O Globo
A despesa obrigatória consumirá cada vez mais
o Orçamento, sobrando menos para investimentos e custeio
Não é propriamente uma questão de fé. Há
muitos números envolvidos neste caso. Mas é, certamente, uma questão de
confiança. A seguinte: você acha que o governo executará as regras do arcabouço
fiscal e alcançará as metas de equilíbrio das contas públicas? Para complicar,
não é um caso de sim ou não. Qualquer resposta vem com uma adversativa, para o
sim, e um complemento, para o não.
O debate esquentou nesta semana quando a
agência de classificação de risco Moody’s, uma das três mais importantes,
elevou a nota de crédito do Brasil. E surpreendeu a maioria dos economistas
brasileiros.
Nota de crédito mede a capacidade de um país pagar sua dívida pública. Não zerar, é claro, pois nenhum governo consegue fazer isso. Mas é preciso ter capacidade de honrar a dívida regularmente, o que significa pagar em dia as prestações e os juros.
Vai daí que o principal critério é a relação
dívida pública/PIB —
ou, mal resumindo, a relação entre os débitos e a produção nacional de bens e
serviços (a geração de riqueza). No final de 2023, a dívida pública brasileira
equivalia a 73% do PIB, nível elevado para países emergentes. Mas todo mundo
acha que essa dívida crescerá nos próximos anos.
O próprio ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, disse em entrevista à CBN, também nesta semana, que espera uma
acomodação da dívida em 80% do PIB ao fim do governo Lula.
Outra agência de classificação de risco, a Fitch, que dá ao Brasil nota pior
que a Moody’s, entende que essa dívida crescerá todos os anos até 2028. Então,
como a Moody’s pode ter elevado a nota brasileira?
Dois motivos principais, segundo a explicação
da própria agência. Primeiro, o Brasil cresce mais do que se esperava. E, se o
PIB é maior, isso reduz a relação dívida/PIB. Segundo, um certo voto de
confiança para a equipe econômica, no sentido de que ela será capaz de levar
todo o governo a cumprir as regras do arcabouço. O próprio Haddad, ao comemorar
a nota melhor, disse algo mais ou menos assim, com licença poética: estão vendo
como é importante o equilíbrio entre receitas e despesas?
Estava falando para a ala política do governo
—incluindo Lula — que considera o gasto público base de toda a prosperidade.
Portanto, tanto a Moody’s quanto Haddad respondem “sim” à nossa pergunta
inicial, mas com uma ressalva: desde que o governo cumpra as metas prometidas.
Os que respondem “não” complementam: é muito
difícil, se não impossível, que as metas sejam cumpridas. Uma dessas metas diz
que a despesa de um ano só pode crescer 2,5%, reais, em relação ao período
anterior. Ocorre que as despesas obrigatórias (aposentadorias, salários,
programas sociais, piso de educação e saúde) crescem mais que esses 2,5% — e
representam 90% do total. Assim, a despesa obrigatória consumirá cada vez mais
o Orçamento, sobrando menos para investimentos e custeio. Inviabiliza o
governo.
Outra meta se refere ao déficit público deste
ano. A previsão inicial era zero. Agora mudou para 0,25% do PIB, ou cerca de R$
28 bilhões. E, além disso, várias despesas não entram na contabilidade para
fins de avaliação da meta. As regras admitem essa flexibilidade.
Ok, mas no final a despesa cresce mais que as
receitas. E como o governo cobre a diferença? Tomando dinheiro emprestado, o
que eleva a dívida. E, em tese, piora o risco fiscal — torna mais cara a
rolagem da dívida. E tem mais. A turma do “não” considera muito difícil que o
governo obtenha as receitas que prevê. Como é mais difícil ainda o corte
efetivo de despesas num governo que se apoia no aumento de gastos, resulta que
as metas não serão cumpridas.
Ainda nesta semana, o presidente do Banco
Central, Roberto
Campos Neto, considerou exagerada a desconfiança do mercado em
relação às contas públicas. Mas acrescentou que o governo poderia recuperar
confiança se aplicasse um choque fiscal. Não explicou de que se tratava, mas
está na cara: um bom e crível programa de corte de gastos.
Um comentário:
Faltou falar sobre a altíssima Selic, e como ela provoca o aumento da dívida e do déficit fiscal, além de inibir investimentos produtivo que ajudariam a sustentar o crescimento.. Não disse também que a inflação está baixa, dentro da meta e que o Brasil tem o maior juro real do mundo e então não se pode justificar este último aumento da Selic - a não ser que o BC esteja querendo aumentar a dívida e o desemprego prejudicando a todos e agradando o mercado financeiro.
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