 bilhões para o programa
Quase oito meses depois de ter sido
anunciada, a depreciação acelerada dos investimentos em máquinas e
equipamentos, prometida pelo programa Nova Indústria Brasil (NIB), teve a
regulamentação divulgada na semana passada. A medida permite às empresas descontarem
de tributos a serem pagos metade do valor gasto na aquisição de determinadas
máquinas e equipamentos no primeiro ano, e a outra metade no segundo ano,
antecipando o prazo médio desse benefício, que depende da vida útil do bem, mas
gira em torno de 20 anos.
A regulamentação definiu os 23 setores
favorecidos, relação que engloba de alimentos a têxteis, biocombustíveis,
produtos químicos (exceto os já incluídos no Reiq), farmacêuticos, minerais não
metálicos, metalurgia, equipamentos de informática, eletrônicos e ópticos,
construção de edifícios, além do item diversos, como guarda-chuvas e
instrumentos musicais.
Espera-se agora uma corrida das empresas para
se habilitarem junto à Receita a tempo da próxima declaração de imposto de
renda. O Ministério de Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio (MDIC)
poderá também exigir alguns requisitos como promover a indústria nacional e a
sustentabilidade e possuir determinado conteúdo nacional.
Apesar de os investimentos medidos pela
formação bruta de capital fixo não terem apresentado um número robusto no
segundo trimestre, de 16,8% do Produto Interno Bruto (PIB), a expectativa com a
regulamentação pode ter represado algumas iniciativas. O tempo entre a decisão
de compra de um novo equipamento, sua entrega, instalação e início de produção
no setor de máquinas, por exemplo, pode levar de quatro a seis meses.
O volume de recursos direcionado pelo Nova
Indústria Brasil para a depreciação acelerada é bem modesto: são R$ 3,4 bilhões
nesta primeira etapa, divididos em R$ 1,7 bilhão neste ano e mais R$ 1,7 bilhão
em 2025. O governo conta em ampliar os valores na segunda etapa. Por mais que
procure novas maneiras de gastar, a situação fiscal limita esse e muitos outros
programas - ainda que nesse caso se trate apenas da antecipação de um benefício
que o contribuinte já teria.
O próprio governo reconhece que, para atender
a todo o setor produtivo, precisaria destinar R$ 28 bilhões para o programa. De
toda forma, a expectativa é que a antecipação da depreciação promova a
modernização do parque fabril brasileiro, que, segundo pesquisa da Confederação
Nacional da Indústria (CNI) de 2023, tem máquinas com 14 anos de uso em média,
sendo que 38% delas estão perto da idade indicada pelo fabricante como fim do
ciclo de vida ideal ou já a ultrapassaram.
Para a empresa beneficiada, a antecipação da
depreciação resulta em um ganho de capital de giro, abrindo espaço para outros
investimentos. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada apontam que
a iniciativa tem potencial para alavancar investimentos de R$ 20 bilhões, com
reflexos no aumento do PIB e na geração de empregos. A estimativa da Fiesp é de
R$ 18 bilhões em novos investimentos, com renovação do parque industrial,
melhoria de produtividade e crescimento da produção e da folha de empregados.
A depreciação acelerada é uma medida para
baratear investimentos e modernizar as indústrias e poderia ser feita
independentemente do pacote na qual foi inserida, o da Nova Indústria Brasil,
embalada por uma nostalgia de um passado que, por sinal, não deu certo. A aura
de política industrial, que encanta o PT, encontrou apoio na adoção de medidas
protecionistas e de estímulo ao investimento em uma série de países. Segundo a
Confederação Nacional da Indústria (CNI), as indústrias dos EUA, da União
Europeia, do Reino Unido e do Japão estão recebendo US$ 6,8 trilhões em
políticas industriais. O volume modesto de R$ 300 bilhões em quatro anos da NIB
reflete as restrições fiscais, supondo que o programa vai na direção correta, o
que está longe de ser o caso.
Se a depreciação acelerada parece eficaz,
outras medidas deixam a desejar. A NIB reforça a busca de conteúdo local, o que
não favorece a competitividade da indústria nacional, e quer usar as compras de
governo para estimular determinados setores, o que não mostrou bons resultados
na malfadada Nova Matriz Econômica do governo Dilma. O exemplo mais marcante
foi o das fracassadas encomendas de navios feitas pela Petrobras, que agora se
repetirá com estaleiros em recuperação judicial.
A mesma estratégia corre o risco de ser usada como parte da política de incentivos ao setor nacional de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). A ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, disse que é gigantesco o poder de fogo dessa demanda, ao informar que as compras públicas de bens e serviços em TICs são estimadas em R$ 16 bilhões neste ano, indicando que devam ser voltadas à produção nacional. Esses são setores vitais para o futuro e podem estar condenados a uma nova época de atraso tecnológico se o governo seguir com ideias arcaicas sobre desenvolvimento.
Gasto emergencial não pode ser banalizado
Folha de S. Paulo
Dino, do STF, permite despesa fora do limite
para enfrentar a seca; medida deveria ser analisada por governo e Congresso
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
ainda tenta reagir à onda de seca, queimadas e
incêndios florestais que o pegou desprevenido, mas já recebeu uma ajuda do
ministro Flávio Dino,
do Supremo Tribunal Federal, para gastar
com a crise fora dos limites do Orçamento.
Dino —que já vinha se arvorando em ordenar
ações para o enfrentamento e a investigação dos focos de fogo—
decidiu no domingo (15) que o Planalto pode determinar as despesas necessárias
por meio de medidas provisórias, reservadas para casos de emergência, "sem
cômputos para tetos ou metas fiscais".
É perfeitamente razoável e de interesse
público que, em situações extremas e imprevisíveis, o governo possa liberar
dinheiro temporariamente fora das regras que disciplinam o equilíbrio
orçamentário. O perigo está na banalização desse expediente.
No caso em tela, a canetada monocrática de um
ministro do STF se
antecipou a providências e avaliações que normalmente caberiam ao Executivo e
ao Legislativo. Decerto a estiagem se mostrou mais severa que o esperado, mas o
uso de recursos extraordinários deveria demandar uma análise criteriosa e
transparente.
Trata-se, convém recordar, da quarta vez em
menos de cinco anos que o argumento da
Na primeira, em 2020, o mérito era
indiscutível —fazer frente à pandemia de Covid-19. Abriu-se caminho ali, porém,
para despesas que se mostraram exageradas, como no socorro desmedido a estados
e municípios votado pelo Congresso.
Já em 2022, Jair
Bolsonaro (PL) usou o pretexto do
encarecimento dos combustíveis com a Guerra da Ucrânia para
aprovar uma farra inaudita de gastos pela reeleição —com ampla aprovação de
partidos à direita, ao centro e à esquerda, diga-se.
Neste ano, a chuva precedeu
a seca como fator de urgência. Com a tragédia das enchentes no Rio Grande do
Sul, os parlamentares autorizaram despesas que não serão computadas para o
cumprimento da meta já bastante desacreditada de reduzir a zero o déficit do
Tesouro Nacional.
Agora, a intervenção de Dino, que em nada
parece ter desagradado o governo do qual fez parte, suscita novos temores
quanto à solidez do ajuste fiscal.
O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, foi sensato ao declarar que os eventos agravados pela mudança
climática global podem deixar de ser considerados
extraordinários doravante. Daí a colocar a tese em prática, no entanto, existe
distância considerável, ainda mais numa administração federal afeita a driblar
as restrições do Orçamento.
É verdade que os montantes atuais não se comparam aos anteriores, e as justificativas que os amparam são ao menos plausíveis. Mas é verdade também que este é só o segundo ano de um governo que já minou a credibilidade de sua política econômica.
Já passa da hora de desativar os manicômios
Folha de S. Paulo
CNJ determinou o fechamento dessas
instituições, que ferem a lei; tarefa difícil, mas governos precisam fortalecer
o SUS
Em abril de 2023, o Conselho Nacional de
Justiça determinou a
desativação, até maio deste ano, dos hospitais de custódia,
conhecidos como manicômios judiciários, que abrigam pessoas em medida de
segurança —que cometeram crime, mas são inimputáveis por terem transtornos
psiquiátricos.
A medida tem por objetivo cumprir a Lei
Antimanicomial (2001) e, segundo o Departamento de Monitoramento e Fiscalização
do Sistema Carcerário do CNJ, uma
decisão da Corte Interamericana de Direitos
Humanos.
No entanto 2.276
internos ainda aguardam liberação dessas instituições para
receberem tratamento pela Rede de Apoio Psicossocial (Raps) do SUS, como
noticiou a Folha. Caso o paciente não tenha família para abrigá-lo, pode
ser encaminhado para residências terapêuticas.
De fato, não se trata de tarefa fácil.
Estados e municípios alegam falta de infraestrutura, enquanto entidades médicas
criticam a medida por supostos riscos à segurança dos demais usuários da Raps,
que não cometeram crimes. Ademais, muitas famílias se recusam a acolher os
internos.
No entanto, como os manicômios judiciários
ferem a lei, que proíbe confinamento por tempo indeterminado de pessoas com
transtornos mentais, e inspeções realizadas pelo Ministério dos Direitos
Humanos de 2022 a 2024 atestaram situações degradantes nesses locais, a ordem
do CNJ tem fundamento.
Apesar de ser válido o argumento de que há
uma insuficiência de vagas em hospitais gerais e demais serviços da Raps,
somente apontar a precariedade do sistema não resolve o problema, que infringe
direitos desse estrato da população.
É necessário que o Ministério da
Saúde adote protocolos mais claros para monitorar os casos, com
verificação de prioridades e formulação de planos individualizados para
tratamento. Estados e municípios devem realizar diagnósticos orçamentários e
alocar recursos para o incremento de infraestrutura e de recursos humanos que a
mudança exige.
No Estado democrático de Direito, não há
lugar para tais instituições arcaicas, violentas e insalubres. A solução que
preserva a dignidade humana é o tratamento psiquiátrico e o convívio social,
com respeito às peculiaridades da condição de cada paciente.
É o que mostra a prática. Goiás não tem
manicômios judiciários e, desde 2006, mantém um programa de
tratamento para pessoas em medida de segurança —a taxa de
reincidência é de 5%; entre os detentos dos sistema prisional, é de quase 30%.
A dívida não mente
O Estado de S. Paulo
Ao recorrer a artimanhas para dizer que o
limite de despesas e o arcabouço fiscal serão cumpridos, governo não engana
quase ninguém e ignora que a dívida bruta expõe a realidade dos fatos
O governo Lula da Silva perdeu o pouco pudor
que ainda mantinha na área fiscal e tem deixado cada vez mais claras as
contradições entre o discurso e a prática no que diz respeito ao gasto público.
Pululam exemplos de políticas que ignoram o arcabouço fiscal, a contabilidade
pública e as consequências desses atos para a credibilidade do governo.
Em entrevista ao Estadão, o
sócio-diretor da Gibraltar Consultoria, Marcos Lisboa, enumerou alguns dos
truques fiscais a que o governo recorreu nas últimas semanas. Por meio da lei
que prorrogou a desoneração da folha de pagamento de 17 setores e municípios, o
Tesouro poderá contabilizar os recursos esquecidos em contas bancárias por
correntistas como receita primária, como se o dinheiro fosse seu, para melhorar
o resultado fiscal.
No anúncio do Gás para Todos, nova versão do
Auxílio Gás, o Executivo disse que vai quadruplicar os gastos e ampliar o
público atendido. Ao mesmo tempo, reduziu em 84% o valor reservado para o
programa no ano que vem. A mágica se dará com a ajuda da Caixa Econômica
Federal, que receberá a verba e fará a gestão e operacionalização do programa
sem que o dinheiro precise passar pelo Orçamento.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já havia
dado uma mãozinha ao governo ao reconhecer – corretamente – a
inconstitucionalidade da emenda constitucional dos precatórios, por meio da
qual a administração Jair Bolsonaro impôs um limite anual ao pagamento das
dívidas. Com a decisão, o Executivo conseguiu regularizar os débitos, mas
aproveitou para contabilizá-los no limite de despesas e sem considerá-los na
apuração da meta, via créditos extraordinários.
Agora, o STF deu um passo além e, mais do que
autorizar, o ministro Flávio Dino praticamente estimulou o governo a abrir
créditos extraordinários no Orçamento por meio da decisão em que determinou a
intensificação do combate a queimadas na Amazônia e no Pantanal.
O ministro-chefe da Advocacia-Geral da União
(AGU), Jorge Messias, elogiou a decisão “corajosa e necessária” de Dino. A
ordem do ministro, no entanto, era desnecessária. Bastaria ao Executivo pedir
autorização ao Congresso, como fez ao pedir crédito extraordinário para
enfrentar as enchentes no Rio Grande do Sul.
Por óbvio, a presidente do PT, deputada
Gleisi Hoffmann (PR), considerou “justo” que essas ações sejam excluídas dos
limites fiscais. É, para ela, o melhor dos mundos: gastar sem ter de cortar
outras despesas ou aumentar a arrecadação, mantendo o discurso de que a meta
será cumprida.
A questão é que isso não engana ninguém – ou
quase ninguém. Marcos Lisboa enfatizou que o que importa, do ponto de vista
fiscal, é o crescimento da dívida. O arcabouço e a meta, assim como as demais
regras e leis que tratam da temática da contabilidade pública, são instrumentos
criados para garantir que a dívida se mantenha estável na proporção do Produto
Interno Bruto (PIB).
“Cumprir a meta dessa forma não diz muita
coisa”, afirmou o economista. “Uma coisa não entra na despesa, outra sai da
despesa primária. Se é isso, vamos esquecer o superávit primário, que está se
tornando um guia pouco relevante para a preocupação principal, que é o aumento
da dívida pública.”
O governo parece não compreender o sentido do
arcabouço e da meta fiscal. Eles não são um fim em si mesmos. Cumpri-los, no
curto prazo, é criar condições para que a dívida bruta pare de crescer no médio
e longo prazos.
Se a dívida continuar a crescer, de nada
adianta que o arcabouço e a meta tenham sido cumpridos. É prova de que ou eles
não funcionaram como deveriam e que eram frouxos já de saída ou de que foram
deturpados de forma a entregar um resultado que não condiz com a realidade dos
fatos.
Tantas exceções e dribles reforçam a
importância de perseguir o centro da meta fiscal, e não seu limite. A banda
existe justamente para acomodar imprevistos, como deveria ter sido o caso das
chuvas no Rio Grande do Sul. Quando o governo mira no esforço mínimo, precisa
recorrer a artimanhas para defender seu cumprimento. Falta combinar com a
dívida, mas o problema é que ela não mente.
A morte horrível de um partido político
O Estado de S. Paulo
PSDB decide bancar seu truculento candidato
porque acha que a violência lhe trará votos. Ou seja, entre a derrota e a
desonra, escolheu a desonra, mas será derrotado de qualquer maneira
À luz de todas as pesquisas de intenção de
voto, o candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, o iracundo José Luiz
Datena, não só perderá a eleição, como nem sequer irá ao segundo turno da
disputa pelo governo da capital paulista. O próprio Datena parece estar
convencido de seu melancólico fado, haja vista que, há poucos dias, o candidato
chegou a chorar em lamento por seu pífio desempenho na corrida eleitoral e,
ademais, por não poder realizar o “sonho” de ser eleito, pasme o leitor,
senador da República.
Mas, seja qual for, o destino político do sr.
Datena – até uma remotíssima reviravolta que leve o tucano à vitória – é
totalmente irrelevante para uma constatação nada honrosa sobre seu partido: o
PSDB, moribundo já há algumas eleições, chega ao fim como um partido político
em seu sentido mais nobre, vale dizer, como uma organização da sociedade civil
que reúne indivíduos com afinidades ideológicas, valores, interesses e
objetivos comuns visando a influenciar a tomada de decisões na esfera pública,
especialmente por meio da participação em eleições.
O PSDB já foi assim – e com louvor. Houve um
tempo, já distante, em que o partido de André Franco Montoro, Mário Covas,
Fernando Henrique Cardoso, José Serra e tantos outros traduziu como nenhuma
outra agremiação política os melhores anseios dos brasileiros por uma sociedade
civilizada. O PSDB já foi sinônimo de progresso social e econômico do Brasil. O
PSDB já foi associado à política de alto nível, baseada na força dos argumentos
e do espírito público de seus filiados e nos resultados de sua agenda programática
para o bem comum. O PSDB já canalizou a esperança de milhões de eleitores
ávidos por um distanciamento dos extremos e, principalmente, pela ruptura das
amarras que mantêm o País aferrado ao atraso. Esse PSDB já não existe.
Hoje, o que se chama de PSDB não é muito mais
do que um partido nanico, para não dizer uma legenda de aluguel, dessas que
oferecem abrigo a qualquer um que passar na rua e, pelas mais variadas razões,
possa lhe trazer um punhado de votos capazes de mantê-la respirando por
aparelhos. Às favas a história e, sobretudo, seus princípios fundadores – algo
que nem remotamente parece tirar o sono de Marconi Perillo, atual presidente do
PSDB, e Aécio Neves, seu cacique de facto.
A debacle do PSDB deve ser creditada a ambos,
mas sobretudo ao mineiro, artífice da aproximação da legenda com a truculência
de Jair Bolsonaro, o ponto de inflexão que levou muitos tucanos de corpo e alma
a simplesmente abandonarem a legenda que ajudaram a conceber ainda nos
estertores da ditadura militar. Sob o tacão de Aécio Neves, o PSDB se tornou
uma legenda indistinguível de outras que não têm um décimo de realizações a
apresentar aos eleitores. Basta dizer que ninguém menos que o diretor-geral da Fundação
Fernando Henrique Cardoso, Sergio Fausto, publicou recente artigo neste jornal
defendendo o voto não no candidato tucano, como seria de imaginar noutros
tempos, mas em Tabata Amaral (PSB).
Não há qualquer injustiça nessa
personificação. Afinal, Aécio Neves e Marconi Perillo são os embaixadores dessa
empreitada inconsequente que é a candidatura de José Luiz Datena, um rematado
desqualificado, como se viu, para exercer qualquer cargo público, que dirá
governar a cidade de São Paulo. Tivesse o mínimo de decência, a Executiva
Nacional do PSDB proporia a expulsão sumária de Datena após a agressão física
do tucano contra o candidato Pablo Marçal (PRTB) – da qual, diga-se, Datena não
se arrependeu. Mas o partido, ao contrário, parece estar orgulhoso do
comportamento delinquente de seu candidato, a ponto de fazer cálculos políticos
sobre os supostos ganhos eleitorais que a cadeirada em Marçal pode representar
na disputa.
Perder ou ganhar uma eleição é da democracia.
Nesse sentido, o resultado do pleito importa menos do que a afirmação de
princípios por um partido ou candidatura. O PSDB, é praticamente certo, perderá
a eleição em São Paulo. Mas poderia perder com dignidade. Entretanto, por
escolha própria, e não dos eleitores, o partido sairá derrotado e em desonra.
UnB premia a intolerância
O Estado de S. Paulo
Universidade cancela curso de israelense
diante da ameaça truculenta de alunos pró-palestinos
Universidades deveriam ser o espaço por
excelência do livre debate de ideias. Precisamente porque as universidades
gozam de autonomia e não dependem do crivo das massas ou dos poderosos para
explorar teses, e também porque não têm mandato para ditar o funcionamento da
sociedade por meio de leis, decretos ou decisões judiciais, mesmo ideias
extremas deveriam ser provadas em seus laboratórios intelectuais. Por ser
vocacionada à especulação e não à ação, é a arena certa para expô-las,
debatê-las, desafiá-las e, se for o caso, desacreditá-las.
Mas a Universidade de Brasília (UnB) traiu
sua missão da maneira mais vergonhosa. Na semana passada, cedeu à intimidação
de minorias truculentas e cancelou um curso. No caso, as ideias nem sequer eram
“perigosas”. Tratava-se de um curso sobre América Latina, com o especialista
Jorge Gordin. Ocorre que Gordin é israelense. Alunos pró-palestinos vasculharam
suas redes sociais e encontraram manifestações de apoio às Forças Armadas de
Israel que nem sequer se referiam à guerra em Gaza, mas datavam dos anos 2017 a
2020. Ladeados por partidos progressistas, os militantes prometeram protestos e
tumultos.
Sem titubear, a UnB cancelou o curso “para
garantir a segurança da comunidade universitária”. Adicionando insulto à
agressão, alardeou seu “compromisso com o diálogo respeitoso, a liberdade de
expressão e a liberdade acadêmica”.
Qual compromisso? Mesmo que os contrariados
fossem maioria, a UnB deveria defender as liberdades da minoria. Esses
fanáticos, por sinal, celebram grupos terroristas e reproduzem seus slogans
genocidas sem nenhuma reprimenda. Se havia ameaça de violência, a UnB deveria,
quando muito, adiar o curso enquanto providenciava condições de segurança e
punia os delinquentes. Mas, ao contrário, ela os premiou. Venceu o grito.
A posição das universidades no ecossistema
social está alicerçada na convicção iluminista de que é pela educação e pelo
debate plural de ideias que se dissipam o dogmatismo, a intolerância, o
sectarismo. Mas ultimamente os campi vêm sendo um espaço cada vez menos menos
plural e cada vez mais dogmático, intolerante e sectário.
O resultado é a mais degradante erosão
cognitiva. Prova disso é o teor da convocação do centro acadêmico para o
protesto dos alunos. Nela se lê que “não podemos aceitar que esta universidade
aceite palestrantes sionistas”. Ou seja, pouco importa quais sejam as ideias
dos tais “sionistas”, que é o nome que os antissemitas usam como se fosse um
insulto para deslegitimar o Estado de Israel e negar aos judeus o direito à
autodeterminação. Sendo “sionistas”, portanto, esses acadêmicos devem ser
calados, independentemente do que tenham a dizer.
Que “estudantes” extremistas queiram
interditar o livre debate na universidade é compreensível, dado que essa é a
natureza de quem é, por definição, inimigo da inteligência. Mas que a
universidade não resista a essa pressão truculenta e desista tão facilmente de
defender sua própria razão de ser, eis o lamentável retrato da pusilanimidade
dos intelectuais diante da barbárie.
Horário de verão, um debate necessário
Correio Braziliense
Ainda que a energia poupada seja menor do que
em anos anteriores, qualquer esforço é justificável diante de um volume útil de
apenas 50,75% dos reservatórios do sistema Sudeste/Centro-Oeste
Em entrevista, nesta semana, ao Estado de
Minas, dos Diários Associados, o ministro de Minas e Energia, Alexandre
Silveira (PSD), defendeu o retorno do horário de verão em 2025 como medida para
diminuir o consumo de energia elétrica em meio à seca histórica que atinge o
país nos últimos meses. A medida é acertada diante do aumento da dependência de
fontes não renováveis, como as usinas termelétricas, para dar conta da demanda
brasileira.
Ainda que a energia poupada seja menor
do que em anos anteriores, qualquer esforço é justificável diante de um volume
útil de apenas 50,75% dos reservatórios do sistema Sudeste/Centro-Oeste,
responsável pelo abastecimento de 70% da população brasileira, segundo dados de
ontem. Em Furnas, um dos principais reservatórios do país, por exemplo, o
volume está ainda menor, em torno dos 40%.
Ainda assim, vale ressaltar que o
comportamento atual da população é diferente do que era adotado em décadas
anteriores. O uso do ar-condicionado, sobretudo em períodos de calor intenso,
combinado à baixa umidade e ao uso de aparelhos eletrônicos, como TVs e
celulares, se impõe mais do que outrora, o que reduz os efeitos provocados pelo
horário de verão — como adiar em uma hora o acionamento das luzes das
residências.
Mesmo com esse cenário, o governo federal, à
frente de um país reconhecido internacionalmente por sua matriz energética
sustentável, acerta ao trazer soluções. Momentos de crise exigem medidas
rápidas e até mesmo impopulares. Há quem goste e há quem deteste o horário de
verão. O mesmo, no entanto, não acontece com a temida bandeira vermelha, que
vigora nas tarifas de cada família desde o início do mês e aperta o já sufocado
orçamento mensal.
Na esteira da discussão sobre o horário de
verão, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), entidade de direito
privado que controla o setor sob regulação da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel), anunciou ontem que apresentará um plano para reduzir os danos
da seca no país. Os detalhes serão repassados amanhã. A medida vem em boa hora
sobretudo se a seca persistir em meio à chegada do verão, quando, fatalmente, o
consumo de energia elétrica aumentará diante das altas temperaturas.
Além de garantir o acesso da população à
energia elétrica, as duas medidas — o plano de contingência do ONS e o eventual
retorno do horário de verão — têm reflexos na economia. A seca que compromete
os reservatórios e, por consequência, a geração das usinas hidrelétricas, força
o país a acionar as fontes termelétrica e nuclear, que são mais caras e poluem
mais. No primeiro caso, essa operação pode até mesmo impactar no preço dos
combustíveis na bomba, diante da maior demanda por combustíveis fósseis, como o
óleo diesel.
Vale sempre lembrar, ainda, que, quando se fala em diesel, os impactos vão além e chegam a todo sistema de logística do país, altamente dependente dos veículos de carga. No fim das contas, a seca pode impactar até mesmo o preço da cesta básica nas gôndolas dos supermercados. Se o frete encarece, o produto entregue o acompanha. Portanto, qualquer esforço público é bem-vindo no momento.
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