sábado, 5 de outubro de 2024

Carlos Alberto Sardenberg - Questão de confiança. Ou de desconfiança

O Globo

A despesa obrigatória consumirá cada vez mais o Orçamento, sobrando menos para investimentos e custeio

Não é propriamente uma questão de fé. Há muitos números envolvidos neste caso. Mas é, certamente, uma questão de confiança. A seguinte: você acha que o governo executará as regras do arcabouço fiscal e alcançará as metas de equilíbrio das contas públicas? Para complicar, não é um caso de sim ou não. Qualquer resposta vem com uma adversativa, para o sim, e um complemento, para o não.

O debate esquentou nesta semana quando a agência de classificação de risco Moody’s, uma das três mais importantes, elevou a nota de crédito do Brasil. E surpreendeu a maioria dos economistas brasileiros.

Nota de crédito mede a capacidade de um país pagar sua dívida pública. Não zerar, é claro, pois nenhum governo consegue fazer isso. Mas é preciso ter capacidade de honrar a dívida regularmente, o que significa pagar em dia as prestações e os juros.

Vai daí que o principal critério é a relação dívida pública/PIB — ou, mal resumindo, a relação entre os débitos e a produção nacional de bens e serviços (a geração de riqueza). No final de 2023, a dívida pública brasileira equivalia a 73% do PIB, nível elevado para países emergentes. Mas todo mundo acha que essa dívida crescerá nos próximos anos. 

O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse em entrevista à CBN, também nesta semana, que espera uma acomodação da dívida em 80% do PIB ao fim do governo Lula. Outra agência de classificação de risco, a Fitch, que dá ao Brasil nota pior que a Moody’s, entende que essa dívida crescerá todos os anos até 2028. Então, como a Moody’s pode ter elevado a nota brasileira?

Dois motivos principais, segundo a explicação da própria agência. Primeiro, o Brasil cresce mais do que se esperava. E, se o PIB é maior, isso reduz a relação dívida/PIB. Segundo, um certo voto de confiança para a equipe econômica, no sentido de que ela será capaz de levar todo o governo a cumprir as regras do arcabouço. O próprio Haddad, ao comemorar a nota melhor, disse algo mais ou menos assim, com licença poética: estão vendo como é importante o equilíbrio entre receitas e despesas?

Estava falando para a ala política do governo —incluindo Lula — que considera o gasto público base de toda a prosperidade. Portanto, tanto a Moody’s quanto Haddad respondem “sim” à nossa pergunta inicial, mas com uma ressalva: desde que o governo cumpra as metas prometidas.

Os que respondem “não” complementam: é muito difícil, se não impossível, que as metas sejam cumpridas. Uma dessas metas diz que a despesa de um ano só pode crescer 2,5%, reais, em relação ao período anterior. Ocorre que as despesas obrigatórias (aposentadorias, salários, programas sociais, piso de educação e saúde) crescem mais que esses 2,5% — e representam 90% do total. Assim, a despesa obrigatória consumirá cada vez mais o Orçamento, sobrando menos para investimentos e custeio. Inviabiliza o governo.

Outra meta se refere ao déficit público deste ano. A previsão inicial era zero. Agora mudou para 0,25% do PIB, ou cerca de R$ 28 bilhões. E, além disso, várias despesas não entram na contabilidade para fins de avaliação da meta. As regras admitem essa flexibilidade.

Ok, mas no final a despesa cresce mais que as receitas. E como o governo cobre a diferença? Tomando dinheiro emprestado, o que eleva a dívida. E, em tese, piora o risco fiscal — torna mais cara a rolagem da dívida. E tem mais. A turma do “não” considera muito difícil que o governo obtenha as receitas que prevê. Como é mais difícil ainda o corte efetivo de despesas num governo que se apoia no aumento de gastos, resulta que as metas não serão cumpridas.

Ainda nesta semana, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, considerou exagerada a desconfiança do mercado em relação às contas públicas. Mas acrescentou que o governo poderia recuperar confiança se aplicasse um choque fiscal. Não explicou de que se tratava, mas está na cara: um bom e crível programa de corte de gastos.

 

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