Taxação de multinacionais inspira cuidados
O Globo
É preciso integrar Brasil a acordo global,
mas evitar que novo imposto seja pretexto para mais gastos
O governo federal acaba de impor a tributação
mínima de 15% sobre o lucro de multinacionais que operam no Brasil, cumprindo
acordo negociado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE)
e assinado por 140 países. Trata-se de um passo na direção de um ordenamento
tributário comum para evitar distorções na taxação dessas empresas,
obrigando-as a recolher impostos nos países onde geram empregos e produzem, e
não apenas onde mantêm suas sedes. A medida tem o mérito de adequar o Brasil a
normas internacionais, mas também embute riscos. O principal é o governo tentar
aproveitar para elevar a carga tributária sobre empresas globais, com o
objetivo de financiar o aumento de despesas que ameaça o equilíbrio fiscal.
Prevista para entrar em vigor no ano que vem, a taxação, instituída por Medida Provisória (MP), valerá para empresas com faturamento anual superior a € 750 milhões. O imposto para corporações no Brasil é de 34% do lucro, mas a alíquota efetiva pode ficar abaixo de 15%, a depender de incentivos fiscais e do planejamento tributário de cada contribuinte. A Receita informou que, em 2022, 957 das 8.704 empresas que estariam no escopo da MP pagaram menos de 15%. Estas teriam de pagar a diferença, de modo que a alíquota ficasse exatamente em 15%.
No afã de cumprir as metas fiscais e sem
apetite para cortar gastos, o governo enxergou na nova taxa mais uma
oportunidade para aumentar a arrecadação. Caso a regra tributária estivesse em
vigor em 2021, quando foi aprovada por ministros da Economia dos países do G7,
o Fisco teria arrecadado cerca de € 900 milhões, equivalentes a R$ 5,7 bilhões
ao câmbio da época, segundo o Observatório de Tributação da União Europeia
(UE). Agora, a expectativa da Receita é arrecadar entre R$ 8 bilhões e R$ 10
bilhões por ano. Seria bom que essas receitas não servissem de pretexto para
criar novas despesas. A credibilidade do novo arcabouço fiscal exige do governo
um programa consistente de controle de gastos, e não a criação de novos
impostos.
Outra dificuldade com que o governo terá de
lidar é a degradação de expectativas. Com impostos mais altos, o país poderá
afugentar investimentos estrangeiros. De acordo com a OCDE, no ano passado os
investimentos diretos no Brasil somaram US$ 64 bilhões, superados apenas pelos
US$ 341 bilhões nos Estados Unidos. Junto aos superávits comerciais sustentados
por exportações do agronegócio e de matérias-primas minerais, tais
investimentos têm contribuído para o país manter o colchão de US$ 300 bilhões
em reservas internacionais, retaguarda que impede grandes oscilações cambiais
em momentos de crise, equilibrando as pressões inflacionárias.
Se houver queda no total investido por
empresas estrangeiras do Brasil, isso aumentaria a carga de responsabilidade
dos exportadores para manter esse colchão. E num momento em que produtores
brasileiros já enfrentam dificuldades em seus dois maiores mercados — a China,
que atravessa uma fase de ajuste com crescimento menor, e a União Europeia,
onde se aguçam as pressões protecionistas, sobretudo no setor agrícola.
Qualquer mudança nas expectativas afetará o cenário externo para o Brasil. Os
números auspiciosos da arrecadação não devem levar ao açodamento. A taxação das
multinacionais é um passo correto, mas inspira cuidados para ter sucesso.
Populismo econômico aproxima campanhas de
Trump e Kamala
O Globo
Ambos adotam receita protecionista e
subsídios, sem ligar para o impacto na inflação, na dívida ou no crescimento
Na campanha eleitoral americana, a
democrata Kamala Harris e
o republicano Donald Trump têm
demonstrado algo em comum: propostas econômicas populistas, segundo as quais é
possível gastar mais, cortar impostos e proteger empregos com tarifas sem
nenhum impacto no déficit público, na inflação ou no crescimento. “Com Trump e
Harris nas eleições, o populismo econômico não perderá em novembro”, diz a
conservadora National Review. Para a liberal The Economist, ambos prometem uma
“utopia sem compensações”.
Kamala demorou a apresentar um programa de
governo. Do documento de 82 páginas enfim produzido, é possível depreender
algumas ideias de sua agenda econômica. Ela se compromete a expandir subsídios
para moradia — US$ 25 mil de entrada na primeira compra de imóvel —, para
idosos e crianças — US$ 6 mil por ano para recém-nascidos — e para expansão da
indústria. Defende uma agenda protecionista voltada à transição energética.
Também fala em instituir uma “economia de oportunidades”, com US$ 50 mil em
crédito para startups. E quer aprofundar a política econômica de Joe Biden, com
impostos maiores sobre ganhos de capital, corporações e fortunas. Ela copiou de
Trump a ideia demagógica de acabar com o imposto sobre gorjetas, sugerida por
uma garçonete em Las Vegas. Também diz que manterá a tarifa instituída no
governo Trump sobre as importações da China.
Com base nas tarifas, Trump promete o
“renascimento industrial” dos Estados Unidos, tomando empregos de outros
países. A bandeira protecionista — outrora exclusividade democrata — foi
abraçada com fervor pelo Partido Republicano trumpista. Trump fala numa tarifa
de 60% sobre produtos chineses e de 100% sobre a importação de carros montados
no México — dando de ombros para o acordo de livre-comércio em vigor com
mexicanos e canadenses. Entre seus planos, está a criação do cargo de
“embaixador da indústria”, para convencer empresas estrangeiras a transferir
suas linhas de produção aos Estados Unidos. A única ideia que parece restar do
partido de Ronald Reagan são os cortes de impostos para cidadãos e empresas
(fala-se numa alíquota corporativa de 15%).
A entidade não partidária Tax Foundation
estima que os planos de Trump custariam US$ 1,3 trilhão na próxima década.
Outros analistas avaliam o impacto em US$ 4 trilhões, a depender da guerra
comercial atiçada pelas medidas protecionistas. Os custos seriam sem dúvida
maiores que os ganhos obtidos com as novas tarifas.
Nem Kamala nem Trump manifestam a menor
preocupação com o preço de suas políticas. Competem para se mostrar magnânimos
na distribuição de cortes de impostos, subsídios e tarifas para proteger
empregos e a indústria. Mas ninguém menciona a escalada da dívida pública, a
piora da produtividade econômica com a proteção da indústria local ou o
empobrecimento da população que tudo isso acarreta— problemas cujas
consequências o brasileiro conhece muito bem.
Usar dinheiro público fora do Orçamento é
grave risco
Folha de S. Paulo
Manobra para destinar verbas de fundos
públicos a financiamentos dribla regras de transparência e tende a elevar
dívida
Nunca é bom sinal quando o governo, em vez de
propor uma medida com clareza de intenções e argumentos, prefere incluí-la de
modo sorrateiro em algum projeto sobre outro tema já em tramitação no
Congresso. Pior ainda é quando o dispositivo cria algum mecanismo intrincado
para usar dinheiro público fora do Orçamento.
Pois foi o que a administração petista fez ao
inserir numa proposta de emenda constitucional, já aprovada pelo Senado,
uma norma que permite destinar até 25% do superávit de fundos públicos ao
financiamento de projetos ligados a ações ambientais, conforme a Folha noticiou.
Fundos de diferentes propósitos e fontes de
receita têm um saldo de R$ 228 bilhões apurado em dezembro de 2023, mas nem
todos seriam atingidos pela nova regra. Procurado, o Tesouro Nacional diz
que a expectativa
é não empregar mais de R$ 20 bilhões ao ano dos recursos.
A PEC, porém, não traz limitações de valores
e tampouco especifica quais fundos poderão ser acionados para sustentar os
novos financiamentos. A proposta aguarda votação na Câmara dos
Deputados e deve ser aprovada por conter medidas já acordadas
para beneficiar os prefeitos em ano de eleições municipais.
É inegável que o governo precisará de mais
dinheiro para enfrentar o impacto da mudança
climática nos próximos anos. Assim o mostram a tragédia das
enchentes no Rio Grande do Sul e a seca que fez proliferar o fogo no cerrado,
no pantanal e
na amazônia.
Esse objetivo, porém, precisa ser orçado com transparência.
Pelo jabuti legislativo de Brasília,
excedentes disponíveis nos fundos serão utilizados em operações de crédito,
presumivelmente em taxas favorecidas. Nesse caso, haverá subsídio —vale dizer,
um gasto público— não explicitado no Orçamento.
Não há dados consolidados recentes sobre o
superávit dos fundos. Também não há informações sobre as instituições
financeiras aptas a usar esses recursos.
De antemão sabe-se apenas que será
beneficiado o Fundo Clima, operado pelo BNDES,
o que aumenta a preocupação sobre o alcance da medida —nas administrações
petistas anteriores, viu-se uma escalada desastrosa de subsídios concedidos por
meio do banco de fomento.
Não é a primeira vez, recorde-se, que este
terceiro governo Luiz Inácio Lula da
Silva se vale de manobras para criar despesas fora dos limites orçamentários.
Um exemplo é o programa de estímulo à
permanência de alunos no ensino médio, bancado por um fundo de
natureza privada que recebeu aporte do Tesouro Nacional fora das regras
fiscais.
Subterfúgios do gênero podem parecer
engenhosos à primeira vista, mas a experiência recente mostra seu enorme dano
potencial. De pouco adianta cumprir metas de ajuste à custa de exceções e
manobras de contabilidade, enquanto a dívida
pública —o indicador mais importante— continua em expansão.
A improvável missão da presidente do México
Folha de S. Paulo
Sob a sombra do populismo de seu antecessor,
Claudia Sheinbaum dilui promessa de austeridade fiscal com intervencionismo
A esquerdista Claudia
Sheinbaum tomou posse
como presidente do México na terça (1º) com o desafio de dar
continuidade à agenda populista centralizadora herdada de seu padrinho político
e antecessor, Andrés Manuel López Obrador, num cenário de crescimento frágil e
quadro fiscal preocupante.
A segunda maior economia da América
Latina tem, por meio da política dos EUA de privilegiar
importações de países vizinhos (nearshore), uma chance de escapar da armadilha
da renda média,
superar mazelas sociais e incrementar a industrialização.
Contudo a atração de investimentos exige
compromisso com uma gestão racional da economia, até agora não evidenciado pelo
governo mexicano.
A garantia de Sheinbaum de buscar a
austeridade fiscal, durante seu discurso de posse, diluiu-se nas promessas
populistas que se seguiram, como a elevação do valor das aposentadorias e a
contenção dos preços da energia, que contrastam com a situação precária das
contas do governo.
O déficit público deve alcançar 5,9% do
Produto Interno Bruto no final deste ano, o que emite alertas sobre a tendência
de alta da dívida pública, que chegou a 47,6% do PIB —ainda
bem abaixo dos 78,5% do Brasil, diga-se— no primeiro semestre, e da inflação,
na casa dos 5%.
Investimentos estrangeiros têm chegado ao
México, de fato, mas carregados de incentivos fiscais e pressionados pela
demanda por modernização da infraestrutura e contenção da violência.
Por mais que avente alguma autonomia em
relação a AMLO,
pelo menos para reduzir o rombo fiscal a 3,5% do PIB em seus seis anos de
governo, Sheinbaum não dá sinais de reversão das reformas expansionistas de seu
padrinho. Teme-se que o pragmatismo demonstrado quando governou a Cidade do
México tenha terminado ao assumir a Presidência.
Paira, ainda, o viés autocrático do populismo
de AMLO, que durante seu mandato proferiu ataques à imprensa, moveu militares a
cargos públicos, enfraqueceu
controles do sistema eleitoral e promoveu uma reforma
temerária do Judiciário —com o objetivo de minar um dos poucos
obstáculos às políticas de seu governo.
Sheinbaum foi escolhida por eleitores que
desejavam a continuidade desse projeto e terá no Congresso a confortável
maioria de seu partido, o Morena, comandado por López Obrador.
Mesmo assim, enfrentará o desafio de
equacionar as contas públicas e estimular o crescimento pautando-se numa agenda
intervencionista. A história mostra ser essa uma tarefa improvável.
O ‘hiperindividualismo’ faz mal à sociedade
O Estado de S. Paulo
Um individualismo predatório tem sido
estimulado como ativo eleitoral. Ao contrário do que apregoam seus arautos,
isso destrói a união dos cidadãos na defesa de seus interesses comuns
Uma infeliz conjunção de fatores atrapalha o
amadurecimento político da sociedade brasileira. Por um lado, há o
financiamento público dos partidos. E essa excrescência, uma perversão do
Orçamento, não apenas empobrece a discussão de políticas públicas voltadas ao
desenvolvimento nacional, o que já é grave por si só, como ainda amplia a
distância que separa eleitores e legendas, prestando um desserviço à democracia
representativa no País.
Por outro lado, está em curso um movimento de
estímulo ao que pode ser chamado de “hiperindividualismo” como um potente ativo
eleitoral. Candidaturas destrutivas como a de Pablo Marçal, entre outros,
vendem o triunfo selvagem do indivíduo mais “forte” – logo, mais “merecedor” –
como o único meio apto a desenvolver a sociedade como um todo, pois livre das
garras do Estado e das vicissitudes do que chamam indistintamente de “velha
política”. Na realidade, dá-se o exato oposto.
Esse culto a um individualismo de cariz
predatório nem remotamente se assemelha à ideia liberal clássica segundo a qual
os indivíduos são livres para tomar decisões sobre suas próprias vidas, desde
que suas escolhas não infrinjam direitos dos outros. Vale dizer, a liberdade
individual à luz do liberalismo clássico, esteio filosófico que orientou a
fundação deste jornal há quase 150 anos, é de natureza eminentemente solidária.
Indivíduos livres, mas socialmente responsáveis, formam uma sociedade livre e igualmente
responsável.
O “hiperindividualismo” personificado por
Marçal e quejandos, por sua vez, representa a negação dos agrupamentos sociais.
Para essa turma, indivíduos “fortes” ou “empreendedores” não dependem de
ninguém para prosperar. Sob essa lógica tão mentirosa quanto cruel, quem não
depende de ninguém também não depende de partidos. No limite, não depende nem
da própria política – menos ainda da dita “política tradicional”, em geral
tratada como “o sistema”, “o establishment” ou coisa que o valha. O tal
“coach”, não por acaso, defende que cidadãos possam se lançar candidatos a
mandatos eletivos sem qualquer filiação partidária, o que é vedado pela
Constituição.
Nesse sentido, não surpreende que os partidos
estejam muito mais preocupados em sobreviver como empresas privadas sustentadas
por recursos públicos do que em se esforçar para adquirir alguma densidade
ideológica e programática capaz de atrair eleitores que se sintam representados
e, assim, se disponham a financiá-los por meio de doações. O critério de
distribuição dos bilionários fundos públicos que abarrotam o caixa das legendas
com dinheiro líquido e certo – o tamanho das bancadas partidárias na Câmara dos
Deputados – foi concebido exatamente para manter os partidos, sobretudo os
grandes, livres da obrigação de ter de oferecer aos eleitores um conjunto de
ideias, valores e propostas claramente reconhecíveis, de modo a permitir que os
caciques partidários possam ungir qualquer um que se mostre viável do ponto de
vista eleitoral.
Referências partidárias, outrora relevantes,
hoje não significam nada. Em um círculo vicioso, os partidos, sôfregos para
formar grandes bancadas, ou seja, para abocanhar um quinhão maior dos fundos
públicos, passaram a buscar o poder pelo poder. Os eleitores, por sua vez, não
se sentem representados por legendas fechadas em seus interesses particulares
e, pelo desencanto, são seduzidos por qualquer um que se levante contra o
“establishment” político. O que é a ascensão de um desqualificado como Pablo Marçal
senão o retrato mais bem acabado dessa dinâmica eleitoral? Aí está o racha que
sua candidatura provocou no campo da direita. À esquerda o fenômeno é menos
perceptível porque os ditos progressistas orbitam o petista Lula da Silva.
É ocioso esperar que o fim desse jorro de
dinheiro público sobre os partidos parta de seus maiores beneficiários sem
provocação. Cabe à sociedade se mobilizar para que a política, enfim, volte a
servir à concertação dos seus interesses comuns, e não os de um punhado de
caciques políticos que não estão nem aí para o que é melhor para o Brasil.
Lula alinha o Brasil ao Irã
O Estado de S. Paulo
Presidente precisa responder como sua
afinidade com os aiatolás favorece os princípios constitucionais da diplomacia,
como a prevalência dos direitos humanos e o repúdio ao terrorismo
Assim como escolheu tacitamente alinhar o
Brasil à Rússia na agressão que o regime de Vladimir Putin cometeu contra a
Ucrânia, apoiando inclusive uma proposta para o fim da guerra que equivale à
capitulação da Ucrânia, o presidente Lula da Silva decidiu explicitamente
alinhar o Brasil ao Irã no conflito com Israel.
Os sinais são inequívocos. Quando Israel
decidiu atacar bases do Hezbollah no Líbano após um ano sendo agredido
diariamente, o Itamaraty condenou a operação “nos mais fortes termos”. Quando o
Irã, sem ser atacado diretamente, lançou sobre Israel uma chuva de 200 mísseis
para vingar o Hezbollah, o governo se limitou, quase num sussurro, a manifestar
“preocupação”. Há meses o Brasil retirou seu embaixador de Israel, o que
equivale, se não de jure, de facto, a um rompimento diplomático. Mas
o Planalto prestigiou o Irã enviando o vice-presidente Geraldo Alckmin à posse
do novo presidente iraniano, onde formou fila com terroristas do Hezbollah, do
Hamas, da Jihad Islâmica e da milícia Houthi.
A relação entre israelenses e palestinos tem
uma história complexa e dolorosa que pode ser traçada até os tempos bíblicos.
Não há inocentes nessa história. Mas a visão simplista e simplória de Lula
reduz tudo a uma dicotomia maniqueísta entre “opressores” e “oprimidos”. Lula é
incapaz de condenar o Hamas como um grupo terrorista, mas equipara o governo de
Israel ao nazismo. Recentemente, Lula lamentou que a ONU não tenha autoridade
“de fazer com que Israel se sente numa mesa para conversar ao invés de só saber
matar”. Mas, só para ficar na história recente, desde os Acordos de Oslo de
1993, Israel cumpriu suas obrigações, concedeu territórios ocupados em Gaza e
no Líbano, e o resultado foi mais terrorismo e ataques aos seus cidadãos.
Enquanto os palestinos não tiverem um lar e
autonomia para governá-lo, Israel não estará seguro e sua democracia não será
plena. Ainda assim, Israel é a rigor a única democracia no Oriente Médio, e o
único Estado genuinamente laico, que reconhece direitos iguais às mulheres e
abriga cerca de um quinto da população de árabes, com plenos direitos
políticos.
Em contraste, o Irã é um regime totalitário
teocrático e imperialista que desrespeita sistematicamente os direitos humanos
de seus cidadãos. Israel não tem como política de Estado destruir outro país.
Já o Irã prega oficialmente não só a destruição de Israel, mas, a rigor, a
submissão de todas as nações à sua revolução jihadista xiita, e não hesita em
empregar para esse fim milícias terroristas que oprimem povos e provocam
conflitos no Oriente Médio e já mataram milhares de civis ao redor do mundo.
Isso não significa que o Brasil deva se
alinhar automática e incondicionalmente a Israel contra o Irã, mas tampouco que
deva ser neutro. Países não têm amigos, têm interesses, e os interesses da
política externa brasileira são os consagrados na Constituição: a prevalência
dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos, da solução pacífica dos
conflitos e do repúdio ao terrorismo.
Aplicados ao Oriente Médio, esses princípios
implicam a repressão de organizações terroristas; o favorecimento da diplomacia
nos conflitos entre nações, ao invés de confrontos armados diretos; e uma
solução para o povo palestino que passe por uma concertação dos países árabes
com Israel para a pacificação e governança dos territórios palestinos, até a
criação de um Estado. Quanto ao Irã, cabe apoiar formas de dissuadir sua
agressividade externa, o que inclui condenar qualquer tentativa de criar um
arsenal nuclear, e, na medida do possível, favorecer reformadores que buscam
restaurar os direitos humanos e as liberdades políticas dos iranianos.
Obviamente, é mais fácil dizer do que fazer.
Mas, se o caminho é tortuoso e os instrumentos do Brasil são escassos, ao menos
os fins deveriam ser claros. Porém a única coisa clara sobre a diplomacia do
governo Lula é sua oposição a Israel e seu alinhamento com o Irã. Os
brasileiros, suas lideranças civis e seus representantes eleitos têm uma
singela questão a fazer a Lula: qual o interesse do Brasil na sua fraterna
amizade com os aiatolás?
Lula é um craque
O Estado de S. Paulo
Petista entra em campo e facilita acordo para
Flamengo ter estádio em terreno que era da Caixa
O presidente Lula da Silva, espécie de camisa
10 do patrimonialismo nacional, atuou para que o Flamengo possa construir seu
estádio numa área que pertencia a um fundo privado administrado pela Caixa
Econômica Federal (CEF). O clube carioca recebeu a bênção de Lula e ganhará sua
arena no terreno do Gasômetro, na zona portuária do Rio de Janeiro.
Mais uma vez, ao que parece, o futebol é
pretexto para que Lula misture interesses privados – seus e de clubes populares
do País – com a coisa pública. Foi assim quando o presidente, corintiano roxo,
mandou a mesma CEF financiar a construção do estádio do Corinthians em
Itaquera, na zona leste de São Paulo. O clube paulista acumula dívida de mais
de R$ 700 milhões com o banco, e obviamente não tem a menor condição de
pagá-la, salvo se houver algum acordo com a Caixa a mando de seu torcedor mais
ilustre.
Ao comemorar a assinatura da cessão
provisória do terreno para o estádio do Flamengo com o presidente da Caixa,
Carlos Vieira, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), Lula não escondeu o
contentamento com o seu mais novo feito – às vésperas do primeiro turno da
eleição, na qual apoia Paes.
Com o costumeiro discurso demagógico, o
petista disse que é “casado em comunhão de bens com o futebol”. Desejou “boa
sorte” ao time carioca e afirmou que é “muito importante” que sua torcida, que
representa uma “paixão”, ganhe um estádio.
Lula disse ainda que está cumprindo uma
promessa feita em seu primeiro mandato, em 2003, de dispensar um “tratamento
muito especial” ao Rio. Para completar, deixou claro que se tratava de um
presente para o Flamengo e que isso é “bom para meu governo”: “Esse acordo foi
bom para o Brasil e para o meu governo. E esse acordo foi muito bom para o
Flamengo. O Flamengo agora vai ter um estádio de futebol, vai ter uma arena. E
isso é extraordinariamente importante pela grandeza do time do Flamengo”.
Portanto, ficamos sabendo pelo próprio Lula
que ele e o Flamengo saíram ganhando com o acordo. É o caso de perguntar,
porém, o que os brasileiros em geral, sobretudo os que nem torcem para o
Flamengo nem gostam de futebol, ganharam.
A Caixa, ao que tudo indica, não saía
ganhando. A entrega da área ao Flamengo é a segunda disputa do banco com Paes,
que desapropriou um terreno da instituição na mesma região para construir o
Terminal Gentileza. A indenização à Caixa foi de R$ 40,8 milhões, mas o banco
alegou prejuízo e entrou com uma ação na Justiça para receber mais R$ 11
milhões. Paes parece ter gostado dessa estratégia e decidiu desapropriar uma
outra área, agora para ajudar o Flamengo.
De posse do terreno, Paes realizou um leilão
a jato, e a área foi arrematada pelo Flamengo pelo valor mínimo de R$ 138
milhões. No edital de licitação, que parece ter sido feito sob medida para o
Flamengo, havia a obrigatoriedade de construir ali um estádio de futebol.
Obviamente a Caixa entrou na Justiça, sob o argumento de que a desapropriação
favoreceria o Flamengo em relação aos demais concorrentes. Diante do impasse
com a Caixa, Paes chamou Lula – que, como sabemos, é um craque.
A revolução das cotas no ensino
Correio Braziliense
Universitários cotistas alcançaram uma taxa
de conclusão de curso superior à de não cotistas. Na avaliação do MEC,
resultado mostra avanço inequívoco na redução da desigualdade social
Os números divulgados esta semana pelo Censo
da Educação Superior revelam uma revolução em curso no país. O levantamento
realizado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) indica que os
universitários cotistas alcançaram uma taxa de conclusão de curso superior à
dos estudantes não cotistas. No período entre 2014 e 2023, 51% dos
universitários atendidos por políticas de incentivo — muitas vezes, vítimas de
preconceito por causa de seu perfil racial e social — conseguiram terminar essa
importante etapa de formação. Entre os não cotistas, esse percentual chegou a
41%.
Na avaliação do MEC, esse resultado mostra um
avanço inequívoco na redução da desigualdade social, uma das chagas mais
antigas do Brasil. "Os dados nos mostraram que o caminho é cuidar desses
estudantes, especialmente dos que mais precisam, porque eles respondem, eles
dão resultado quando instados a entrar na educação superior", comentou o
ministro da Educação em exercício, Leonardo Barchini. "A gente dá uma
chance para esses estudantes de baixa renda, pretos, pardos e indígenas, e eles
respondem. Nesse sentido, com esse direcionamento, com base nesses dados, é que
nós estamos desenhando os novos programas de concessão de benefícios de
assistência estudantil para esses estudantes", prosseguiu o substituto do
titular Camilo Santana, que está de férias.
Registre-se que a Universidade de Brasília
(UnB) desempenhou um papel pioneiro nessa mudança social. Em 2023,
completaram-se 20 anos da política de cotas raciais na instituição. Um olhar em
retrospectiva revela como, em duas décadas, foi possível derrubar as
intransponíveis barreiras que impediam brasileiros em situação vulnerável de
ter acesso ao ensino superior. Em 2003, apenas 4,3% dos alunos da UnB eram
negros ou indígenas. No primeiro vestibular sob o regime de cotas, em 2004,
ingressaram 388 candidatos aprovados. Em 2022, o contingente de cotistas ficou
acima de 10 mil.
O governo federal deu sinais de que pretende
avançar em políticas que redundem em mais oportunidades para o estudante
investir na formação superior. Consta na pasta da Educação o plano de melhorar
instalações universitárias, como restaurante comunitário e os alojamentos
estudantis, apesar das restrições orçamentárias. Também se encontra em estudo a
criação de um Pé-de-Meia universitário, semelhante ao já adotado para alunos de
ensino médio, no qual o estudante recebe uma bolsa mensal enquanto mantiver a
frequência nos bancos escolares.
Se o Censo de Educação Superior revelou dados
animadores sobre as políticas afirmativas, deixou claro que ainda há outros
desafios a enfrentar. O aumento constante do ensino a distância — a modalidade
corresponde a 49% das matrículas nas universidades — impõe, na avaliação do
governo, a necessidade de se adotar medidas regulatórias. Merecem maior atenção
os cursos de licenciatura, onde identificaram-se problemas na qualidade da
formação desses alunos.
Sabe-se que o ensino universitário é apenas
uma seção no extenso inventário da educação no Brasil. Ainda há enormes
lacunas, em especial no ensino médio. Mas com políticas públicas consistentes,
transparência e responsabilidade social, é possível encontrar a equação que
permitirá ao país sair da debilidade em parâmetros educacionais e alcançar
patamares de nações mais desenvolvidas.
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