sábado, 16 de novembro de 2024

Um fim para a escala 6x1 – Pablo Ortellado

O Globo

É uma jornada exaustiva e desumana, em que os trabalhadores têm um único dia de descanso

Em setembro do ano passado, o balconista de farmácia Rick Azevedo publicou um vídeo no TikTok desabafando contra a opressiva escala 6 por 1, pela qual o funcionário trabalha seis dias consecutivos para poder descansar um. O vídeo teve enorme repercussão nas mídias sociais e deu origem a um abaixo-assinado, a mobilizações de rua e, mais recentemente, a uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) prestes a ser apresentada na Câmara dos Deputados. A PEC quer reduzir a jornada de trabalho no Brasil. Desde a greve dos entregadores em 2020, conhecida como “breque dos apps”, o país não assistia a uma mobilização tão genuína de trabalhadores exigindo direitos e melhorias nas condições de trabalho.

A demanda pela redução da jornada de 44 horas é antiga, e passou da hora de o Brasil adotá-la. Ela gerará algum inconveniente para as empresas e a economia, mas o benefício para a vida dos trabalhadores é maior que as dificuldades. Estas são passageiras e serão assimiladas em um ano ou dois.

Quase metade da força de trabalho no Brasil adota uma jornada superior a 40 horas, tipicamente trabalhando 7h20 diárias, numa escala de seis por um. É uma jornada exaustiva e desumana, em que os trabalhadores têm um único dia de descanso. A outra metade dos trabalhadores — que dão duro na jornada de 40 horas, na escala 5 x 2 — sabe da importância de descansar sábado e domingo. Uma pesquisa do DataSenado mostrou que 55% dos trabalhadores acreditam que a redução da jornada melhoraria sua saúde mental, e 40% usariam o tempo de descanso para se dedicar à família.

A PEC que deve ser apresentada no Congresso pela deputada Erika Hilton propõe, nominalmente, uma redução drástica da jornada, de 44 para 36 horas semanais. No entanto os proponentes não escondem que o texto ousado é uma provocação e uma estratégia de negociação. A proposta que efetivamente está sobre a mesa é uma diminuição de 44 para 40 horas.

A jornada de 40 horas é uma reivindicação antiga do movimento de trabalhadores. Desde 1935, é recomendada pela Organização Internacional do Trabalho, ligada à ONU. Quase toda a Europa adota jornadas de 40 horas ou ainda menores. Na América Latina, há um movimento de redução. Em 2021, a Colômbia baixou a sua de 48 para 42 horas por semana e, em abril do ano passado, o Chile diminuiu de 45 para 40.

A redução da jornada deve trazer algum transtorno para as empresas e para a economia. O custo da mão de obra subirá um pouco, e essa conta de alguma maneira será repartida, seja por meio de aumento no preço de produtos e serviços, seja com algum benefício governamental, como redução de contribuições. Mas esse aumento nos custos do trabalho, apenas um dos custos de produção, não parece ser tão drástico para causar grande desarranjo no mercado, como aumento significativo da informalidade e da inflação. Estudos sobre o impacto noutros países mostraram acomodação rápida da economia, que deverá ser vista aqui também. Há também efeitos positivos notados nesses países, como a redução do absenteísmo e um pequeno aumento da produtividade e do nível de emprego.

Céticos e críticos da medida têm apontado para a falta de estudos antes da proposta de mudança dessa magnitude na regulação do mercado de trabalho. A mudança, porém, não nasceu de estudos acadêmicos, mas da justa reivindicação dos trabalhadores. Embora estudos sobre os impactos específicos no Brasil sejam mesmo necessários, há bastante literatura internacional mostrando que os impactos econômicos são pequenos e, em alguns casos, positivos. De todo modo, é fundamental reconhecer que, para além da dimensão econômica, trata-se de uma decisão que reflete nossos valores e prioridades como sociedade. A não ser que estudos consistentes apontem um desarranjo significativo na economia, parece-me que a medida merece ser apoiada.

Meu avô Luiz Alves contava, emocionado, quanto sua vida mudou quando, nos anos 1930, uma nova legislação o liberou de trabalhar aos domingos como atendente nas Casas Pernambucanas. Cinquenta anos depois, a Constituição Cidadã de 1988 deu novo passo, reduzindo de 48 para 44 horas a jornada semanal. Está na hora de avançarmos novamente e entregarmos a todos os trabalhadores brasileiros o direito de adotar a escala 5 x 2.


Nenhum comentário: