terça-feira, 29 de outubro de 2024

Entrevista | Kassab: Tarcísio é líder estadual e problema do Centro é não ter opções majoritárias

César Felício/ Valor Econômico

Presidente nacional do PSD afirma que "Centrão não existe mais"

Presidente nacional do PSD, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab sai do processo eleitoral com o seu partido ostentando a condição de sigla com a maior quantidade de prefeitos do País (888 municípios conquistados), administrando 27, 6 milhões de eleitores, quase a mesma fatia obtida pelo MDB ( 27,7 milhões). Ele afirma que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de quem é secretário de Governo, é uma liderança que hoje unifica os partidos de centro e de direita, mas faz a ressalva de que isso vale para São Paulo. Tarcísio, na opinião de Kassab, é uma liderança estadual, não nacional. Kassab falou com o Valor na sexta-feira, com o compromisso de publicação da entrevista depois da apuração.

No plano nacional o presidente do PSD vê um cenário em aberto com três campos demarcados: um é o da direita, liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, formado pelo PL, Republicanos e PP. O outro é o da esquerda, cuja referência é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, integrado por PT, PSB, PDT e Psol. O terceiro, e maior deles, é o formado pelo Centro, integrado por PSD, MDB e União Brasil. "O problema do Centro é a falta de opções majoritárias", opina.

A seguir trechos da entrevista de Kassab ao Valor:

Valor: O PSD tem agora o maior número de prefeitos e a maior população governada no Brasil. Isso muda algo na política nacional?

Gilberto Kassab: Acho que vou na contramão do que muitos tem colocado. A eleição mostrou uma direita com cara, uma esquerda com cara e um centro que está ficando com uma cara. O Centrão não existe mais. Quando se fala em Centrão, se perde a capacidade de se fazer a leitura correta do quadro político, porque hoje está tudo muito mais ideológico, muito mais definido. O Centrão era um grupo político, mas hoje o PL e o PP são partidos sob liderança do ex-presidente Jair Bolsonaro. O Bolsonaro fez uma direita no Brasil. O último que tinha feito isso foi o Paulo Maluf, agora o Bolsonaro fez. O PSD e o MDB não são partidos de direita. Eu acho que o União Brasil também não é.

Valor: E porque não são?

Kassab: Veja as lideranças regionais, os projetos locais. Salvo o Ronaldo Caiado que tem uma posição mais conservadora, você não identifica no União Brasil um projeto sob a liderança da direita.

Valor: Por que o PSD não é de direita?

Kassab: O PSD desde o início é centro. Eu nunca fui Centrão. É um partido com nitidez ideológica no centro. É evidente que, como em qualquer lugar, quem é de centro tenha seu antagonismo com quem é de direita e quem é de esquerda. É evidente que o Ratinho Júnior [governador do Paraná] está mais à direita e o Otto Alencar [senador pela Bahia] está mais à esquerda. Mas os dois se apresentam como de centro. Quando alguém se apresenta como alguma coisa é porque é. No Paraná foi a direita que se aliou a ele e a esquerda não. Isso não é fisiologismo, é próprio do centro. O partido cresce porque tem buscado candidatura própria. Temos Eduardo Paes, Ratinho, Eduardo Pimentel, Topázio Neto, Eduardo Braide, Rodrigo Pacheco...Eu mesmo sou um quadro para disputa majoritária. É um partido que tem 15 senadores. Se prepara para disputar eleições, haja visto os prefeitos que a gente elegeu. É um partido que quer se posicionar com candidaturas próprias. E um partido de centro tem menos arestas para compor tanto com a esquerda quanto com a direita. Se você está em uma eleição definidora, lógico que um dos pólos vai estar com você e outro contra. Veja Curitiba. O Eduardo Pimentel está contra a candidata de direita apoiada pelo Bolsonaro. Então evidente que o eleitor de esquerda vai votar nele. Você pega o Fuad Noman em Belo Horizonte. Está contra uma candidatura de direita, evidente que o eleitor de esquerda vai votar nele. Agora em Caucaia, no Ceará, é o contrário. O eleitor de centro hoje é majoritário. Na minha visão a direita é o PL e os outros que citei e eles tiveram no primeiro turno, que é o que importa, 32 milhões de votos. Se você aceitar que o PSD, MDB e União Brasil são centro, tiveram 40 milhões de votos. Se você aceitar que PT, Psol, PDT e PSB são de esquerda , tiveram 23 milhões de votos. Os outros são os outros. Isso mostra que o brasileiro é moderado. O problema do Centro no Brasil é a falta de opções majoritárias. Na hora que o PSD surge com candidatos, ele tem bom desempenho. Tivemos um crescimento orgânico.

Valor: E a quantidade enorme de prefeitos que entrou no partido durante a janela de filiação partidária?

Kassab: A janela é diferente. Não é um posicionamento do eleitor, é um posicionamento político. O que vale para avaliar força é quantos votos o partido tem. A janela é uma circunstância, é só uma preliminar para a eleição. Não tem relevância. Tem relevância o resultado eleitoral.

Valor: O senhor foi alvo de uma campanha nas redes sociais movida por expoentes do PL. Não aumentou muito o antagonismo com essa direita que o senhor definiu?

Kassab: Aumentou o antagonismo com a esquerda também. É uma circunstância da campanha. Interpreto como algo de palanque.

Valor: Quando os bolsonaristas partem para o ataque, como fizeram com o senhor, com Caiado em Goiânia ou Ratinho em Curitib a, isso não gera uma fratura?

Kassab: O diálogo está mantido. O PSD e o PL só em São Paulo caminharam juntos em 169 municípios. Cada um tem um estilo de fazer campanha, não?

Valor: Mas a campanha não gera sequelas?

Kassab: Não. A campanha gera feridas, que são cicatrizáveis. Elas podem se cicatrizar ou não. Nenhuma eleição deixa sequelas. É uma disputa que às vezes sai das quatro linhas. Quem é político tenta relevar, a vida continua.

Valor: Que feridas que o senhor vê nessa eleição?

Kassab: No PSD todos saem bem. Os derrotados sempre saem tristes, é natural. A hora agora é de governar. Quem ficar fazendo política vai quebrar a cara. Eleição é em ano par e o brasileiro agora não quer saber de muita política não.

Valor: Tem uma questão de ano ímpar que se impõe, que é o da escolha das mesas diretoras da Câmara e do Senado. O PSD é visto como a principal muralha contra anistia de Bolsonaro e impeachment de ministros do Supremo e o PL barganha com isso .

Kassab: Reitero que o PSD não vai fechar questão em relação a nenhum desses temas, como o PP não fechou questão, como o União Brasil não fechou questão, como nem o PL fechou questão. Isso é mais um embate eleitoral.

Valor: O senhor definiu-se como de Centro e colocou Tarcísio de Freitas como de direita...

Kassab: Ele é uma liderança muito especial, o que de melhor surgiu na política brasileira nos últimos anos. Quem tem que se definir é ele, mas ele tem relação com o centro muito consolidada. Eu sou presidente nacional do PSD e me considero liderado dele. O MDB fez uma aproximação em São Paulo e o União Brasil tem relação excelente com ele. Hoje ele não é um líder da direita, é da centro-direita. Ele é um líder estadual, não é um líder nacional. Une o centro e a direita em São Paulo.

Valor: Se ele sair para presidente em 2026 então a conversa é outra?

Kassab: Eu não posso falar por ele. Acho que ele na hora certa vai saber definir os projetos dele.

Valor: O senhor é liderado dele se o projeto for ficar em São Paulo, é isso?, do contrário não?

Kassab: Por que não? É uma grande revelação da política brasileira. Mas eu não sou leviano, sou o presidente nacional de um partido. Não vou falar que o partido vai ficar com fulano ou com beltrano. O PSD tem muitas figuras expressivas. Eu não escondo de ninguém minha admiração pessoal pelo Tarcísio, ficarei muito feliz se em algum dia ele for presidente da República. Mas presidente nacional de partido não tem posições pessoais.

 

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