quarta-feira, 18 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Candidatos têm de manter compostura nos debates

O Globo

Depois da cadeirada de Datena em Marçal, baixaria continua a tomar conta dos eventos na TV em SP

Nem o episódio grotesco da cadeirada no debate entre candidatos à Prefeitura de São Paulo realizado pela TV Cultura no fim de semana acalmou os ânimos. Em novo debate realizado pela Rede TV! e pelo portal UOL nesta terça-feira, o candidato Pablo Marçal (PRTB), com uma das mãos enfaixadas, voltou à carga. Ofendeu o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e provocou de novo José Luiz Datena (PSDB). Nunes reagiu em tom de voz alterado. Datena respondeu que não bateria em “covarde” duas vezes. O bate-boca continuou. A moderação teve de conceder múltiplos direitos de resposta para conter a baixaria insuflada por Marçal e repercutida pelos adversários.

No domingo, na cena-símbolo do descontrole e da violência que tomaram conta dos debates, Datena respondeu às provocações constantes e malcriadas de Marçal lançando uma banqueta sobre o adversário. Foi um desrespeito ao eleitorado paulistano e uma evidência material de que nenhum dos dois está qualificado para exercer cargo político de qualquer natureza.

Datena argumentou que sua reação foi humana. Pode até ser verdade. Mas não é reação aceitável de alguém que se julga apto a governar a maior cidade brasileira. Que o partido fundado por próceres da democracia, como Fernando Henrique Cardoso ou Franco Montoro, tenha escolhido um candidato capaz de protagonizar incidente tão vexatório é sinal preocupante do nível de decadência a que chegou.

Embora Marçal tenha sido a vítima da cadeirada, as evidências não deixam dúvidas de que era isso — ou algo parecido — que ele planejava. Foram repetidas as acusações infundadas e as provocações, o tempo todo incitando Datena a usar a violência. Minutos antes de ser agredido, Marçal lembrou que, em debate anterior, o adversário tucano fora até o púlpito onde ele estava e, como cachorro que corre atrás de moto e late, “não fez nada”. Em seguida, chamou-o de “arregão” e disse que não era homem nem para lhe dar um tapa. Referiu-se a Datena com uma gíria dos presídios normalmente usada para identificar estupradores. Então foi atingido.

Mesmo depois da agressão, Marçal continuou provocando. Sua atitude não é digna de quem almeja ocupar um dos cargos mais cobiçados do país. Desde o início da campanha, ele esteve mais interessado em circo que em qualquer outra coisa. Tenta chamar a atenção da maneira mais rasteira. Tudo para produzir fotos e vídeos e publicar em suas redes sociais, como fez no hospital para onde foi levado. Do PRTB, nada se ouviu sobre o comportamento de seu candidato.

Na segunda-feira, Datena divulgou nota dizendo não defender a violência como solução de conflito, mas afirmou não se arrepender. “Espero, também, ter lavado a alma de milhões de pessoas”, disse. Na Justiça Eleitoral, seus advogados acusaram Marçal de calúnia e difamação. Na campanha de Marçal, a exploração da cadeirada chegou ao absurdo de compará-la aos atentados contra Donald Trump. Na esfera policial, seus advogados registraram boletim de ocorrência por lesão corporal e injúria. É improvável que as investigações resultem em algo concreto antes ou mesmo depois do pleito.

Por definição, a democracia é a busca de consenso político por meio do diálogo, sem o emprego da força. Em qualquer discussão, portanto, é fundamental que os candidatos mantenham um mínimo de compostura. Não dá mais para tolerar a gritaria e a troca de ofensas que têm proliferado nos debates. O objetivo desses encontros é informar o eleitor, não abrir espaço a agressões ou à baixaria.

Na história recente da democracia brasileira, já houve toda sorte de embates acalorados e bate-bocas, sempre tratados pela moderação de acordo com as regras — mas agressões físicas deveriam ser impensáveis. Que tenham passado a fazer parte do jogo político é uma mostra da absoluta falta de senso de medida dos candidatos em sua busca desenfreada por exposição para atrair votos.

Nenhum deles esconde a ansiedade pelos resultados das próximas pesquisas eleitorais. Sobre os temas que afetam o cotidiano da população, pouco se fala. São Paulo tem desafios gigantescos nas áreas de transporte, saúde, educação ou segurança. É responsabilidade dos partidos garantir que seus candidatos apresentem soluções para todos esses problemas.

Está claro que o comportamento agressivo é péssimo exemplo não apenas para políticos de outras cidades brasileiras, como para toda a população. Se adultos que almejam governar a metrópole agem assim, que recado se transmite às crianças e aos jovens? A prova mais eloquente da falta de civilidade e temperança — essenciais ao convívio democrático — é que, no debate nesta terça-feira, as cadeiras tenham de ter sido aparafusadas ao chão.

Restrição fiscal limita programa de estímulo a investimentos

Valor Econômico

O próprio governo reconhece que, para atender a todo o setor produtivo, precisaria destinar R$ 28 bilhões para o programa

Quase oito meses depois de ter sido anunciada, a depreciação acelerada dos investimentos em máquinas e equipamentos, prometida pelo programa Nova Indústria Brasil (NIB), teve a regulamentação divulgada na semana passada. A medida permite às empresas descontarem de tributos a serem pagos metade do valor gasto na aquisição de determinadas máquinas e equipamentos no primeiro ano, e a outra metade no segundo ano, antecipando o prazo médio desse benefício, que depende da vida útil do bem, mas gira em torno de 20 anos.

A regulamentação definiu os 23 setores favorecidos, relação que engloba de alimentos a têxteis, biocombustíveis, produtos químicos (exceto os já incluídos no Reiq), farmacêuticos, minerais não metálicos, metalurgia, equipamentos de informática, eletrônicos e ópticos, construção de edifícios, além do item diversos, como guarda-chuvas e instrumentos musicais.

Espera-se agora uma corrida das empresas para se habilitarem junto à Receita a tempo da próxima declaração de imposto de renda. O Ministério de Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio (MDIC) poderá também exigir alguns requisitos como promover a indústria nacional e a sustentabilidade e possuir determinado conteúdo nacional.

Apesar de os investimentos medidos pela formação bruta de capital fixo não terem apresentado um número robusto no segundo trimestre, de 16,8% do Produto Interno Bruto (PIB), a expectativa com a regulamentação pode ter represado algumas iniciativas. O tempo entre a decisão de compra de um novo equipamento, sua entrega, instalação e início de produção no setor de máquinas, por exemplo, pode levar de quatro a seis meses.

O volume de recursos direcionado pelo Nova Indústria Brasil para a depreciação acelerada é bem modesto: são R$ 3,4 bilhões nesta primeira etapa, divididos em R$ 1,7 bilhão neste ano e mais R$ 1,7 bilhão em 2025. O governo conta em ampliar os valores na segunda etapa. Por mais que procure novas maneiras de gastar, a situação fiscal limita esse e muitos outros programas - ainda que nesse caso se trate apenas da antecipação de um benefício que o contribuinte já teria.

O próprio governo reconhece que, para atender a todo o setor produtivo, precisaria destinar R$ 28 bilhões para o programa. De toda forma, a expectativa é que a antecipação da depreciação promova a modernização do parque fabril brasileiro, que, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) de 2023, tem máquinas com 14 anos de uso em média, sendo que 38% delas estão perto da idade indicada pelo fabricante como fim do ciclo de vida ideal ou já a ultrapassaram.

Para a empresa beneficiada, a antecipação da depreciação resulta em um ganho de capital de giro, abrindo espaço para outros investimentos. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada apontam que a iniciativa tem potencial para alavancar investimentos de R$ 20 bilhões, com reflexos no aumento do PIB e na geração de empregos. A estimativa da Fiesp é de R$ 18 bilhões em novos investimentos, com renovação do parque industrial, melhoria de produtividade e crescimento da produção e da folha de empregados.

A depreciação acelerada é uma medida para baratear investimentos e modernizar as indústrias e poderia ser feita independentemente do pacote na qual foi inserida, o da Nova Indústria Brasil, embalada por uma nostalgia de um passado que, por sinal, não deu certo. A aura de política industrial, que encanta o PT, encontrou apoio na adoção de medidas protecionistas e de estímulo ao investimento em uma série de países. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), as indústrias dos EUA, da União Europeia, do Reino Unido e do Japão estão recebendo US$ 6,8 trilhões em políticas industriais. O volume modesto de R$ 300 bilhões em quatro anos da NIB reflete as restrições fiscais, supondo que o programa vai na direção correta, o que está longe de ser o caso.

Se a depreciação acelerada parece eficaz, outras medidas deixam a desejar. A NIB reforça a busca de conteúdo local, o que não favorece a competitividade da indústria nacional, e quer usar as compras de governo para estimular determinados setores, o que não mostrou bons resultados na malfadada Nova Matriz Econômica do governo Dilma. O exemplo mais marcante foi o das fracassadas encomendas de navios feitas pela Petrobras, que agora se repetirá com estaleiros em recuperação judicial.

A mesma estratégia corre o risco de ser usada como parte da política de incentivos ao setor nacional de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). A ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, disse que é gigantesco o poder de fogo dessa demanda, ao informar que as compras públicas de bens e serviços em TICs são estimadas em R$ 16 bilhões neste ano, indicando que devam ser voltadas à produção nacional. Esses são setores vitais para o futuro e podem estar condenados a uma nova época de atraso tecnológico se o governo seguir com ideias arcaicas sobre desenvolvimento.

Gasto emergencial não pode ser banalizado

Folha de S. Paulo

Dino, do STF, permite despesa fora do limite para enfrentar a seca; medida deveria ser analisada por governo e Congresso

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda tenta reagir à onda de seca, queimadas e incêndios florestais que o pegou desprevenido, mas já recebeu uma ajuda do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, para gastar com a crise fora dos limites do Orçamento.

Dino —que já vinha se arvorando em ordenar ações para o enfrentamento e a investigação dos focos de fogo— decidiu no domingo (15) que o Planalto pode determinar as despesas necessárias por meio de medidas provisórias, reservadas para casos de emergência, "sem cômputos para tetos ou metas fiscais".

É perfeitamente razoável e de interesse público que, em situações extremas e imprevisíveis, o governo possa liberar dinheiro temporariamente fora das regras que disciplinam o equilíbrio orçamentário. O perigo está na banalização desse expediente.

No caso em tela, a canetada monocrática de um ministro do STF se antecipou a providências e avaliações que normalmente caberiam ao Executivo e ao Legislativo. Decerto a estiagem se mostrou mais severa que o esperado, mas o uso de recursos extraordinários deveria demandar uma análise criteriosa e transparente.

Trata-se, convém recordar, da quarta vez em menos de cinco anos que o argumento da

Na primeira, em 2020, o mérito era indiscutível —fazer frente à pandemia de Covid-19. Abriu-se caminho ali, porém, para despesas que se mostraram exageradas, como no socorro desmedido a estados e municípios votado pelo Congresso.

Já em 2022, Jair Bolsonaro (PL) usou o pretexto do encarecimento dos combustíveis com a Guerra da Ucrânia para aprovar uma farra inaudita de gastos pela reeleição —com ampla aprovação de partidos à direita, ao centro e à esquerda, diga-se.

Neste ano, a chuva precedeu a seca como fator de urgência. Com a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, os parlamentares autorizaram despesas que não serão computadas para o cumprimento da meta já bastante desacreditada de reduzir a zero o déficit do Tesouro Nacional.

Agora, a intervenção de Dino, que em nada parece ter desagradado o governo do qual fez parte, suscita novos temores quanto à solidez do ajuste fiscal.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi sensato ao declarar que os eventos agravados pela mudança climática global podem deixar de ser considerados extraordinários doravante. Daí a colocar a tese em prática, no entanto, existe distância considerável, ainda mais numa administração federal afeita a driblar as restrições do Orçamento.

É verdade que os montantes atuais não se comparam aos anteriores, e as justificativas que os amparam são ao menos plausíveis. Mas é verdade também que este é só o segundo ano de um governo que já minou a credibilidade de sua política econômica.

Já passa da hora de desativar os manicômios

Folha de S. Paulo

CNJ determinou o fechamento dessas instituições, que ferem a lei; tarefa difícil, mas governos precisam fortalecer o SUS

Em abril de 2023, o Conselho Nacional de Justiça determinou a desativação, até maio deste ano, dos hospitais de custódia, conhecidos como manicômios judiciários, que abrigam pessoas em medida de segurança —que cometeram crime, mas são inimputáveis por terem transtornos psiquiátricos.

A medida tem por objetivo cumprir a Lei Antimanicomial (2001) e, segundo o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ, uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

No entanto 2.276 internos ainda aguardam liberação dessas instituições para receberem tratamento pela Rede de Apoio Psicossocial (Raps) do SUS, como noticiou a Folha. Caso o paciente não tenha família para abrigá-lo, pode ser encaminhado para residências terapêuticas.

De fato, não se trata de tarefa fácil. Estados e municípios alegam falta de infraestrutura, enquanto entidades médicas criticam a medida por supostos riscos à segurança dos demais usuários da Raps, que não cometeram crimes. Ademais, muitas famílias se recusam a acolher os internos.

No entanto, como os manicômios judiciários ferem a lei, que proíbe confinamento por tempo indeterminado de pessoas com transtornos mentais, e inspeções realizadas pelo Ministério dos Direitos Humanos de 2022 a 2024 atestaram situações degradantes nesses locais, a ordem do CNJ tem fundamento.

Apesar de ser válido o argumento de que há uma insuficiência de vagas em hospitais gerais e demais serviços da Raps, somente apontar a precariedade do sistema não resolve o problema, que infringe direitos desse estrato da população.

É necessário que o Ministério da Saúde adote protocolos mais claros para monitorar os casos, com verificação de prioridades e formulação de planos individualizados para tratamento. Estados e municípios devem realizar diagnósticos orçamentários e alocar recursos para o incremento de infraestrutura e de recursos humanos que a mudança exige.

No Estado democrático de Direito, não há lugar para tais instituições arcaicas, violentas e insalubres. A solução que preserva a dignidade humana é o tratamento psiquiátrico e o convívio social, com respeito às peculiaridades da condição de cada paciente.

É o que mostra a prática. Goiás não tem manicômios judiciários e, desde 2006, mantém um programa de tratamento para pessoas em medida de segurança —a taxa de reincidência é de 5%; entre os detentos dos sistema prisional, é de quase 30%.

A dívida não mente

O Estado de S. Paulo

Ao recorrer a artimanhas para dizer que o limite de despesas e o arcabouço fiscal serão cumpridos, governo não engana quase ninguém e ignora que a dívida bruta expõe a realidade dos fatos

O governo Lula da Silva perdeu o pouco pudor que ainda mantinha na área fiscal e tem deixado cada vez mais claras as contradições entre o discurso e a prática no que diz respeito ao gasto público. Pululam exemplos de políticas que ignoram o arcabouço fiscal, a contabilidade pública e as consequências desses atos para a credibilidade do governo.

Em entrevista ao Estadão, o sócio-diretor da Gibraltar Consultoria, Marcos Lisboa, enumerou alguns dos truques fiscais a que o governo recorreu nas últimas semanas. Por meio da lei que prorrogou a desoneração da folha de pagamento de 17 setores e municípios, o Tesouro poderá contabilizar os recursos esquecidos em contas bancárias por correntistas como receita primária, como se o dinheiro fosse seu, para melhorar o resultado fiscal.

No anúncio do Gás para Todos, nova versão do Auxílio Gás, o Executivo disse que vai quadruplicar os gastos e ampliar o público atendido. Ao mesmo tempo, reduziu em 84% o valor reservado para o programa no ano que vem. A mágica se dará com a ajuda da Caixa Econômica Federal, que receberá a verba e fará a gestão e operacionalização do programa sem que o dinheiro precise passar pelo Orçamento.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já havia dado uma mãozinha ao governo ao reconhecer – corretamente – a inconstitucionalidade da emenda constitucional dos precatórios, por meio da qual a administração Jair Bolsonaro impôs um limite anual ao pagamento das dívidas. Com a decisão, o Executivo conseguiu regularizar os débitos, mas aproveitou para contabilizá-los no limite de despesas e sem considerá-los na apuração da meta, via créditos extraordinários.

Agora, o STF deu um passo além e, mais do que autorizar, o ministro Flávio Dino praticamente estimulou o governo a abrir créditos extraordinários no Orçamento por meio da decisão em que determinou a intensificação do combate a queimadas na Amazônia e no Pantanal.

O ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, elogiou a decisão “corajosa e necessária” de Dino. A ordem do ministro, no entanto, era desnecessária. Bastaria ao Executivo pedir autorização ao Congresso, como fez ao pedir crédito extraordinário para enfrentar as enchentes no Rio Grande do Sul.

Por óbvio, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), considerou “justo” que essas ações sejam excluídas dos limites fiscais. É, para ela, o melhor dos mundos: gastar sem ter de cortar outras despesas ou aumentar a arrecadação, mantendo o discurso de que a meta será cumprida.

A questão é que isso não engana ninguém – ou quase ninguém. Marcos Lisboa enfatizou que o que importa, do ponto de vista fiscal, é o crescimento da dívida. O arcabouço e a meta, assim como as demais regras e leis que tratam da temática da contabilidade pública, são instrumentos criados para garantir que a dívida se mantenha estável na proporção do Produto Interno Bruto (PIB).

“Cumprir a meta dessa forma não diz muita coisa”, afirmou o economista. “Uma coisa não entra na despesa, outra sai da despesa primária. Se é isso, vamos esquecer o superávit primário, que está se tornando um guia pouco relevante para a preocupação principal, que é o aumento da dívida pública.”

O governo parece não compreender o sentido do arcabouço e da meta fiscal. Eles não são um fim em si mesmos. Cumpri-los, no curto prazo, é criar condições para que a dívida bruta pare de crescer no médio e longo prazos.

Se a dívida continuar a crescer, de nada adianta que o arcabouço e a meta tenham sido cumpridos. É prova de que ou eles não funcionaram como deveriam e que eram frouxos já de saída ou de que foram deturpados de forma a entregar um resultado que não condiz com a realidade dos fatos.

Tantas exceções e dribles reforçam a importância de perseguir o centro da meta fiscal, e não seu limite. A banda existe justamente para acomodar imprevistos, como deveria ter sido o caso das chuvas no Rio Grande do Sul. Quando o governo mira no esforço mínimo, precisa recorrer a artimanhas para defender seu cumprimento. Falta combinar com a dívida, mas o problema é que ela não mente.

A morte horrível de um partido político

O Estado de S. Paulo

PSDB decide bancar seu truculento candidato porque acha que a violência lhe trará votos. Ou seja, entre a derrota e a desonra, escolheu a desonra, mas será derrotado de qualquer maneira

À luz de todas as pesquisas de intenção de voto, o candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, o iracundo José Luiz Datena, não só perderá a eleição, como nem sequer irá ao segundo turno da disputa pelo governo da capital paulista. O próprio Datena parece estar convencido de seu melancólico fado, haja vista que, há poucos dias, o candidato chegou a chorar em lamento por seu pífio desempenho na corrida eleitoral e, ademais, por não poder realizar o “sonho” de ser eleito, pasme o leitor, senador da República.

Mas, seja qual for, o destino político do sr. Datena – até uma remotíssima reviravolta que leve o tucano à vitória – é totalmente irrelevante para uma constatação nada honrosa sobre seu partido: o PSDB, moribundo já há algumas eleições, chega ao fim como um partido político em seu sentido mais nobre, vale dizer, como uma organização da sociedade civil que reúne indivíduos com afinidades ideológicas, valores, interesses e objetivos comuns visando a influenciar a tomada de decisões na esfera pública, especialmente por meio da participação em eleições.

O PSDB já foi assim – e com louvor. Houve um tempo, já distante, em que o partido de André Franco Montoro, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e tantos outros traduziu como nenhuma outra agremiação política os melhores anseios dos brasileiros por uma sociedade civilizada. O PSDB já foi sinônimo de progresso social e econômico do Brasil. O PSDB já foi associado à política de alto nível, baseada na força dos argumentos e do espírito público de seus filiados e nos resultados de sua agenda programática para o bem comum. O PSDB já canalizou a esperança de milhões de eleitores ávidos por um distanciamento dos extremos e, principalmente, pela ruptura das amarras que mantêm o País aferrado ao atraso. Esse PSDB já não existe.

Hoje, o que se chama de PSDB não é muito mais do que um partido nanico, para não dizer uma legenda de aluguel, dessas que oferecem abrigo a qualquer um que passar na rua e, pelas mais variadas razões, possa lhe trazer um punhado de votos capazes de mantê-la respirando por aparelhos. Às favas a história e, sobretudo, seus princípios fundadores – algo que nem remotamente parece tirar o sono de Marconi Perillo, atual presidente do PSDB, e Aécio Neves, seu cacique de facto.

A debacle do PSDB deve ser creditada a ambos, mas sobretudo ao mineiro, artífice da aproximação da legenda com a truculência de Jair Bolsonaro, o ponto de inflexão que levou muitos tucanos de corpo e alma a simplesmente abandonarem a legenda que ajudaram a conceber ainda nos estertores da ditadura militar. Sob o tacão de Aécio Neves, o PSDB se tornou uma legenda indistinguível de outras que não têm um décimo de realizações a apresentar aos eleitores. Basta dizer que ninguém menos que o diretor-geral da Fundação Fernando Henrique Cardoso, Sergio Fausto, publicou recente artigo neste jornal defendendo o voto não no candidato tucano, como seria de imaginar noutros tempos, mas em Tabata Amaral (PSB).

Não há qualquer injustiça nessa personificação. Afinal, Aécio Neves e Marconi Perillo são os embaixadores dessa empreitada inconsequente que é a candidatura de José Luiz Datena, um rematado desqualificado, como se viu, para exercer qualquer cargo público, que dirá governar a cidade de São Paulo. Tivesse o mínimo de decência, a Executiva Nacional do PSDB proporia a expulsão sumária de Datena após a agressão física do tucano contra o candidato Pablo Marçal (PRTB) – da qual, diga-se, Datena não se arrependeu. Mas o partido, ao contrário, parece estar orgulhoso do comportamento delinquente de seu candidato, a ponto de fazer cálculos políticos sobre os supostos ganhos eleitorais que a cadeirada em Marçal pode representar na disputa.

Perder ou ganhar uma eleição é da democracia. Nesse sentido, o resultado do pleito importa menos do que a afirmação de princípios por um partido ou candidatura. O PSDB, é praticamente certo, perderá a eleição em São Paulo. Mas poderia perder com dignidade. Entretanto, por escolha própria, e não dos eleitores, o partido sairá derrotado e em desonra.

UnB premia a intolerância

O Estado de S. Paulo

Universidade cancela curso de israelense diante da ameaça truculenta de alunos pró-palestinos

Universidades deveriam ser o espaço por excelência do livre debate de ideias. Precisamente porque as universidades gozam de autonomia e não dependem do crivo das massas ou dos poderosos para explorar teses, e também porque não têm mandato para ditar o funcionamento da sociedade por meio de leis, decretos ou decisões judiciais, mesmo ideias extremas deveriam ser provadas em seus laboratórios intelectuais. Por ser vocacionada à especulação e não à ação, é a arena certa para expô-las, debatê-las, desafiá-las e, se for o caso, desacreditá-las.

Mas a Universidade de Brasília (UnB) traiu sua missão da maneira mais vergonhosa. Na semana passada, cedeu à intimidação de minorias truculentas e cancelou um curso. No caso, as ideias nem sequer eram “perigosas”. Tratava-se de um curso sobre América Latina, com o especialista Jorge Gordin. Ocorre que Gordin é israelense. Alunos pró-palestinos vasculharam suas redes sociais e encontraram manifestações de apoio às Forças Armadas de Israel que nem sequer se referiam à guerra em Gaza, mas datavam dos anos 2017 a 2020. Ladeados por partidos progressistas, os militantes prometeram protestos e tumultos.

Sem titubear, a UnB cancelou o curso “para garantir a segurança da comunidade universitária”. Adicionando insulto à agressão, alardeou seu “compromisso com o diálogo respeitoso, a liberdade de expressão e a liberdade acadêmica”.

Qual compromisso? Mesmo que os contrariados fossem maioria, a UnB deveria defender as liberdades da minoria. Esses fanáticos, por sinal, celebram grupos terroristas e reproduzem seus slogans genocidas sem nenhuma reprimenda. Se havia ameaça de violência, a UnB deveria, quando muito, adiar o curso enquanto providenciava condições de segurança e punia os delinquentes. Mas, ao contrário, ela os premiou. Venceu o grito.

A posição das universidades no ecossistema social está alicerçada na convicção iluminista de que é pela educação e pelo debate plural de ideias que se dissipam o dogmatismo, a intolerância, o sectarismo. Mas ultimamente os campi vêm sendo um espaço cada vez menos menos plural e cada vez mais dogmático, intolerante e sectário.

O resultado é a mais degradante erosão cognitiva. Prova disso é o teor da convocação do centro acadêmico para o protesto dos alunos. Nela se lê que “não podemos aceitar que esta universidade aceite palestrantes sionistas”. Ou seja, pouco importa quais sejam as ideias dos tais “sionistas”, que é o nome que os antissemitas usam como se fosse um insulto para deslegitimar o Estado de Israel e negar aos judeus o direito à autodeterminação. Sendo “sionistas”, portanto, esses acadêmicos devem ser calados, independentemente do que tenham a dizer.

Que “estudantes” extremistas queiram interditar o livre debate na universidade é compreensível, dado que essa é a natureza de quem é, por definição, inimigo da inteligência. Mas que a universidade não resista a essa pressão truculenta e desista tão facilmente de defender sua própria razão de ser, eis o lamentável retrato da pusilanimidade dos intelectuais diante da barbárie.

Horário de verão, um debate necessário

Correio Braziliense

Ainda que a energia poupada seja menor do que em anos anteriores, qualquer esforço é justificável diante de um volume útil de apenas 50,75% dos reservatórios do sistema Sudeste/Centro-Oeste

Em entrevista, nesta semana, ao Estado de Minas, dos Diários Associados, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), defendeu o retorno do horário de verão em 2025 como medida para diminuir o consumo de energia elétrica em meio à seca histórica que atinge o país nos últimos meses. A medida é acertada diante do aumento da dependência de fontes não renováveis, como as usinas termelétricas, para dar conta da demanda brasileira.

 Ainda que a energia poupada seja menor do que em anos anteriores, qualquer esforço é justificável diante de um volume útil de apenas 50,75% dos reservatórios do sistema Sudeste/Centro-Oeste, responsável pelo abastecimento de 70% da população brasileira, segundo dados de ontem. Em Furnas, um dos principais reservatórios do país, por exemplo, o volume está ainda menor, em torno dos 40%.

Ainda assim, vale ressaltar que o comportamento atual da população é diferente do que era adotado em décadas anteriores. O uso do ar-condicionado, sobretudo em períodos de calor intenso, combinado à baixa umidade e ao uso de aparelhos eletrônicos, como TVs e celulares, se impõe mais do que outrora, o que reduz os efeitos provocados pelo horário de verão — como adiar em uma hora o acionamento das luzes das residências. 

Mesmo com esse cenário, o governo federal, à frente de um país reconhecido internacionalmente por sua matriz energética sustentável, acerta ao trazer soluções. Momentos de crise exigem medidas rápidas e até mesmo impopulares. Há quem goste e há quem deteste o horário de verão. O mesmo, no entanto, não acontece com a temida bandeira vermelha, que vigora nas tarifas de cada família desde o início do mês e aperta o já sufocado orçamento mensal.

Na esteira da discussão sobre o horário de verão, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), entidade de direito privado que controla o setor sob regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), anunciou ontem que apresentará um plano para reduzir os danos da seca no país. Os detalhes serão repassados amanhã. A medida vem em boa hora sobretudo se a seca persistir em meio à chegada do verão, quando, fatalmente, o consumo de energia elétrica aumentará diante das altas temperaturas. 

Além de garantir o acesso da população à energia elétrica, as duas medidas — o plano de contingência do ONS e o eventual retorno do horário de verão — têm reflexos na economia. A seca que compromete os reservatórios e, por consequência, a geração das usinas hidrelétricas, força o país a acionar as fontes termelétrica e nuclear, que são mais caras e poluem mais. No primeiro caso, essa operação pode até mesmo impactar no preço dos combustíveis na bomba, diante da maior demanda por combustíveis fósseis, como o óleo diesel. 

Vale sempre lembrar, ainda, que, quando se fala em diesel, os impactos vão além e chegam a todo sistema de logística do país, altamente dependente dos veículos de carga. No fim das contas, a seca pode impactar até mesmo o preço da cesta básica nas gôndolas dos supermercados. Se o frete encarece, o produto entregue o acompanha. Portanto, qualquer esforço público é bem-vindo no momento.

 

 

 

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