terça-feira, 29 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Acordo sobre as emendas significa avanço institucional

O Globo

Projeto de lei precisará estabelecer critérios de transparência e rastreabilidade exigidos pelo Supremo

Depois de um período de desentendimentos, Legislativo e Executivo buscam enfim um acordo, mediado pelo Judiciário, sobre as emendas parlamentares. Sua suspensão foi determinada em agosto pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STFFlávio Dino, numa decisão liminar depois referendada pelo plenário da Corte e reafirmada neste mês. A intervenção abrupta e abrangente do STF acirrou a tensão entre as instituições. Felizmente, foi aberta uma negociação que poderá ser encerrada com êxito nesta semana, com a apresentação ao Congresso de um Projeto de Lei Complementar estabelecendo regras para liberação e aplicação dos recursos.

Em reunião entre integrantes do STF, os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, e representantes do Executivo, foram alinhados pontos de uma proposta que será levada a plenário na Câmara e no Senado. A votação desse projeto poderá representar um marco para disciplinar o avanço do Congresso sobre o Orçamento da União nos últimos anos.

Em princípio, parlamentares devem ter o direito de obter em Brasília verbas para suas bases eleitorais. É verdade que não se trata da forma mais eficaz de alocar recursos, pois são destinados segundo interesses paroquiais, e não pela necessidade determinada por critérios técnicos. Mesmo assim, é prática comum nas democracias. O inaceitável é a falta de regras de transparência e rastreabilidade. Foi essa lacuna que levou o STF, em 2022, a declarar inconstitucionais as “emendas do relator” e agora Dino a congelar todas as emendas.

É inconcebível que as emendas omitam até o nome do parlamentar responsável, um desrespeito aos princípios constitucionais de transparência, moralidade e publicidade, dificultando a atuação dos órgãos de controle. O exemplo mais gritante são as emendas Pix, transferidas sem que se saiba sequer o projeto a que são destinadas. É dinheiro do contribuinte no caixa das prefeituras sem identificar responsável nem impor exigências. Levantamento do GLOBO constatou que, das 178 cidades mais beneficiadas por emendas Pix, em 105 os prefeitos foram reeleitos e em 47 fizeram sucessor.

O crescimento dessas emendas faz o Brasil destoar de todos os países onde elas existem. Dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) mostram que, em termos nominais, as emendas, que somaram R$ 6,14 bilhões em 2014, chegaram aos R$ 44,67 bilhões autorizados neste ano, um crescimento de mais de sete vezes, quando a inflação nesses dez anos não chegou a 80%. O peso das emendas no Orçamento também tem sido crescente. Em 2014, elas correspondiam a 3,95% do conjunto das despesas livres da União. Chegaram ao pico de 28,78% em 2020 e deverão fechar 2024 ao redor de 20%, enquanto nos Estados Unidos representam 2,4% e na França 0,1%.

O diálogo aberto entre Executivo e Legislativo para tratar desse tema pode também servir para promover uma distribuição desses recursos que não estreite os espaços para a execução de políticas públicas pelo governo federal, já obrigado a administrar um Orçamento engessado em mais de 90% por despesas obrigatórias. O momento de revisão das emendas parlamentares deveria ser aproveitado para fixar critérios técnicos mínimos para distribuí-las seguindo um planejamento nacional. Isso evitaria desperdício em gastos paroquiais e clientelistas.

Leilão de aeroportos regionais é bom para governo, empresas e passageiros

O Globo

Iniciativa do Planalto poderá destravar R$ 3,5 bilhões de investimentos em 50 terminais

É bem-vinda a ideia do governo federal de leiloar 50 aeroportos regionais, com o objetivo de ampliar investimentos em infraestrutura sem aumentar gastos públicos. Pelo plano, que tem aval do Tribunal de Contas da União (TCU), eles seriam transferidos a concessionárias que já operam grandes terminais no país. Em troca, elas ganhariam mais prazo nos atuais contratos de concessão. Cogita-se também oferecer descontos no valor da outorga para tornar o negócio mais atraente.

Pelas estimativas do Planalto, as transferências destravariam investimentos de R$ 3,5 bilhões na infraestrutura da aviação regional. Na avaliação de técnicos do TCU, dos cem pequenos aeroportos administrados pela estatal Infraero, estados ou municípios, metade despertaria interesse. Na mira do governo estão terminais como Piracicaba (SP), Mogi Mirim (SP), Guarujá (SP), Americana (SP), Lençóis (BA), Paulo Afonso (BA), Caruaru (PE), Cascavel (PR) e Guarapuava (PR).

Inicialmente, o governo pretendia realizar as transferências às concessionárias de forma direta, mas o TCU exigiu, corretamente, que sejam feitos editais de concorrência. A expectativa é que os aeroportos sejam leiloados ao longo do ano que vem, em blocos regionais com até seis terminais. Quem adquiri-los ficará responsável por modernização, adequação, manutenção e operação dos voos. Só não poderão participar dos leilões, segundo o governo, as operadoras que pediram para devolver a concessão, caso de Viracopos e Galeão, pois negociam mudanças em seus contratos.

É bom sinal que a proposta parta do governo petista, que costuma manifestar resistência a concessões e privatizações. Aparentemente, a realidade tem levado a mudanças. No ano passado, o Planalto anunciou a intenção de conceder 5 mil quilômetros de rodovias em parcerias público-privadas. Em outubro, o Ministério dos Transportes informou que faria novas licitações para administrar 27 trechos concedidos cujos contratos não têm sido cumpridos. Nada mais sensato diante da crise na infraestrutura. Como o governo não tem como investir, que transfira a quem pode cuidar adequadamente.

No caso dos grandes aeroportos, boa parte já está sob administração privada. O governo Jair Bolsonaro pôs em prática um plano de concessão que incluiu alguns dos principais. Mas os regionais, com movimento menor, não costumam ser atraentes. É uma saída razoável transferi-los a grandes concessionárias do setor. A aviação regional tem crescido, e o governo não tem dinheiro para investir nesses terminais.

Se o plano para os aeroportos regionais for bem calibrado para atrair interessados, todos ganharão: governo, concessionárias e, principalmente, os passageiros, que passarão a contar com instalações mais modernas e confortáveis. Mas não bastará transferir. Será preciso que o Planalto fiscalize se os vencedores dos leilões terão capacidade para assumir o negócio e se cumprirão os compromissos pactuados. Caso contrário, em vez de resolver, apenas contratará mais um problema.

Emissões crescem, e países precisam ampliar seus esforços

Valor Econômico

“Só um salto quântico de ambição”, segundo a ONU, será capaz de manter o mundo no caminho de atingir as metas climáticas

Perto da 29ª Conferência do Clima (COP29), a batalha contra o aquecimento global continua muito aquém do possível e do esperado. As metas e meios listados por 165 países apresentados até agora são completamente insuficientes para impedir que a temperatura da Terra suba além de 1,5º C, um limiar relativamente seguro e negociado pela diplomacia. O Relatório sobre Lacuna das Emissões, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), indica que, para atingir o objetivo do Acordo de Paris, “só um salto quântico de ambição” será capaz de manter o mundo no caminho de atingir as metas climáticas.

Depois da redução compulsória causada pela pandemia de covid-19, as emissões de gases do efeito estufa (GEE), inclusive do pior deles, o metano, voltaram a crescer. Em 2023, o aumento foi de 1,3%, atingindo 57,1 gigatoneladas de dióxido de carbono (CO2) equivalente, e ficou acima da média de 0,8% de expansão registrada na década anterior à pandemia. A produção de energia continuou sendo a maior fonte global de emissões, com 26%, com mais 10% provenientes da infraestrutura para a produção do petróleo, gás e outros combustíveis. Em seguida vem o transporte (15%). As emissões da aviação internacional subiram 19,5% em 2023. Agricultura e indústria são responsáveis por 11% cada um.

No Brasil, um certo alento é que como 48% das emissões são provenientes do desmatamento, há a oportunidade de reversão com mais rapidez e sem prejuízo à sociedade.

Os países do G20 aumentaram suas emissões em 1,8% em 2023 e são responsáveis por 77% do número global. O país que mais aumentou as emissões no ano passado foi a Índia, 6,1%, revelando a conta ambiental da expansão da sua economia, e ficando à frente em taxa de crescimento da China, que emitiu 5,2% mais. Em termos per capita, porém, a Rússia está à frente de todos, com 19 toneladas de CO2 equivalente por pessoa, seguida pelos EUA, com 18.

Nesse ranking nada elogioso de emissão de GEE, o Brasil fica em sexto lugar, após China, EUA, Índia, União Europeia e Rússia, com crescimento de 0,1% em 2023. O relatório menciona que o Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo contribuíram com 55% da geração líquidas de gases de efeito estufa provenientes de mudanças do uso da terra e das florestas, atividades que resultam em maiores flutuações das emissões em consequência de políticas públicas, desmatamento, incêndios florestais, avanços e retrocessos da proteção florestal.

Apesar desses números preocupantes, os países que aderiram ao Acordo de Paris pouco avançaram em suas promessas. Cientistas estimam que o aumento da temperatura chegou a 1,6º C neste ano, um dos mais quentes da história. O resultado ficou visível com as enchentes e secas no Brasil e outros países da América Latina e Europa, e inundações também na África.

Segundo o relatório da ONU, apesar de alguma melhoria dos compromissos originalmente assumidos, eles estão longe de evitar os cenários críticos do aquecimento global. Mesmo que todas as promessas fossem cumpridas, o aumento esperado da temperatura seria de 2,6°C a 2,8°C; e chegaria até 3,1°C ao longo deste século, com impactos devastadores para a humanidade.

Por isso, os cientistas que elaboraram o novo relatório do Pnuma estimam que os países devem agora ampliar seus esforços e se comprometer com um corte de 42% nas emissões globais de gases de efeito estufa até 2030, em relação aos níveis de 2019, para tentar manter o aumento da temperatura em 1,5º C. O empenho deverá continuar além do fim da década. O corte deverá ser de 57% até 2035, o novo marco a ser incluído nas próximas NDCs. Em um sinal aparente de capitulação, os cientistas dimensionaram também o movimento necessário para conter o aumento da temperatura em 2°C. Para isso, as emissões precisam cair 28% até 2030 em relação aos níveis de 2019, e 37% até 2035.

As consequências funestas desse cenário foram resumidas pelo físico Paulo Artaxo em duas reuniões que impressionaram o presidente Lula e ministros, em setembro. Resumindo: é impossível, com as emissões atuais, limitar o aquecimento a 2°C; as regiões tropicais serão as mais afetadas; e o agronegócio brasileiro poderá deixar de ser competitivo em breve. A matriz limpa de energia, baseada em hidrelétricas, será agudamente afetada, e os 8,5 mil quilômetros de área costeira se tornarão vulneráveis ao aumento do nível do mar. O sertão nordestino passará de semiárido a deserto (Valor, 15/10).

Tecnicamente é possível fazer a correção de rota, segundo os cientistas, que sugerem o aumento do uso das fontes solar e eólica para o fornecimento de energia; e ações para a preservação das florestas, além do aumento da eficiência no uso de energia e a adoção de combustíveis verdes no transporte e na indústria. O relatório estima que o custo seria inferior a US$ 200 por tonelada de carbono equivalente.

Há a questão financeira, ainda difícil de resolver. Os US$ 100 bilhões prometidos pelos países desenvolvidos ainda são motivo de discussão e já se fala na necessidade de quantia dez vezes maior, tema a ser discutido na COP29. O tempo é curto. As novas metas de corte das emissões têm de ser apresentadas até fevereiro, antes das negociações da COP30 no Brasil. O Brasil pode divulgar novos objetivos ainda este ano, mas isto não está assegurado.

Eleição mostra peso menor de Bolsonaro na direita

Folha de S. Paulo

Ex-mandatário vê outros nomes emergirem no campo conservador; 2º turno atesta mau desempenho da esquerda e centro forte

O segundo turno das eleições municipais confirmou o resultado das urnas da primeira rodada de votação. Como desta vez estavam em disputa prefeituras de cidades maiores, entretanto, o relevo de certas derrotas, vitórias e tendências ficou mais evidente.

O mau desempenho de partidos à esquerda se confirmou. O PT conquistou uma capital de estado, Fortaleza, o que não ocorria desde 2016, mas seu principal empreendimento —a tentativa de eleger Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo— fracassou por larga margem. Trata-se de derrota também do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Foi expressivo o crescimento do PL de Jair Bolsonaro, e não apenas em número de votos. Nas 103 cidades com mais de 200 mil eleitores, a sigla obteve 16 vitórias, ante apenas 2 em 2020. O ex-mandatário, no entanto, perde importância na direita.

Inelegível e contando quase dois anos longe do poder, Bolsonaro viu frustrados planos de eleger aliados muito próximos ou que contaram com seu apoio enfático no segundo turno.

Perdeu protagonismo em São Paulo, onde não aderiu de fato à campanha vitoriosa de Ricardo Nunes (MDB) —mais impulsionada por Tarcísio de Freitas (Republicanos), que emerge como o grande vencedor dessas eleições. O governador terá de se explicar na Justiça, de todo modo, por ter desnecessariamente associado Boulos ao crime organizado de maneira irresponsável.

É de se louvar que, desta vez, não houve contestações às urnas, objeto de campanhas infames de Bolsonaro e seus aliados no passado.

Ainda do centro à direita do espectro político, obtiveram sucessos os governadores Ronaldo Caiado (União Brasil), que elegeu seu candidato em Goiânia, e Ratinho Jr. (PSD), em Curitiba, ambos contra Bolsonaro.

O PSD conquistou Belo Horizonte, esteve na coalizão vencedora em São Paulo e fez o maior número de prefeitos do país. Logo a seguir no ranking final de vitórias estão MDB, PP, União Brasil e Republicanos. O PT ocupa um longínquo nono lugar, atrás até do decadente PSDB.

A direita mostrou-se maior do que Bolsonaro. A esquerda teve a pior votação do século para prefeitos e ainda depende da figura e do prestígio de Lula, ora muito distante da popularidade do início dos anos 2010.

Os eleitores deram mais força política a um centro que procura se reorganizar, apesar da fraqueza ou vacuidade de programas e ideias. Desbastaram alguns radicalismos, mas não poucos candidatos da segunda geração direitista antissistema conseguiram votações significativas.

O resultado das eleições parece indicar que a esquerda terá dificuldades de se recompor a tempo para o pleito de deputados federais. Centro e direita, já dominantes na Câmara e beneficiários do maior quinhão de fundos partidários e emendas parlamentares, fincaram ainda mais bases de apoio para a campanha de 2026.

É grave a suspeita sobre venda de sentença no TJ-MS

Folha de S. Paulo

Segundo a PF, esquema envolve 5 desembargadores; investigação deveria estimular mudanças para inibir condutas ilegais

A fotografia divulgada pela Polícia Federal impressiona: maços volumosos de notas de R$ 50, R$ 100, R$ 200 e US$ 100 se distribuem sobre uma mesa de vidro, perfazendo cerca de R$ 3 milhões apreendidos na última quinta-feira (24).

Impressiona ainda mais que o dinheiro estivesse na residência de Júlio Cardoso, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e um dos alvos da Operação Ultima Ratio, deflagrada pela PF.

O órgão suspeita que exista um esquema de venda de decisões no TJ-MS. Além de Cardoso, participariam pelo menos outros cinco desembargadores, todos da ativa: Vladimir Abreu da Silva, Marcos José de Brito Rodrigues, Sideni Soncini Pimentel, Alexandre Aguiar Bastos e Sérgio Fernandes Martins, presidente do tribunal.

Eles foram afastados de seus cargos por 180 dias, não podem frequentar as dependências da corte, estão proibidos de se comunicar entre si e devem usar tornozeleira eletrônica.

Convém lembrar que todas são medidas cautelares, tomadas no curso do processo; não implicam culpa de quem quer seja, mas demonstram que, para os investigadores, há elementos suficientes para justificar a adoção de providências dessa natureza.

Por meio da quebra do sigilo de comunicações, por exemplo, a PF entendeu que os desembargadores agora afastados promoviam as negociações ilícitas com a intermediação de seus próprios filhos —na maioria, advogados que utilizariam seus escritórios para burlar a fiscalização.

Não seria a primeira vez que isso acontece. Basta lembrar que, por fatos muito semelhantes, o TJ da Bahia está há cerca de cinco anos sob a lupa do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Conselho Nacional de Justiça e da PF.

A peculiaridade do caso sul-mato-grossense é a suspeita ainda mais grave de que a corrupção tenha subido os degraus até o STJ —razão pela qual se determinou a transferência do inquérito para o Supremo Tribunal Federal.

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente da corte, afirmou que, se forem confirmadas as hipóteses da PF, não haverá tolerância ou condescendência.

É o mínimo, mas não basta. O Judiciário, de olho na própria legitimidade, deveria ser o primeiro a propor mudanças institucionais capazes de inibir o comportamento ilegal de seus membros.

Um bom começo seria tornar mais rigorosa a lei disciplinar que, hoje, estabelece como pena máxima para magistrados a aposentadoria compulsória com manutenção dos proventos. Trata-se de condescendência vergonhosa.

O eleitorado consolida sua preferência à direita

O Estado de S. Paulo

O Brasil sai das urnas com uma política mais pragmática e menos polarizada, uma esquerda em crise e dependente de Lula e uma direita fortalecida em busca de um líder para 2026

Sem grandes surpresas, o segundo turno das eleições municipais consolidou o cenário político desenhado no primeiro: a revitalização da política tradicional; uma direita robustecida, mas fracionada; uma esquerda em crise; e o desgaste das duas lideranças dominantes em âmbito nacional, o presidente Lula da Silva e, sobretudo, o ex-presidente Jair Bolsonaro.

No cômputo geral, candidatos radicais foram rechaçados, interesses locais e referendos sobre gestão prevaleceram e o centro, tanto em sua faceta ideologicamente moderada quanto em sua faceta fisiológica, triunfou. A maior expressão disso foi o desempenho do PSD, primeiro colocado, com 887 prefeituras, e do MDB, com 853.

Em certo sentido, os partidos do Centrão voltaram às suas origens de contraponto ao progressismo na Constituinte de 1988. Em outro sentido, essa volta foi abastecida pelo fortalecimento desses partidos no Congresso, munidos de multibilionários fundos eleitorais e, sobretudo, emendas parlamentares. O número de prefeitos reeleitos foi o maior dos últimos 20 anos, chegando a 80%. Nas 112 cidades mais contempladas com emendas, a taxa foi de 93,7%. As emendas cumpriram sua função de capilarizar a dominância desses partidos, e a contrapartida será seu fortalecimento no Congresso.

A expressão mais eloquente da crise de representatividade da esquerda foi a desidratação no Nordeste, onde perdeu metade das capitais, ficando com apenas duas. Em número de prefeituras, o PT ficou em 9.º lugar, atrás até do moribundo PSDB. O maior vencedor no campo progressista, o PSB, ficou em 7.º lugar. No geral, mesmo com a máquina do Executivo nacional, foi o pior resultado da esquerda desde a redemocratização.

A pauta da inclusão social foi incorporada por outros espectros e a credibilidade da esquerda para implementá-la foi irremediavelmente maculada pela corrupção e pela recessão na gestão lulopetista de Dilma Rousseff. As políticas assistencialistas já não são novidade e carecem de combustível por causa do aperto fiscal. Faltam ideias para atender às preocupações da população com a segurança e seus desejos de empreender. Um protagonista novo, como João Campos (PSB), reeleito no Recife, ainda é só uma promessa. Em São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), mesmo com o apoio do PT e recursos de campanha dez vezes maiores, perdeu sua segunda disputa consecutiva. Com praticamente o mesmo número de votos de 2020, Boulos perdeu em quase todos os distritos e se revelou um candidato de nicho, com um teto intransponível.

Nas disputas entre o PT e o PL, de Jair Bolsonaro, o PL, em geral, levou a melhor. Mas, como cabos eleitorais, Lula e Bolsonaro mais perderam do que ganharam. Lula, seja porque já não tem o mesmo vigor, seja porque está mais preocupado em projetar sua imagem no exterior, seja para não bater de frente com partidos que formam a sua base, não entrou a fundo nas disputas. Mas o maior derrotado foi Bolsonaro. Quase todas as suas apostas malograram – assim como as tentativas de retaliar moderados como o PSD. Em seu próprio partido, prevaleceu a ala pragmática comandada pelo presidente Valdemar Costa Neto. Os principais postulantes da direita para a Presidência em 2026 – os governadores Tarcísio de Freitas (SP), Ronaldo Caiado (GO) e Ratinho Jr. (PR) – emplacaram candidatos com apoio marginal de Bolsonaro ou até contra ele, como (veladamente) em Curitiba e (explicitamente) em Goiânia. Um candidato como Pablo Marçal mostrou que pode abocanhar votos do bolsonarismo dito “raiz” mesmo à revelia de Bolsonaro.

Olhando para 2026, Lula sempre será um candidato forte. Mas está envelhecido, em idade e ideias. Em termos partidários, encaminha-se para a disputa em “esplêndido isolamento” e sem aquela que foi sua principal alavanca em 2022: a contenção de Jair Bolsonaro. As moedas de troca com um Centrão robustecido em âmbito regional e no Legislativo federal minguaram, e esse grupo está sempre pronto para migrar para onde estiverem as preferências do eleitorado. Neste momento, elas apontam para a direita. Mas ainda falta uma liderança capaz de representá-las em âmbito nacional.

Isso não se faz, governador

O Estado de S. Paulo

Ao ligar Boulos ao PCC no dia da eleição, Tarcisio seguiu a cartilha da desfaçatez bolsonarista. Numa democracia, é preciso respeitar a liturgia do cargo, o processo eleitoral e os adversários

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que ao longo de seu mandato vinha se mostrando um democrata consciente dos limites morais e legais de seu poder, deixou-se guiar pela cartilha indecente do bolsonarismo no dia do segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo, ao vincular Guilherme Boulos (PSOL), o adversário de seu candidato, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), ao PCC, principal organização criminosa do País. Os motivos que o levaram a aderir à desfaçatez tão típica de seu padrinho, o ex-presidente Jair Bolsonaro, só o sr. Tarcísio será capaz de esclarecer. Afinal, não parece haver lógica nenhuma nessa declaração intempestiva, pois o prefeito Nunes estava confortavelmente na liderança da disputa, quadro que não mudaria nas poucas horas que restavam para o fechamento das urnas.

Ou seja, não há nada que pareça justificar a atitude do governador, que a um só tempo desrespeitou o cargo que ocupa, o processo eleitoral e o adversário, tudo o que não pode acontecer numa democracia – e que, por isso mesmo, é passível de punição severa. Portanto, roga-se que o sr. Tarcísio se retrate, pois, do contrário, mesmo que escape das sanções previstas em lei, será para sempre lembrado como aquele que julga não haver limites morais ou éticos para vencer uma eleição. Não é isso o que se espera de quem aspira à liderança do campo conservador no Brasil.

Após votar, o governador foi questionado por jornalistas sobre um comunicado emitido pela Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, que interceptou supostos bilhetes assinados por membros do PCC orientando o voto em algumas cidades. Os tais bilhetes já eram de domínio público, uma vez que foram publicados no dia anterior pelo portal Metrópoles. Tarcísio poderia ter apenas dito que não faria comentários até o fechamento das urnas, porque, se o fizesse, poderia influenciar a intenção de voto dos eleitores que ainda tinham algumas horas para votar. Mas a imprudência é uma marca do bolsonarismo, e o governador, como se estivesse numa entrevista qualquer, e não no dia de votação e ao lado de seu candidato, comentou: “Teve o salve, houve interceptação de conversa e de orientações que eram emanadas de presídios por parte de uma organização criminosa, orientando determinadas pessoas em determinadas áreas a votarem em determinados candidatos. Houve essa ação de inteligência, houve essa interceptação, mas não haverá influência nenhuma na eleição”.

Ainda assim, poderia ter reduzido os danos e parado por aí, mas, diante da insistência para que informasse qual era o candidato que os criminosos orientavam a votar, Tarcísio disse: “Boulos”. Ao fazê-lo, imiscuiu-se de vez no processo eleitoral e abusou de sua prerrogativas de governador, que, ao contrário de Boulos e dos demais cidadãos, tem acesso às mencionadas informações de inteligência e tem holofotes garantidos em razão do cargo que ocupa.

E não havia necessidade nenhuma disso. Àquela altura, os danos eleitorais ao candidato do PSOL seriam nulos, posto que a derrota parecia certa. A campanha de Boulos, claro, se apressou a comparar a declaração do governador ao laudo fraudulento divulgado pelo extremista Pablo Marçal ao fim do primeiro turno, para retratá-lo como um drogado, e fez o óbvio: recorreu à Justiça. Há quem peça até a inelegibilidade do governador ou tente creditar à insinuação de Tarcísio a derrota fragorosa imposta a Boulos.

É imprescindível agora que o governador explique o que, afinal, pretendeu com a declaração, sob pena de macular seu próprio triunfo político. Afinal, ele foi determinante para a reeleição de Nunes, sem precisar de artifícios que, na prática, desrespeitam o eleitor e a democracia. Ao contrário da toxicidade de Jair Bolsonaro, o apoio de Tarcísio mostrou o quanto a direita não depende mais da associação explícita à figura do ex-presidente. E dessa independência emerge a vitalidade de uma desejável direita democrática, liberal e republicana. Atributos que, ora vejam, são o avesso da gravíssima derrapada do governador.

Barbárie organizada

O Estado de S. Paulo

Clubes são coniventes com torcidas cuja prioridade é a violência contra adversários

O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) vai investigar a emboscada que a Mancha Alviverde, principal torcida organizada do Palmeiras, realizou na madrugada de domingo contra um ônibus que transportava membros da Máfia Azul, torcida uniformizada do Cruzeiro. A ação criminosa, que se presume tenha sido uma vingança por um ataque da Máfia Azul contra a Mancha Alviverde, resultou em 1 morto e 20 feridos, todos cruzeirenses. Não se espera outra coisa de delinquentes travestidos de torcedores, mas não deixa de espantar a reação burocrática dos clubes envolvidos, que deveriam ter todo o interesse em se desvincular dessa barbárie. Talvez não tenham coragem para tanto.

Em um exercício de desfaçatez, a outrora Mancha Verde, que mudou de nome justamente para driblar seu histórico de extrema violência, divulgou nota na qual diz ser injustamente apontada pela ação criminosa, uma vez que um grupo com mais de 45 mil associados não pode ser condenado por “ações isoladas de cerca de 50 torcedores”. Mas o que chamou mesmo a atenção foi o comunicado lacônico do Palmeiras, que se limitou a repudiar a violência e pedir que as autoridades investiguem e punam os culpados.

O Palmeiras poderia ter aproveitado a oportunidade não só para salientar que não se sente representada por esses “torcedores”, como também para banir a organizada de seus jogos, tendo em vista que não foi o primeiro crime que seus integrantes cometem. A julgar pelo comunicado palmeirense, é mais provável que a Mancha, faça o que fizer, continuará a ter salvo-conduto.

Recorde-se que há tempos o Palmeiras está às turras com a Mancha, mas não em razão da violência da torcida, e sim porque o clube havia contratado um diretor que a organizada dizia ser corintiano.

É crucial que os clubes parem de financiar “torcedores” que, além de promoverem barbaridades contra rivais, reiteradamente aterrorizam atletas e treinadores – não raro com a cumplicidade velada dos próprios dirigentes.

Às organizadas, se realmente desejam ser vistas como torcidas, basta que não promovam atos violentos. De nada adianta afirmar, como agora faz a Mancha, tratar-se de “ações isoladas”, quando tais ações são frequentes e fartamente documentadas.

E há ainda a incapacidade das autoridades, que, se tivessem agido preventivamente, não teriam agora de investigar mais uma morte. Obviamente indefensável, o revide da Mancha Alviverde à Máfia Azul era previsível desde que, dois anos atrás, a organizada cruzeirense agrediu membros da Mancha, entre os quais o atual presidente da uniformizada palmeirense, na mesma Fernão Dias que foi agora palco da emboscada letal.

Por um tempo, a solução encontrada pelo poder público em São Paulo para a violência das torcidas foi o banimento das organizadas dos estádios. Agora, elas podem entrar, mas, nos confrontos entre times paulistas, só têm ingresso os torcedores do time da casa. Tais providências são a prova da rendição do Estado e dos clubes de futebol à incivilidade de alguns torcedores, dentro e fora dos estádios.

Enem é desafio para jovens e governo

Correio Braziliense

Na análise da Todos pela Educação (TPE), uma organização da sociedade civil, o programa Pé-de Meia é bastante relevante, com grande potencial de impacto, mas não pode ser compreendido como solução para os problemas do ensino médio

Os dois próximos domingos (3 e 10 de novembro) serão desafiadores para os 4,3 milhões de jovens inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e também para o governo federal, que criou o programa Pé-de-Meia com o intuito de manter os jovens e adultos, entre 14 e 24 anos, no banco escolar para que concluam o ensino médio e cheguem a uma cadeira nas universidades.

Lançado em março deste ano, o programa de incentivo financeiro atende a cerca de 4 milhões brasileiros que cumprem as seguintes exigências: ser matriculado em escola pública ou no Educação para Jovens e Adultos (EJA), integrar família inscrita no Cadastro Único (CadÚnico), comprovar frequência escolar mínima de 80%, ter aprovação na conclusão do ano letivo e participar dos exames obrigatórios. Por sua vez, o Enem, criado em 1998, tem, entre os desafios atuais, reduzir o alto número de candidatos que não vão fazer a prova. 

Agora, o Pé-de-Meia também começará a ser testado. Garantir R$ 200 aos que comparecem ao Enem e manter uma poupança que pode render aos estudantes, após os três anos do ensino médio, mais de R$ 9 mil são benefícios capazes de conter a evasão escolar e a abstenção a cada edição do exame?

Na análise da Todos pela Educação (TPE), uma organização da sociedade civil, o programa governamental é bastante relevante, com grande potencial de impacto, mas não pode ser compreendido como solução para os problemas do ensino médio. Para a entidade, a escola tem de ser atraente, acolhedora, a fim de que os jovens  a percebam como elemento que permitirá a concretização do seu projeto de vida. Ao mesmo tempo, é indispensável um olhar aos profissionais de educação, que demandam melhores condições de trabalho, integração entre educação e tecnologia, melhoria da infraestrutura física e digital das unidades de ensino, bem como ampliação das escolas de tempo integral.

Reduzir ou eliminar os índices de abstenção do Enem é um dos desafios da nova política de educação. O percentual variou entre 27% e 34% desde 2010. Em 2020, em meio à pandemia da covid-19, 55% dos inscritos faltaram ao exame. Ano passado, a abstenção chegou a 32%.

A evasão e a abstenção também têm relação com a falta de motivação dos estudantes, a desconexão entre o currículo e a realidade do aluno, dificuldade financeira, problemas familiares, o ambiente doméstico instável, gravidez precoce, bullying e outras manifestações de violência são fatores que dificultam o aprendizado, dentro e fora da escola, e acabam levando a juventude ao abandono escolar. Trata-se de um ciclo que se repete, alimenta a injustiça social e econômica tangível no país e impacta significativamente na realidade das novas gerações.

Ainda que o Pé-de-Meia seja bem-sucedido, com redução drástica dos índices de evasão escolar no ensino médio e da abstenção no Enem, há o desafio de traçar iniciativas que permitam aos ingressantes das universidades terem condições adequadas para concluir o aprendizado — o índice de estudantes que abandonam a educação superior no Brasil chega a 57,2% entre redes pública, privada e ensino presencial e a distância (EaD), segundo o Mapa do Ensino Superior no Brasil 2024, do Instituto Semesp. Os obstáculos que levam muitos jovens a largarem os estudos estão visceralmente associados às desigualdades sociais e econômicas de expressiva parcela da sociedade.


 

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