O Globo
Não parece factível imaginar que o eleitor se convencerá em duas semanas da guinada de Boulos
Saem o sorriso pregado no rosto, os bolos por
todo lado, a avó falando do bom menino, e entra uma fala em tom mais alto, uma
veemência e um tom de voz resgatados dos tempos do movimento por moradia e até
um reconhecimento às razões para a “indignação” dos eleitores de ninguém menos
que Pablo Marçal.
A mudança de figurino de Guilherme Boulos
(PSOL) entre o primeiro e o segundo turno foi tão repentina e tão notável que é
grande o risco de que o eleitor fique confuso sobre qual das versões do
deputado apresentadas ao longo dos últimos anos é a verdadeira. Isso pode ser
fatal para quem tem uma tarefa tão grande pela frente, como mostrou o primeiro
Datafolha da nova fase da disputa, divulgado nesta quinta-feira.
Não se sabe se foi o mesmo time de analistas que convenceu Boulos de que precisaria suavizar sua imagem no primeiro turno que o orientou a fazer tamanha inflexão, ou se houve também troca da guarda no comando da estratégia, mas ela parece se basear em premissas, ou ambições, que a pesquisa não permite confirmar.
A primeira delas, e mais esquisita, é que
seria possível haver migração significativa de votos de Marçal, que perpetrou
as piores e mais sujas de suas vigarices justamente contra Boulos, para o
candidato do PSOL. Como se aquilo que o ex-coach tivesse plantado na disputa
fosse revolta motivada, e não simplesmente rebaixamento do debate e truques
abaixo da linha da cintura.
Sim, é verdade que ele conseguiu atrair a
atenção e o voto de setores específicos do eleitorado, dos empreendedores
individuais aos evangélicos, que a esquerda não agraciou nem no governo Lula
nem nas propostas de Boulos (falei claramente a esse respeito num texto no meu
blog ainda no início de setembro, e se passou um mês sem que houvesse atenção a
esse público).
Mas não parece ser factível imaginar que esse
eleitor se convencerá em duas semanas da guinada de Boulos, que ontem foi a
Brasília apresentar um pacote para motoristas de aplicativos, entregadores e
proprietários de pequenos negócios locais. Por que ninguém pensou antes em
atingir essa fatia tão representativa do eleitorado?
Boulos construiu um discurso para alicerçar
sua pregação no segundo turno, segundo o qual só votará em Ricardo Nunes quem
aprova sua gestão. Mas o que o Datafolha mostra é mais complexo, quase o
oposto: sete a cada dez eleitores que declaram voto em Nunes dizem ter medo de
que venha algo pior. Uma espécie de ceticismo em relação à máxima de Tiririca.
É com essa realidade que o candidato do PSOL deveria trabalhar. Ela tem a ver
com a rejeição a ele que persiste a cada levantamento de intenção de voto e atingiu
alarmantes 58% no último.
Mais eficaz que Boulos tentar, como fez em
entrevista nesta quinta-feira, ver algum mérito numa “proposta” estapafúrdia de
Marçal de construir mil (!) escolas olímpicas seria lembrar o eleitor da
revolução que os CEUs, criação de sua vice, Marta Suplicy, representou para a
educação paulistana, a ponto de ser uma marca que persiste depois de 20 anos e
de uma sucessão de prefeitos de vários partidos e matizes ideológicos.
Boulos tem um flanco a explorar: a fragilidade
de Nunes em debates, evidenciada pela fuga do prefeito dos
confrontos que estavam apalavrados para as três semanas da etapa final da
campanha. Explorar as investigações em andamento sobre transportes e creches e
a realização de obras emergenciais em período eleitoral também pode levar
eleitores, sobretudo da periferia, que chancelaram Nunes ou outros candidatos a
mudar de voto.
Ele tem três em cada dez eleitores que
escolheram Lula em 2022 e foram de Nunes no último dia 6 para atrair, além da
metade dos eleitores de Tabata Amaral que ainda não estão com ele. Elevar a voz
e franzir o cenho para mimetizar uma indignação que em Marçal já era fake, de
olho num eleitor que votou em alguém capaz de forjar um laudo para
prejudicá-lo, não adiantará de nada.
3 comentários:
Muito bom! Políticos são políticos. Inclusive os de Esquerda...
Texto preciso ao retratar o mapa do inferno que se tornou nossa política - ainda assim, indispensável.
Eu prefiro o Boulos paz e amor.
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