Acordo sobre as emendas significa avanço institucional
O Globo
Projeto de lei precisará estabelecer
critérios de transparência e rastreabilidade exigidos pelo Supremo
Depois de um período de desentendimentos,
Legislativo e Executivo buscam enfim um acordo, mediado pelo Judiciário, sobre
as emendas parlamentares. Sua suspensão foi determinada em agosto pelo ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino,
numa decisão liminar depois referendada pelo plenário da Corte e reafirmada
neste mês. A intervenção abrupta e abrangente do STF acirrou a tensão entre as
instituições. Felizmente, foi aberta uma negociação que poderá ser encerrada
com êxito nesta semana, com a apresentação ao Congresso de um Projeto de Lei
Complementar estabelecendo regras para liberação e aplicação dos recursos.
Em reunião entre integrantes do STF, os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, e representantes do Executivo, foram alinhados pontos de uma proposta que será levada a plenário na Câmara e no Senado. A votação desse projeto poderá representar um marco para disciplinar o avanço do Congresso sobre o Orçamento da União nos últimos anos.
Em princípio, parlamentares devem ter o
direito de obter em Brasília verbas para suas bases eleitorais. É verdade que
não se trata da forma mais eficaz de alocar recursos, pois são destinados
segundo interesses paroquiais, e não pela necessidade determinada por critérios
técnicos. Mesmo assim, é prática comum nas democracias. O inaceitável é a falta
de regras de transparência e rastreabilidade. Foi essa lacuna que levou o STF,
em 2022, a declarar inconstitucionais as “emendas do relator” e agora Dino a congelar
todas as emendas.
É inconcebível que as emendas omitam até o
nome do parlamentar responsável, um desrespeito aos princípios constitucionais
de transparência, moralidade e publicidade, dificultando a atuação dos órgãos
de controle. O exemplo mais gritante são as emendas Pix, transferidas sem que
se saiba sequer o projeto a que são destinadas. É dinheiro do contribuinte no
caixa das prefeituras sem identificar responsável nem impor exigências.
Levantamento do GLOBO constatou que, das 178 cidades mais beneficiadas por
emendas Pix, em 105 os prefeitos foram reeleitos e em 47 fizeram sucessor.
O crescimento dessas emendas faz o Brasil
destoar de todos os países onde elas existem. Dados do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) mostram que, em termos nominais,
as emendas, que somaram R$ 6,14 bilhões em 2014, chegaram aos R$ 44,67 bilhões
autorizados neste ano, um crescimento de mais de sete vezes, quando a inflação
nesses dez anos não chegou a 80%. O peso das emendas no Orçamento também tem
sido crescente. Em 2014, elas correspondiam a 3,95% do conjunto das despesas
livres da União. Chegaram ao pico de 28,78% em 2020 e deverão fechar 2024 ao
redor de 20%, enquanto nos Estados Unidos representam 2,4% e na França 0,1%.
O diálogo aberto entre Executivo e
Legislativo para tratar desse tema pode também servir para promover uma
distribuição desses recursos que não estreite os espaços para a execução de
políticas públicas pelo governo federal, já obrigado a administrar um Orçamento
engessado em mais de 90% por despesas obrigatórias. O momento de revisão das
emendas parlamentares deveria ser aproveitado para fixar critérios técnicos
mínimos para distribuí-las seguindo um planejamento nacional. Isso evitaria
desperdício em gastos paroquiais e clientelistas.
Leilão de aeroportos regionais é bom para
governo, empresas e passageiros
O Globo
Iniciativa do Planalto poderá destravar R$
3,5 bilhões de investimentos em 50 terminais
É bem-vinda a ideia do governo federal de
leiloar 50 aeroportos regionais, com o objetivo de ampliar investimentos
em infraestrutura sem
aumentar gastos públicos. Pelo plano, que tem aval do Tribunal de Contas da
União (TCU), eles seriam transferidos a concessionárias que já operam grandes
terminais no país. Em troca, elas ganhariam mais prazo nos atuais contratos de
concessão. Cogita-se também oferecer descontos no valor da outorga para tornar
o negócio mais atraente.
Pelas estimativas do Planalto, as
transferências destravariam investimentos de R$ 3,5 bilhões na infraestrutura
da aviação regional. Na avaliação de técnicos do TCU, dos cem pequenos
aeroportos administrados pela estatal Infraero, estados ou municípios, metade
despertaria interesse. Na mira do governo estão terminais como Piracicaba (SP),
Mogi Mirim (SP), Guarujá (SP), Americana (SP), Lençóis (BA), Paulo Afonso (BA),
Caruaru (PE), Cascavel (PR) e Guarapuava (PR).
Inicialmente, o governo pretendia realizar as
transferências às concessionárias de forma direta, mas o TCU exigiu,
corretamente, que sejam feitos editais de concorrência. A expectativa é que os
aeroportos sejam leiloados ao longo do ano que vem, em blocos regionais com até
seis terminais. Quem adquiri-los ficará responsável por modernização,
adequação, manutenção e operação dos voos. Só não poderão participar dos
leilões, segundo o governo, as operadoras que pediram para devolver a
concessão, caso de Viracopos e Galeão, pois negociam mudanças em seus
contratos.
É bom sinal que a proposta parta do governo
petista, que costuma manifestar resistência a concessões e privatizações.
Aparentemente, a realidade tem levado a mudanças. No ano passado, o Planalto
anunciou a intenção de conceder 5 mil quilômetros de rodovias em parcerias
público-privadas. Em outubro, o Ministério dos Transportes informou que faria
novas licitações para administrar 27 trechos concedidos cujos contratos não têm
sido cumpridos. Nada mais sensato diante da crise na infraestrutura. Como o
governo não tem como investir, que transfira a quem pode cuidar adequadamente.
No caso dos grandes aeroportos, boa parte já
está sob administração privada. O governo Jair Bolsonaro pôs em prática um
plano de concessão que incluiu alguns dos principais. Mas os regionais, com
movimento menor, não costumam ser atraentes. É uma saída razoável transferi-los
a grandes concessionárias do setor. A aviação regional tem crescido, e o
governo não tem dinheiro para investir nesses terminais.
Se o plano para os aeroportos regionais for
bem calibrado para atrair interessados, todos ganharão: governo,
concessionárias e, principalmente, os passageiros, que passarão a contar com
instalações mais modernas e confortáveis. Mas não bastará transferir. Será
preciso que o Planalto fiscalize se os vencedores dos leilões terão capacidade
para assumir o negócio e se cumprirão os compromissos pactuados. Caso
contrário, em vez de resolver, apenas contratará mais um problema.
Emissões crescem, e países precisam ampliar
seus esforços
Valor Econômico
“Só um salto quântico de ambição”, segundo a ONU, será capaz de manter o mundo no caminho de atingir as metas climáticas
Perto da 29ª Conferência do Clima (COP29), a
batalha contra o aquecimento global continua muito aquém do possível e do
esperado. As metas e meios listados por 165 países apresentados até agora são
completamente insuficientes para impedir que a temperatura da Terra suba além
de 1,5º C, um limiar relativamente seguro e negociado pela diplomacia. O
Relatório sobre Lacuna das Emissões, elaborado pelo Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (Pnuma), indica que, para atingir o objetivo do Acordo de
Paris, “só um salto quântico de ambição” será capaz de manter o mundo no
caminho de atingir as metas climáticas.
Depois da redução compulsória causada pela
pandemia de covid-19, as emissões de gases do efeito estufa (GEE), inclusive do
pior deles, o metano, voltaram a crescer. Em 2023, o aumento foi de 1,3%,
atingindo 57,1 gigatoneladas de dióxido de carbono (CO2) equivalente, e ficou
acima da média de 0,8% de expansão registrada na década anterior à pandemia. A
produção de energia continuou sendo a maior fonte global de emissões, com 26%,
com mais 10% provenientes da infraestrutura para a produção do petróleo, gás e outros
combustíveis. Em seguida vem o transporte (15%). As emissões da aviação
internacional subiram 19,5% em 2023. Agricultura e indústria são responsáveis
por 11% cada um.
No Brasil, um certo alento é que como 48% das
emissões são provenientes do desmatamento, há a oportunidade de reversão com
mais rapidez e sem prejuízo à sociedade.
Os países do G20 aumentaram suas emissões em
1,8% em 2023 e são responsáveis por 77% do número global. O país que mais
aumentou as emissões no ano passado foi a Índia, 6,1%, revelando a conta
ambiental da expansão da sua economia, e ficando à frente em taxa de
crescimento da China, que emitiu 5,2% mais. Em termos per capita, porém, a
Rússia está à frente de todos, com 19 toneladas de CO2 equivalente por pessoa,
seguida pelos EUA, com 18.
Nesse ranking nada elogioso de emissão de
GEE, o Brasil fica em sexto lugar, após China, EUA, Índia, União Europeia e
Rússia, com crescimento de 0,1% em 2023. O relatório menciona que o Brasil,
Indonésia e República Democrática do Congo contribuíram com 55% da geração
líquidas de gases de efeito estufa provenientes de mudanças do uso da terra e
das florestas, atividades que resultam em maiores flutuações das emissões em
consequência de políticas públicas, desmatamento, incêndios florestais, avanços
e retrocessos da proteção florestal.
Apesar desses números preocupantes, os países
que aderiram ao Acordo de Paris pouco avançaram em suas promessas. Cientistas
estimam que o aumento da temperatura chegou a 1,6º C neste ano, um dos mais
quentes da história. O resultado ficou visível com as enchentes e secas no
Brasil e outros países da América Latina e Europa, e inundações também na
África.
Segundo o relatório da ONU, apesar de alguma
melhoria dos compromissos originalmente assumidos, eles estão longe de evitar
os cenários críticos do aquecimento global. Mesmo que todas as promessas fossem
cumpridas, o aumento esperado da temperatura seria de 2,6°C a 2,8°C; e chegaria
até 3,1°C ao longo deste século, com impactos devastadores para a humanidade.
Por isso, os cientistas que elaboraram o novo
relatório do Pnuma estimam que os países devem agora ampliar seus esforços e se
comprometer com um corte de 42% nas emissões globais de gases de efeito estufa
até 2030, em relação aos níveis de 2019, para tentar manter o aumento da
temperatura em 1,5º C. O empenho deverá continuar além do fim da década. O
corte deverá ser de 57% até 2035, o novo marco a ser incluído nas próximas
NDCs. Em um sinal aparente de capitulação, os cientistas dimensionaram também o
movimento necessário para conter o aumento da temperatura em 2°C. Para isso, as
emissões precisam cair 28% até 2030 em relação aos níveis de 2019, e 37% até
2035.
As consequências funestas desse cenário foram
resumidas pelo físico Paulo Artaxo em duas reuniões que impressionaram o
presidente Lula e ministros, em setembro. Resumindo: é impossível, com as
emissões atuais, limitar o aquecimento a 2°C; as regiões tropicais serão as
mais afetadas; e o agronegócio brasileiro poderá deixar de ser competitivo em
breve. A matriz limpa de energia, baseada em hidrelétricas, será agudamente
afetada, e os 8,5 mil quilômetros de área costeira se tornarão vulneráveis ao
aumento do nível do mar. O sertão nordestino passará de semiárido a deserto (Valor, 15/10).
Tecnicamente é possível fazer a correção de
rota, segundo os cientistas, que sugerem o aumento do uso das fontes solar e
eólica para o fornecimento de energia; e ações para a preservação das
florestas, além do aumento da eficiência no uso de energia e a adoção de
combustíveis verdes no transporte e na indústria. O relatório estima que o
custo seria inferior a US$ 200 por tonelada de carbono equivalente.
Há a questão financeira, ainda difícil de
resolver. Os US$ 100 bilhões prometidos pelos países desenvolvidos ainda são
motivo de discussão e já se fala na necessidade de quantia dez vezes maior,
tema a ser discutido na COP29. O tempo é curto. As novas metas de corte das
emissões têm de ser apresentadas até fevereiro, antes das negociações da COP30
no Brasil. O Brasil pode divulgar novos objetivos ainda este ano, mas isto não
está assegurado.
Eleição mostra peso menor de Bolsonaro na
direita
Folha de S. Paulo
Ex-mandatário vê outros nomes emergirem no
campo conservador; 2º turno atesta mau desempenho da esquerda e centro forte
O segundo turno das eleições municipais
confirmou o resultado das urnas da primeira rodada de votação. Como desta vez
estavam em disputa prefeituras de cidades maiores, entretanto, o relevo de
certas derrotas, vitórias e tendências ficou mais evidente.
O mau desempenho de partidos à esquerda se
confirmou. O PT conquistou
uma capital de estado, Fortaleza,
o que não ocorria desde 2016, mas seu principal empreendimento —a tentativa de
eleger Guilherme
Boulos (PSOL)
em São Paulo— fracassou por
larga margem. Trata-se de derrota também do presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva.
Foi expressivo o crescimento do PL de Jair
Bolsonaro, e não apenas em número de votos. Nas 103 cidades com mais
de 200 mil eleitores, a sigla obteve 16 vitórias, ante apenas 2 em 2020. O
ex-mandatário, no entanto, perde importância na direita.
Inelegível e contando quase dois anos longe
do poder, Bolsonaro viu frustrados planos de eleger aliados muito próximos ou
que contaram com seu apoio enfático no segundo turno.
Perdeu protagonismo em São Paulo, onde não
aderiu de fato à campanha vitoriosa de Ricardo Nunes (MDB) —mais
impulsionada por Tarcísio de
Freitas (Republicanos),
que emerge como o
grande vencedor dessas eleições. O governador terá de se explicar na
Justiça, de todo modo, por ter desnecessariamente associado Boulos ao crime
organizado de maneira irresponsável.
É de se louvar que, desta vez, não houve
contestações às urnas, objeto de campanhas infames de Bolsonaro e seus aliados
no passado.
Ainda do centro à direita do espectro
político, obtiveram sucessos os governadores Ronaldo
Caiado (União Brasil),
que elegeu seu candidato em Goiânia,
e Ratinho Jr.
(PSD),
em Curitiba,
ambos contra Bolsonaro.
O PSD conquistou Belo
Horizonte, esteve na coalizão vencedora em São Paulo e fez o maior
número de prefeitos do país. Logo a seguir no ranking final de
vitórias estão MDB, PP, União Brasil e
Republicanos. O PT ocupa um longínquo nono lugar, atrás até do decadente PSDB.
A direita mostrou-se maior do que Bolsonaro.
A esquerda teve a pior votação do século para prefeitos e ainda depende da
figura e do prestígio de Lula, ora muito distante da popularidade do início dos
anos 2010.
Os eleitores deram mais força política a um
centro que procura se reorganizar, apesar da fraqueza ou vacuidade de programas
e ideias. Desbastaram alguns radicalismos, mas não poucos candidatos da segunda
geração direitista antissistema conseguiram votações significativas.
O resultado das eleições parece indicar que a
esquerda terá dificuldades de se recompor a tempo para o pleito de deputados
federais. Centro e direita, já dominantes na Câmara e beneficiários do maior
quinhão de fundos partidários e emendas parlamentares, fincaram ainda mais
bases de apoio para a campanha de 2026.
É grave a suspeita sobre venda de sentença no
TJ-MS
Folha de S. Paulo
Segundo a PF, esquema envolve 5
desembargadores; investigação deveria estimular mudanças para inibir condutas
ilegais
A fotografia divulgada pela Polícia
Federal impressiona: maços volumosos de notas de R$ 50, R$ 100,
R$ 200 e US$ 100 se distribuem sobre uma mesa de vidro, perfazendo
cerca de R$ 3 milhões apreendidos na última quinta-feira (24).
Impressiona ainda mais que o dinheiro
estivesse na residência de Júlio Cardoso, desembargador aposentado do Tribunal
de Justiça de Mato Grosso do Sul e um dos alvos da Operação Ultima Ratio,
deflagrada pela PF.
O órgão suspeita que exista um esquema de
venda de decisões no TJ-MS. Além de Cardoso, participariam pelo menos outros
cinco desembargadores, todos da ativa: Vladimir Abreu da Silva, Marcos José de
Brito Rodrigues, Sideni Soncini Pimentel, Alexandre Aguiar Bastos e Sérgio
Fernandes Martins, presidente do tribunal.
Eles foram afastados de seus cargos por 180
dias, não podem frequentar as dependências da corte, estão proibidos de se
comunicar entre si e devem usar tornozeleira eletrônica.
Convém lembrar que todas são medidas
cautelares, tomadas no curso do processo; não implicam culpa de quem quer seja,
mas demonstram que, para os investigadores, há elementos suficientes para
justificar a adoção de providências dessa natureza.
Por meio da quebra do sigilo de comunicações,
por exemplo, a PF entendeu que os desembargadores agora afastados promoviam
as negociações
ilícitas com a intermediação de seus próprios filhos —na
maioria, advogados que utilizariam seus escritórios para burlar a fiscalização.
Não seria a primeira vez que isso acontece.
Basta lembrar que, por fatos muito semelhantes, o TJ da
Bahia está há cerca de cinco anos sob a lupa do Superior
Tribunal de Justiça (STJ),
do Conselho Nacional de Justiça e da PF.
A peculiaridade do caso sul-mato-grossense é
a suspeita ainda mais grave de que a corrupção tenha subido os degraus até o
STJ —razão pela qual se determinou a transferência do inquérito para o Supremo
Tribunal Federal.
O ministro Luís Roberto
Barroso, presidente da corte, afirmou que, se forem confirmadas as
hipóteses da PF, não haverá tolerância ou condescendência.
É o mínimo, mas não basta. O Judiciário, de
olho na própria legitimidade, deveria ser o primeiro a propor mudanças
institucionais capazes de inibir o comportamento ilegal de seus membros.
Um bom começo seria tornar mais rigorosa a lei disciplinar que, hoje, estabelece como pena máxima para magistrados a aposentadoria compulsória com manutenção dos proventos. Trata-se de condescendência vergonhosa.
O eleitorado consolida sua preferência à
direita
O Estado de S. Paulo
O Brasil sai das urnas com uma política mais
pragmática e menos polarizada, uma esquerda em crise e dependente de Lula e uma
direita fortalecida em busca de um líder para 2026
Sem grandes surpresas, o segundo turno das
eleições municipais consolidou o cenário político desenhado no primeiro: a
revitalização da política tradicional; uma direita robustecida, mas fracionada;
uma esquerda em crise; e o desgaste das duas lideranças dominantes em âmbito
nacional, o presidente Lula da Silva e, sobretudo, o ex-presidente Jair
Bolsonaro.
No cômputo geral, candidatos radicais foram
rechaçados, interesses locais e referendos sobre gestão prevaleceram e o
centro, tanto em sua faceta ideologicamente moderada quanto em sua faceta
fisiológica, triunfou. A maior expressão disso foi o desempenho do PSD,
primeiro colocado, com 887 prefeituras, e do MDB, com 853.
Em certo sentido, os partidos do Centrão
voltaram às suas origens de contraponto ao progressismo na Constituinte de
1988. Em outro sentido, essa volta foi abastecida pelo fortalecimento desses
partidos no Congresso, munidos de multibilionários fundos eleitorais e,
sobretudo, emendas parlamentares. O número de prefeitos reeleitos foi o maior
dos últimos 20 anos, chegando a 80%. Nas 112 cidades mais contempladas com
emendas, a taxa foi de 93,7%. As emendas cumpriram sua função de capilarizar a
dominância desses partidos, e a contrapartida será seu fortalecimento no
Congresso.
A expressão mais eloquente da crise de
representatividade da esquerda foi a desidratação no Nordeste, onde perdeu
metade das capitais, ficando com apenas duas. Em número de prefeituras, o PT
ficou em 9.º lugar, atrás até do moribundo PSDB. O maior vencedor no campo
progressista, o PSB, ficou em 7.º lugar. No geral, mesmo com a máquina do
Executivo nacional, foi o pior resultado da esquerda desde a redemocratização.
A pauta da inclusão social foi incorporada
por outros espectros e a credibilidade da esquerda para implementá-la foi
irremediavelmente maculada pela corrupção e pela recessão na gestão lulopetista
de Dilma Rousseff. As políticas assistencialistas já não são novidade e carecem
de combustível por causa do aperto fiscal. Faltam ideias para atender às
preocupações da população com a segurança e seus desejos de empreender. Um
protagonista novo, como João Campos (PSB), reeleito no Recife, ainda é só uma
promessa. Em São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), mesmo com o apoio do PT e
recursos de campanha dez vezes maiores, perdeu sua segunda disputa consecutiva.
Com praticamente o mesmo número de votos de 2020, Boulos perdeu em quase todos
os distritos e se revelou um candidato de nicho, com um teto intransponível.
Nas disputas entre o PT e o PL, de Jair
Bolsonaro, o PL, em geral, levou a melhor. Mas, como cabos eleitorais, Lula e
Bolsonaro mais perderam do que ganharam. Lula, seja porque já não tem o mesmo
vigor, seja porque está mais preocupado em projetar sua imagem no exterior,
seja para não bater de frente com partidos que formam a sua base, não entrou a
fundo nas disputas. Mas o maior derrotado foi Bolsonaro. Quase todas as suas
apostas malograram – assim como as tentativas de retaliar moderados como o PSD.
Em seu próprio partido, prevaleceu a ala pragmática comandada pelo presidente
Valdemar Costa Neto. Os principais postulantes da direita para a Presidência em
2026 – os governadores Tarcísio de Freitas (SP), Ronaldo Caiado (GO) e Ratinho
Jr. (PR) – emplacaram candidatos com apoio marginal de Bolsonaro ou até contra
ele, como (veladamente) em Curitiba e (explicitamente) em Goiânia. Um candidato
como Pablo Marçal mostrou que pode abocanhar votos do bolsonarismo dito “raiz”
mesmo à revelia de Bolsonaro.
Olhando para 2026, Lula sempre será um
candidato forte. Mas está envelhecido, em idade e ideias. Em termos
partidários, encaminha-se para a disputa em “esplêndido isolamento” e sem
aquela que foi sua principal alavanca em 2022: a contenção de Jair Bolsonaro.
As moedas de troca com um Centrão robustecido em âmbito regional e no
Legislativo federal minguaram, e esse grupo está sempre pronto para migrar para
onde estiverem as preferências do eleitorado. Neste momento, elas apontam para
a direita. Mas ainda falta uma liderança capaz de representá-las em âmbito
nacional.
Isso não se faz, governador
O Estado de S. Paulo
Ao ligar Boulos ao PCC no dia da eleição,
Tarcisio seguiu a cartilha da desfaçatez bolsonarista. Numa democracia, é
preciso respeitar a liturgia do cargo, o processo eleitoral e os adversários
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), que ao longo de seu mandato vinha se mostrando um
democrata consciente dos limites morais e legais de seu poder, deixou-se guiar
pela cartilha indecente do bolsonarismo no dia do segundo turno da eleição para
a Prefeitura de São Paulo, ao vincular Guilherme Boulos (PSOL), o adversário de
seu candidato, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), ao PCC, principal organização
criminosa do País. Os motivos que o levaram a aderir à desfaçatez tão típica de
seu padrinho, o ex-presidente Jair Bolsonaro, só o sr. Tarcísio será capaz de
esclarecer. Afinal, não parece haver lógica nenhuma nessa declaração
intempestiva, pois o prefeito Nunes estava confortavelmente na liderança da
disputa, quadro que não mudaria nas poucas horas que restavam para o fechamento
das urnas.
Ou seja, não há nada que pareça justificar a
atitude do governador, que a um só tempo desrespeitou o cargo que ocupa, o
processo eleitoral e o adversário, tudo o que não pode acontecer numa
democracia – e que, por isso mesmo, é passível de punição severa. Portanto,
roga-se que o sr. Tarcísio se retrate, pois, do contrário, mesmo que escape das
sanções previstas em lei, será para sempre lembrado como aquele que julga não
haver limites morais ou éticos para vencer uma eleição. Não é isso o que se
espera de quem aspira à liderança do campo conservador no Brasil.
Após votar, o governador foi questionado por
jornalistas sobre um comunicado emitido pela Secretaria de Administração
Penitenciária de São Paulo, que interceptou supostos bilhetes assinados por
membros do PCC orientando o voto em algumas cidades. Os tais bilhetes já eram
de domínio público, uma vez que foram publicados no dia anterior pelo portal
Metrópoles. Tarcísio poderia ter apenas dito que não faria comentários até o
fechamento das urnas, porque, se o fizesse, poderia influenciar a intenção de
voto dos eleitores que ainda tinham algumas horas para votar. Mas a imprudência
é uma marca do bolsonarismo, e o governador, como se estivesse numa entrevista
qualquer, e não no dia de votação e ao lado de seu candidato, comentou: “Teve o
salve, houve interceptação de conversa e de orientações que eram emanadas de
presídios por parte de uma organização criminosa, orientando determinadas
pessoas em determinadas áreas a votarem em determinados candidatos. Houve essa
ação de inteligência, houve essa interceptação, mas não haverá influência
nenhuma na eleição”.
Ainda assim, poderia ter reduzido os danos e
parado por aí, mas, diante da insistência para que informasse qual era o
candidato que os criminosos orientavam a votar, Tarcísio disse: “Boulos”. Ao
fazê-lo, imiscuiu-se de vez no processo eleitoral e abusou de sua prerrogativas
de governador, que, ao contrário de Boulos e dos demais cidadãos, tem acesso às
mencionadas informações de inteligência e tem holofotes garantidos em razão do
cargo que ocupa.
E não havia necessidade nenhuma disso. Àquela
altura, os danos eleitorais ao candidato do PSOL seriam nulos, posto que a
derrota parecia certa. A campanha de Boulos, claro, se apressou a comparar a
declaração do governador ao laudo fraudulento divulgado pelo extremista Pablo
Marçal ao fim do primeiro turno, para retratá-lo como um drogado, e fez o
óbvio: recorreu à Justiça. Há quem peça até a inelegibilidade do governador ou
tente creditar à insinuação de Tarcísio a derrota fragorosa imposta a Boulos.
É imprescindível agora que o governador
explique o que, afinal, pretendeu com a declaração, sob pena de macular seu
próprio triunfo político. Afinal, ele foi determinante para a reeleição de
Nunes, sem precisar de artifícios que, na prática, desrespeitam o eleitor e a
democracia. Ao contrário da toxicidade de Jair Bolsonaro, o apoio de Tarcísio
mostrou o quanto a direita não depende mais da associação explícita à figura do
ex-presidente. E dessa independência emerge a vitalidade de uma desejável
direita democrática, liberal e republicana. Atributos que, ora vejam, são o
avesso da gravíssima derrapada do governador.
Barbárie organizada
O Estado de S. Paulo
Clubes são coniventes com torcidas cuja
prioridade é a violência contra adversários
O Grupo de Atuação Especial de Combate ao
Crime Organizado (Gaeco) vai investigar a emboscada que a Mancha Alviverde,
principal torcida organizada do Palmeiras, realizou na madrugada de domingo
contra um ônibus que transportava membros da Máfia Azul, torcida uniformizada
do Cruzeiro. A ação criminosa, que se presume tenha sido uma vingança por um
ataque da Máfia Azul contra a Mancha Alviverde, resultou em 1 morto e 20
feridos, todos cruzeirenses. Não se espera outra coisa de delinquentes
travestidos de torcedores, mas não deixa de espantar a reação burocrática dos
clubes envolvidos, que deveriam ter todo o interesse em se desvincular dessa
barbárie. Talvez não tenham coragem para tanto.
Em um exercício de desfaçatez, a outrora
Mancha Verde, que mudou de nome justamente para driblar seu histórico de
extrema violência, divulgou nota na qual diz ser injustamente apontada pela
ação criminosa, uma vez que um grupo com mais de 45 mil associados não pode ser
condenado por “ações isoladas de cerca de 50 torcedores”. Mas o que chamou
mesmo a atenção foi o comunicado lacônico do Palmeiras, que se limitou a
repudiar a violência e pedir que as autoridades investiguem e punam os
culpados.
O Palmeiras poderia ter aproveitado a
oportunidade não só para salientar que não se sente representada por esses
“torcedores”, como também para banir a organizada de seus jogos, tendo em vista
que não foi o primeiro crime que seus integrantes cometem. A julgar pelo
comunicado palmeirense, é mais provável que a Mancha, faça o que fizer,
continuará a ter salvo-conduto.
Recorde-se que há tempos o Palmeiras está às
turras com a Mancha, mas não em razão da violência da torcida, e sim porque o
clube havia contratado um diretor que a organizada dizia ser corintiano.
É crucial que os clubes parem de financiar
“torcedores” que, além de promoverem barbaridades contra rivais, reiteradamente
aterrorizam atletas e treinadores – não raro com a cumplicidade velada dos
próprios dirigentes.
Às organizadas, se realmente desejam ser
vistas como torcidas, basta que não promovam atos violentos. De nada adianta
afirmar, como agora faz a Mancha, tratar-se de “ações isoladas”, quando tais
ações são frequentes e fartamente documentadas.
E há ainda a incapacidade das autoridades,
que, se tivessem agido preventivamente, não teriam agora de investigar mais uma
morte. Obviamente indefensável, o revide da Mancha Alviverde à Máfia Azul era
previsível desde que, dois anos atrás, a organizada cruzeirense agrediu membros
da Mancha, entre os quais o atual presidente da uniformizada palmeirense, na
mesma Fernão Dias que foi agora palco da emboscada letal.
Por um tempo, a solução encontrada pelo poder público em São Paulo para a violência das torcidas foi o banimento das organizadas dos estádios. Agora, elas podem entrar, mas, nos confrontos entre times paulistas, só têm ingresso os torcedores do time da casa. Tais providências são a prova da rendição do Estado e dos clubes de futebol à incivilidade de alguns torcedores, dentro e fora dos estádios.
Enem é desafio para jovens e governo
Correio Braziliense
Na análise da Todos pela Educação (TPE), uma
organização da sociedade civil, o programa Pé-de Meia é bastante relevante, com
grande potencial de impacto, mas não pode ser compreendido como solução para os
problemas do ensino médio
Os dois próximos domingos (3 e 10 de
novembro) serão desafiadores para os 4,3 milhões de jovens inscritos no Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem) e também para o governo federal, que criou o
programa Pé-de-Meia com o intuito de manter os jovens e adultos, entre 14 e 24
anos, no banco escolar para que concluam o ensino médio e cheguem a uma cadeira
nas universidades.
Lançado em março deste ano, o programa de
incentivo financeiro atende a cerca de 4 milhões brasileiros que cumprem as
seguintes exigências: ser matriculado em escola pública ou no Educação para
Jovens e Adultos (EJA), integrar família inscrita no Cadastro Único (CadÚnico),
comprovar frequência escolar mínima de 80%, ter aprovação na conclusão do ano
letivo e participar dos exames obrigatórios. Por sua vez, o Enem, criado em
1998, tem, entre os desafios atuais, reduzir o alto número de candidatos que
não vão fazer a prova.
Agora, o Pé-de-Meia também começará a ser
testado. Garantir R$ 200 aos que comparecem ao Enem e manter uma poupança que
pode render aos estudantes, após os três anos do ensino médio, mais de R$ 9 mil
são benefícios capazes de conter a evasão escolar e a abstenção a cada edição
do exame?
Na análise da Todos pela Educação (TPE), uma
organização da sociedade civil, o programa governamental é bastante relevante,
com grande potencial de impacto, mas não pode ser compreendido como solução
para os problemas do ensino médio. Para a entidade, a escola tem de ser
atraente, acolhedora, a fim de que os jovens a percebam como elemento que
permitirá a concretização do seu projeto de vida. Ao mesmo tempo, é
indispensável um olhar aos profissionais de educação, que demandam melhores
condições de trabalho, integração entre educação e tecnologia, melhoria da
infraestrutura física e digital das unidades de ensino, bem como ampliação das
escolas de tempo integral.
Reduzir ou eliminar os índices de abstenção
do Enem é um dos desafios da nova política de educação. O percentual variou
entre 27% e 34% desde 2010. Em 2020, em meio à pandemia da covid-19, 55% dos
inscritos faltaram ao exame. Ano passado, a abstenção chegou a 32%.
A evasão e a abstenção também têm relação com
a falta de motivação dos estudantes, a desconexão entre o currículo e a
realidade do aluno, dificuldade financeira, problemas familiares, o ambiente
doméstico instável, gravidez precoce, bullying e outras manifestações de
violência são fatores que dificultam o aprendizado, dentro e fora da escola, e
acabam levando a juventude ao abandono escolar. Trata-se de um ciclo que se
repete, alimenta a injustiça social e econômica tangível no país e impacta
significativamente na realidade das novas gerações.
Ainda que o Pé-de-Meia seja bem-sucedido, com
redução drástica dos índices de evasão escolar no ensino médio e da abstenção
no Enem, há o desafio de traçar iniciativas que permitam aos ingressantes das
universidades terem condições adequadas para concluir o aprendizado — o índice
de estudantes que abandonam a educação superior no Brasil chega a 57,2% entre
redes pública, privada e ensino presencial e a distância (EaD), segundo o Mapa
do Ensino Superior no Brasil 2024, do Instituto Semesp. Os obstáculos que levam
muitos jovens a largarem os estudos estão visceralmente associados às
desigualdades sociais e econômicas de expressiva parcela da sociedade.
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