Folha de S. Paulo
Em uma mudança cultural de fundo, nossa
sociedade está mais 'de direita'
O PL perdeu a maioria
dos segundos turnos em que enfrentou um candidato de centro ou de
centro-direita. Seus grandes triunfos —como Brunini, em Cuiabá—
se deram justamente onde o adversário era de esquerda. Isso significa que, na
maior parte das capitais, a união entre esquerda, centro e centro-direita ainda
soma mais do que a extrema direita sozinha. Ufa!
Mas a direita bolsonarista puro-sangue continua forte. O PL, que tantas cidades perdeu no segundo turno, ainda assim foi o partido com o maior número de votos para prefeito do Brasil e é o partido com o maior número de prefeituras de grandes cidades (aquelas com mais de 200 mil eleitores). Tem 16, seguido pelo PSD com 15. O partido de esquerda melhor colocado nesse ranking é o PT, em oitavo lugar, com 6 prefeituras de grandes cidades.
Cristina Graeml, Bruno Engler, Pablo Marçal,
André Fernandes, Éder Mauro e tantos outros podem ter perdido, mas já se
fixaram como nomes viáveis em eleições majoritárias
para uma faixa expressiva do eleitorado. A direita, mesmo apostando no
radicalismo, chegou tão ou mais perto de ganhar quanto a esquerda que desdobrou
para se mostrar moderada.
Isso não é à toa. E duvido que um candidato
de esquerda que não se moderasse —se Boulos fizesse da defesa de ocupações e
das críticas à Polícia
Militar suas bandeiras, por exemplo— tivesse maiores chances.
Há uma série de temas para os quais ser de esquerda é um obstáculo, enquanto o
de direita pode contar com os ventos favoráveis da opinião pública. E isso se
explica por uma mudança cultural de fundo: nossa sociedade está mais "de
direita".
Empreendedorismo, por exemplo, é um tema em
que as teses da esquerda e as crenças do grosso da população estão em oposição.
Para a esquerda, o empreendedorismo é um problema social, uma forma de trabalho
precarizado que ilude trabalhadores para melhor explorá-los. O ideal seria que
toda a população trabalhasse no modelo CLT ou, melhor ainda, no regime do
serviço público concursado.
Outro é a segurança pública: o que uma
candidatura de esquerda tem a dizer sobre esse tema além de desdizer o que era
dito antes? Depois de anos tratando o criminoso como vítima da sociedade, e a
polícia como violadora de direitos
humanos, como alinhar o discurso às crenças da população de forma
convincente?
Não faltam outros temas: política externa,
meritocracia, religião. Vozes de esquerda terão muito mais capacidade do que
eu, mero observador externo, de descobrir como se adequar a esse novo panorama
ideológico. Esse desafio, contudo, não diz respeito apenas à esquerda. Há uma
série de conquistas iluministas, que contemplam também a direita liberal, que
também estão em xeque: Estado laico, direitos LGBT, pensamento científico
(versus pensamento mágico), divisão de poderes, jornalismo profissional,
etc.
Um abismo separa a elite cultural —que até
hoje teve peso desproporcional na mídia e na política— e o resto do povo.
Diferença de valores, crenças e sensibilidade. Reduzir essa distância —não por
meio da censura, e sim pelo diálogo e pela persuasão— deve ser o objetivo
número 1 de todos os que acreditam que os valores que marcaram o mundo liberal
e democrático precisam ser preservados.
Um comentário:
Quem gosta de livros vota na esquerda,quem gosta de vaca no pasto vota na direita,rs.
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