Valor Econômico
Ao centro e à direita já se desenha um cenário em que várias legendas tentarão disputar os eleitorados antipetista e antissistema
A convocação de Jair Bolsonaro chegou de
repente, por volta das 17h, cerca de duas horas e meia antes de seu avião
pousar em Brasília. O ex-presidente avisava a jornalistas e parlamentares que
falaria com os presentes após desembarcar. “Sugiro que algum assessor seu se
faça presente e abra uma ‘live’”, acrescentou aos aliados.
Por dever de ofício, a imprensa profissional
se fez presente. Era preciso ouvi-lo sobre as novas revelações da tentativa de
golpe de Estado ocorrida em 2022. Os apoiadores eram mais barulhentos do que
numerosos.
A cena pode ser usada para embasar a tese de ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que Bolsonaro (PL) rachou o que até então era considerado o seu campo político. Ao atuar contra aliados durante as eleições municipais, dizem interlocutores de Lula, acabou facilitando os futuros planos eleitorais do governo.
O ex-presidente foi a Goiânia para tentar
derrotar o candidato do governador Ronaldo Caiado, Sandro Mabel, do União
Brasil. Saiu derrotado.
Em Curitiba, emprestou informalmente seu
capital político para Cristina Graeml (PMB) contra o candidato do governador
Ratinho Junior, Eduardo Pimentel. A dupla do PSD venceu, deixando Bolsonaro
para trás também no Paraná.
O mesmo se viu em Campo Grande. Na capital do
Mato Grosso do Sul, o PL de Bolsonaro se aliou ao PSDB e implodiu a aliança com
o PP que era patrocinada pela senadora Tereza Cristina, ex-ministra da
Agricultura em seu governo. Também foi batido.
Em São Paulo, o cenário foi diferente. O
ex-presidente indicou o vice de Ricardo Nunes (MDB), o coronel da reserva da
Polícia Militar Ricardo Mello Araújo. Mas resistiu o quanto pôde a entrar na
campanha à reeleição do emedebista, apesar dos apelos do governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Chegou a flertar com a candidatura
de Pablo Marçal (PRTB) e, embora esteja inelegível até 2030, só recuou quando
percebeu que o plano do influenciador era se projetar para o pleito nacional.
Autoridades influentes do governo argumentam
que esse histórico pode ajudar o presidente Lula a atrair pelo menos parte
desses partidos, caso sua popularidade decole e a economia acelere.
Mas essa opinião está longe do consenso. O
que se vê, na prática, é que esse comportamento facilitou a vida de quem quer
se descolar de Bolsonaro para, ao mesmo tempo, bater de frente com Lula em
2026.
Segundo revelou ao Valor o governador de
Goiás após o pleito municipal de outubro, as estratégias para a eleição
presidencial estão sendo discutidas em reuniões trimestrais na casa do
presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), e já se fala que não há como
impedir que este ou aquele partido indique um candidato para a disputa. Para a
oposição, aliás, é melhor que sejam testados vários nomes e que o mais forte
receba o apoio dos demais em um eventual segundo turno.
Por isso hoje, ao centro e à direita, já se
desenha um cenário em que várias legendas tentarão disputar os eleitorados
antipetista e antissistema, que já foram um dia de Bolsonaro, como acharem mais
conveniente. Não é por coincidência, inclusive, que os potenciais candidatos à
Presidência da República por União Brasil, PSD e PP sejam justamente Ronaldo
Caiado, Ratinho Junior e Tereza Cristina. Tarcísio também é mencionado, caso
não dispute a reeleição em São Paulo pelo Republicanos.
A expectativa dessas lideranças é que
Bolsonaro insista em manter seu nome na urna pelo maior tempo possível na
campanha de 2026 com um de seus filhos como vice. Assim como fez Lula em 2018,
isso seria uma forma de tentar defender o seu legado e, também, o espaço
político da família.
Barrada a postulação, restaria ao seu grupo
avaliar as chances da candidatura presidencial com um dos filhos, passar para o
plano de ocupar uma vice ou então concorrer a três vagas no Senado por
diferentes unidades da federação: São Paulo com o atual deputado Eduardo
Bolsonaro, o Rio de Janeiro por meio da reeleição do senador Flávio Bolsonaro e
no Distrito Federal com a estreia nas urnas da ex-primeira-dama Michelle.
No Congresso, vai se consolidando a avaliação
de que, ao preço de hoje, uma candidatura moderada tende a apresentar mais
chances de vencer o representante da situação, seja ele Lula ou outro petista.
E a cada dia, acrescenta-se, diminui o cacife político de Bolsonaro para impor
candidaturas nos Estados ou até mesmo para indicar um aliado para a vice em uma
chapa competitiva de oposição.
Na segunda-feira, o ex-presidente replicou
seu “cercadinho” no aeroporto de Brasília para dar suas versões dos fatos, com
a presença de poucos aliados, antes da divulgação do detalhado relatório da
Polícia Federal. “Golpe existe em cima de uma autoridade constituída, que já
tomou posse. O Lula já tinha tomado posse? Ninguém tinha tomado posse. Só se
fosse em cima de mim o golpe”, disse Bolsonaro em dado momento, em um trecho
que para muitos ele reconhece ter cogitado executar um “autogolpe”.
Sua situação se deteriorou de forma
significativa poucas horas depois, nessa terça-feira (26), com a divulgação do
relatório da PF. O documento diz que o ex-presidente planejou, atuou e teve
domínio direto e efetivo dos atos realizados pela organização criminosa que
visava uma ruptura institucional. Lideranças de centro e direita não saíram em
defesa dele mais uma vez.
Um comentário:
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