quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Não haverá vácuo no espaço de Bolsonaro - Fernando Exman

Valor Econômico

Ao centro e à direita já se desenha um cenário em que várias legendas tentarão disputar os eleitorados antipetista e antissistema

A convocação de Jair Bolsonaro chegou de repente, por volta das 17h, cerca de duas horas e meia antes de seu avião pousar em Brasília. O ex-presidente avisava a jornalistas e parlamentares que falaria com os presentes após desembarcar. “Sugiro que algum assessor seu se faça presente e abra uma ‘live’”, acrescentou aos aliados.

Por dever de ofício, a imprensa profissional se fez presente. Era preciso ouvi-lo sobre as novas revelações da tentativa de golpe de Estado ocorrida em 2022. Os apoiadores eram mais barulhentos do que numerosos.

A cena pode ser usada para embasar a tese de ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que Bolsonaro (PL) rachou o que até então era considerado o seu campo político. Ao atuar contra aliados durante as eleições municipais, dizem interlocutores de Lula, acabou facilitando os futuros planos eleitorais do governo.

O ex-presidente foi a Goiânia para tentar derrotar o candidato do governador Ronaldo Caiado, Sandro Mabel, do União Brasil. Saiu derrotado.

Em Curitiba, emprestou informalmente seu capital político para Cristina Graeml (PMB) contra o candidato do governador Ratinho Junior, Eduardo Pimentel. A dupla do PSD venceu, deixando Bolsonaro para trás também no Paraná.

O mesmo se viu em Campo Grande. Na capital do Mato Grosso do Sul, o PL de Bolsonaro se aliou ao PSDB e implodiu a aliança com o PP que era patrocinada pela senadora Tereza Cristina, ex-ministra da Agricultura em seu governo. Também foi batido.

Em São Paulo, o cenário foi diferente. O ex-presidente indicou o vice de Ricardo Nunes (MDB), o coronel da reserva da Polícia Militar Ricardo Mello Araújo. Mas resistiu o quanto pôde a entrar na campanha à reeleição do emedebista, apesar dos apelos do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Chegou a flertar com a candidatura de Pablo Marçal (PRTB) e, embora esteja inelegível até 2030, só recuou quando percebeu que o plano do influenciador era se projetar para o pleito nacional.

Autoridades influentes do governo argumentam que esse histórico pode ajudar o presidente Lula a atrair pelo menos parte desses partidos, caso sua popularidade decole e a economia acelere.

Mas essa opinião está longe do consenso. O que se vê, na prática, é que esse comportamento facilitou a vida de quem quer se descolar de Bolsonaro para, ao mesmo tempo, bater de frente com Lula em 2026.

Segundo revelou ao Valor o governador de Goiás após o pleito municipal de outubro, as estratégias para a eleição presidencial estão sendo discutidas em reuniões trimestrais na casa do presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), e já se fala que não há como impedir que este ou aquele partido indique um candidato para a disputa. Para a oposição, aliás, é melhor que sejam testados vários nomes e que o mais forte receba o apoio dos demais em um eventual segundo turno.

Por isso hoje, ao centro e à direita, já se desenha um cenário em que várias legendas tentarão disputar os eleitorados antipetista e antissistema, que já foram um dia de Bolsonaro, como acharem mais conveniente. Não é por coincidência, inclusive, que os potenciais candidatos à Presidência da República por União Brasil, PSD e PP sejam justamente Ronaldo Caiado, Ratinho Junior e Tereza Cristina. Tarcísio também é mencionado, caso não dispute a reeleição em São Paulo pelo Republicanos.

A expectativa dessas lideranças é que Bolsonaro insista em manter seu nome na urna pelo maior tempo possível na campanha de 2026 com um de seus filhos como vice. Assim como fez Lula em 2018, isso seria uma forma de tentar defender o seu legado e, também, o espaço político da família.

Barrada a postulação, restaria ao seu grupo avaliar as chances da candidatura presidencial com um dos filhos, passar para o plano de ocupar uma vice ou então concorrer a três vagas no Senado por diferentes unidades da federação: São Paulo com o atual deputado Eduardo Bolsonaro, o Rio de Janeiro por meio da reeleição do senador Flávio Bolsonaro e no Distrito Federal com a estreia nas urnas da ex-primeira-dama Michelle.

No Congresso, vai se consolidando a avaliação de que, ao preço de hoje, uma candidatura moderada tende a apresentar mais chances de vencer o representante da situação, seja ele Lula ou outro petista. E a cada dia, acrescenta-se, diminui o cacife político de Bolsonaro para impor candidaturas nos Estados ou até mesmo para indicar um aliado para a vice em uma chapa competitiva de oposição.

Na segunda-feira, o ex-presidente replicou seu “cercadinho” no aeroporto de Brasília para dar suas versões dos fatos, com a presença de poucos aliados, antes da divulgação do detalhado relatório da Polícia Federal. “Golpe existe em cima de uma autoridade constituída, que já tomou posse. O Lula já tinha tomado posse? Ninguém tinha tomado posse. Só se fosse em cima de mim o golpe”, disse Bolsonaro em dado momento, em um trecho que para muitos ele reconhece ter cogitado executar um “autogolpe”.

Sua situação se deteriorou de forma significativa poucas horas depois, nessa terça-feira (26), com a divulgação do relatório da PF. O documento diz que o ex-presidente planejou, atuou e teve domínio direto e efetivo dos atos realizados pela organização criminosa que visava uma ruptura institucional. Lideranças de centro e direita não saíram em defesa dele mais uma vez.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Perfeito