O Globo
Rever o comércio exterior, expor mais cadeias
produtivas à competição global, integrar mais o Brasil ao mundo é um projeto a
ser perseguido
O Brasil terá que ter estratégia e repensar a
sua política comercial, industrial e agrícola diante do novo desafio que
representa as ameaças do presidente eleito dos EUA, Donald Trump.
Nossos melhores negociadores terão que entrar em ação, mas será preciso também
buscar novos mercados e adotar nova atitude em relação à integração com o
mundo. A ameaça de Trump é o presente, a perspectiva que se abre, por exemplo,
pelo acordo comercial Mercosul-União
Europeia é uma possibilidade futura. O que há diante de nós é
que nosso segundo maior mercado entrará numa era protecionista e nos ameaça
diretamente.
País tradicionalmente fechado, o Brasil tem tarifas altas e barreiras não tarifárias. No caso dos Estados Unidos, curiosamente, o Brasil mais importa do que exporta. Tem déficit, portanto. Nos últimos anos, o déficit tem caído. No acumulado até novembro, as exportações para os Estados Unidos cresceram 9,3% e as importações aumentaram 6,9%, em relação ao ano anterior. O comércio supera US$ 73 bilhões, mas permanece deficitário para o Brasil em US$ 790 milhões. O menor há mais de uma década.
Nesse ponto estamos. Só que Trump fez duas
ameaças específicas em relação ao Brasil ao longo das últimas semanas, desde
que foi eleito. Primeiro, a de que o Brasil tem tarifas altas e os Estados
Unidos podem responder na mesma moeda, elevando as deles também. Trump ameaçou
também o coletivo dos Brics caso
leve adiante o projeto de desdolarizar o comércio entre membros do grupo.
Seja como for, o lema de Trump, Make America
Great Again significa, na prática, um projeto de fechamento do maior mercado do
mundo. Trump em si representa uma virada ideológica no Partido Republicano,
sempre mais liberal em comércio. No Brasil, correntes ideológicas opostas, que
discordam sobre tudo, acabaram defendendo ou implantando políticas
protecionistas. Basta lembrar que a ditadura militar praticava tarifas
altíssimas e tinha políticas de proteção aos industriais locais e o PT no
poder também adotou políticas parecidas de conteúdo nacional, a mais distorciva
delas foi a dos campeões nacionais. O projeto autárquico, ser autossuficiente
em tudo, sempre foi um sonho para a esquerda e a direita, ainda que
irrealizável.
É hora de uma nova abordagem em comércio
internacional, principalmente em produtos manufaturados, segmento mais
importante no comércio com os Estados Unidos, dado que, para a China, nosso
maior parceiro, o Brasil é fornecedor de commodities.
Se Trump realizar metade das suas ameaças,
ele produzirá inflação nos Estados Unidos, o que será um grande problema para
eles e uma encrenca para o mundo inteiro. Mas, de qualquer maneira,
precisaremos de bons negociadores e de redução de tarifas também. Isso porque o
Brasil é país de tarifas altas, principalmente para produtos industriais. Os
poucos movimentos de abertura comercial foram tardios e incompletos.
O mundo pós-pandemia fortaleceu a ideia de
produzir internamente o que se considere estratégico. Aqui no Brasil, quando
vimos que faltavam máscaras, insumos médicos, vacinas, surgiu uma natural
preocupação de produção local. No mundo inteiro houve passos atrás na
integração das cadeias industriais, que havia espalhado pelo mundo partes da
produção conforme capacidades locais. Mas não houve a “desglobalização” que
muitos previram.
Rever o comércio exterior, expor mais cadeias
produtivas à competição global, integrar mais o Brasil ao mundo, buscar novos
mercados para novos produtos, importar mais para exportar mais, são etapas de
um projeto a ser perseguido. Com Trump na nossa cola, fica ainda mais urgente
essa renovação do pensamento comercial e industrial.
O Brasil tem novo diferencial competitivo no
mundo da descarbonização, porque seus produtos carregam menos emissão de gases
de efeito estufa. Essa vantagem será alavancada se houver o entendimento mais
profundo em todos os setores, especialmente do agronegócio, de que o mais
inteligente é adotar a agenda de combate ao desmatamento, rastreabilidade da
produção e a desvinculação completa entre produção sustentável e aquela ligada
aos crimes ambientais.
Porque estamos no período natalino, eu renovo
as minhas esperanças (quase findas) de que a economia brasileira entenda que a
indústria pode ficar mais robusta na competição e que o agronegócio deve mudar
a agenda da bancada ruralista do Congresso, adotando a verdadeira
sustentabilidade ambiental.
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