O Globo
É uma jornada exaustiva e desumana, em que os
trabalhadores têm um único dia de descanso
Em setembro do ano passado, o balconista de
farmácia Rick Azevedo publicou um vídeo no TikTok desabafando contra a
opressiva escala 6 por 1, pela qual o funcionário trabalha seis dias
consecutivos para poder descansar um. O vídeo teve enorme repercussão nas
mídias sociais e deu origem a um abaixo-assinado, a mobilizações de rua e, mais
recentemente, a uma Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) prestes a ser apresentada na Câmara
dos Deputados. A PEC quer reduzir a jornada de trabalho no Brasil. Desde a
greve dos entregadores em 2020, conhecida como “breque dos apps”, o país não
assistia a uma mobilização tão genuína de trabalhadores exigindo direitos e
melhorias nas condições de trabalho.
A demanda pela redução da jornada de 44 horas é antiga, e passou da hora de o Brasil adotá-la. Ela gerará algum inconveniente para as empresas e a economia, mas o benefício para a vida dos trabalhadores é maior que as dificuldades. Estas são passageiras e serão assimiladas em um ano ou dois.
Quase metade da força de trabalho no Brasil
adota uma jornada superior a 40 horas, tipicamente trabalhando 7h20 diárias,
numa escala de seis por um. É uma jornada exaustiva e desumana, em que os
trabalhadores têm um único dia de descanso. A outra metade dos trabalhadores —
que dão duro na jornada de 40 horas, na escala 5 x 2 — sabe da importância de
descansar sábado e domingo. Uma pesquisa do DataSenado mostrou que 55% dos trabalhadores
acreditam que a redução da jornada melhoraria sua saúde mental, e 40% usariam o
tempo de descanso para se dedicar à família.
A PEC que deve ser apresentada no Congresso
pela deputada Erika Hilton propõe, nominalmente, uma redução drástica da
jornada, de 44 para 36 horas semanais. No entanto os proponentes não escondem
que o texto ousado é uma provocação e uma estratégia de negociação. A proposta
que efetivamente está sobre a mesa é uma diminuição de 44 para 40 horas.
A jornada de 40 horas é uma reivindicação
antiga do movimento de trabalhadores. Desde 1935, é recomendada pela Organização Internacional do Trabalho, ligada
à ONU.
Quase toda a Europa adota jornadas de 40 horas ou ainda menores. Na América
Latina, há um movimento de redução. Em 2021, a Colômbia baixou a sua de 48 para
42 horas por semana e, em abril do ano passado, o Chile diminuiu de 45 para 40.
A redução da jornada deve trazer algum
transtorno para as empresas e para a economia. O custo da mão de obra subirá um
pouco, e essa conta de alguma maneira será repartida, seja por meio de aumento
no preço de produtos e serviços, seja com algum benefício governamental, como
redução de contribuições. Mas esse aumento nos custos do trabalho, apenas um
dos custos de produção, não parece ser tão drástico para causar grande
desarranjo no mercado, como aumento significativo da informalidade e da
inflação. Estudos sobre o impacto noutros países mostraram acomodação rápida da
economia, que deverá ser vista aqui também. Há também efeitos positivos notados
nesses países, como a redução do absenteísmo e um pequeno aumento da
produtividade e do nível de emprego.
Céticos e críticos da medida têm apontado
para a falta de estudos antes da proposta de mudança dessa magnitude na
regulação do mercado de trabalho. A mudança, porém, não nasceu de estudos
acadêmicos, mas da justa reivindicação dos trabalhadores. Embora estudos sobre
os impactos específicos no Brasil sejam mesmo necessários, há bastante
literatura internacional mostrando que os impactos econômicos são pequenos e,
em alguns casos, positivos. De todo modo, é fundamental reconhecer que, para
além da dimensão econômica, trata-se de uma decisão que reflete nossos valores
e prioridades como sociedade. A não ser que estudos consistentes apontem um
desarranjo significativo na economia, parece-me que a medida merece ser
apoiada.
Meu avô Luiz Alves contava, emocionado,
quanto sua vida mudou quando, nos anos 1930, uma nova legislação o liberou de
trabalhar aos domingos como atendente nas Casas Pernambucanas. Cinquenta anos
depois, a Constituição Cidadã de 1988 deu novo passo, reduzindo de 48 para 44
horas a jornada semanal. Está na hora de avançarmos novamente e entregarmos a
todos os trabalhadores brasileiros o direito de adotar a escala 5 x 2.
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