quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

A colheita que não veio - Malu Gaspar

O Globo

O horizonte parecia limpo para o governo ao final de 2023. O Congresso tinha aprovado a reforma tributária, e o Brasil recebido um upgrade na classificação da agência de risco S&P. O dólar, em queda, valia R$ 4,86. A Bolsa estava em alta. Os parlamentares aprovaram o Orçamento com valor recorde para emendas.

O Supremo, que ainda não havia tentado dar um freio nessa ousadia, ajudou o Executivo em temas cruciais. Entre outras coisas, manteve o drible na Lei das Estatais para que políticos ocupassem cargos de confiança e abriu uma arbitragem empurrando com a barriga a briga entre União e Eletrobras que poderia desfazer parte do contrato de privatização — mas causar estrago na imagem do governo no mercado.

Com o inquérito da trama golpista caminhando para um desfecho, Bolsonaro parecia encurralado, política e juridicamente. Aliviado, Lula celebrou numa amena confraternização com os comandantes das Forças Armadas.

Na primeira oportunidade, o presidente lançou um bordão que repetiria várias vezes nos meses seguintes. Chamando 2024 de “o ano da colheita”, ele disse: “Vamos colher o que nós plantamos em 2023 e vamos plantar novas coisas para 2024, que vamos colher em 2025”.

O cenário com que se termina 2024, porém, é bem diferente do previsto.

O ajuste fiscal prometido ao longo do ano não veio, os juros voltaram a subir, o dólar passou dos R$ 6, e a Bolsa caiu. A relação dívida/PIB subiu de 74,3% para 78%.

As estatais anunciaram prejuízo recorde, mas, segundo a ministra da Gestão, Esther Dweck, foi só porque têm investido muito. O Supremo tentou conter a farra das emendas — mas, desta vez, o governo se uniu ao Congresso para dar uma rasteira nos ministros e liberar o que fosse possível para aprovar o pacote desidratado de Haddad. Ele, que em 2023 impôs sua agenda, encerra 2024 como um ministro fraco.

O inquérito do golpe avançou com a prisão de oficiais do Exército que, no limite, consideravam sequestrar Alexandre de Moraes e matar Lula e Alckmin. Braga Netto, símbolo do golpismo, está na prisão. E, com tudo isso, os militares escaparam dos poucos cortes que o governo conseguiu aprovar no Congresso.

Bolsonaro continua na berlinda, mas o desempenho da direita nas eleições municipais passou um duro recado ao lulismo: economia crescendo, desemprego caindo e ganhos reais no salário mínimo não são mais suficientes para assegurar a vitória nas urnas.

Para além da polarização ideológica, ficou claro que o governo não sabe dialogar com o novo trabalhador brasileiro, sua aspiração empreendedora e sua lógica anti-Estado. A última tentativa, anunciar uma isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, não passou de miragem que só serviu para causar estresse no mercado.

O último Datafolha mostrou que a aprovação de Lula é semelhante à que Bolsonaro tinha nesta mesma altura de seu governo, em plena pandemia. Ainda assim, Lula disse ao Fantásticoque “tudo o que foi planejado a gente fazer até agora está cumprido. Tudo. Tudo”.

Irritado com uma pergunta sobre o ceticismo do mercado quanto ao pacote fiscal de Haddad e a alta do dólar, chamou as preocupações do mercado de “bobagem” e disse que “ninguém neste país, do mercado, tem mais pontos de habilidade fiscal do que eu”.

Afirmou também que o Brasil não tem problema fiscal, e “a única coisa errada neste país é a taxa de juros estar acima de 12%”. Dias depois, ele mesmo recuou numa live à Bolsonaro na biblioteca do Palácio da Alvorada, garantindo que não intervirá no Banco Central na gestão do presidente nomeado por ele, Gabriel Galípolo.

Era tarde. Como presidente de terceiro mandato, Lula está cansado de saber que, nesse negócio de administrar um país, as expectativas contam muito. Ninguém precisa dizer a ele que o problema no mercado não é propriamente a inflação ou o crescimento do PIB, e sim o temor de que seu governo aumente demais o endividamento e sacrifique as contas públicas em nome de alguma gastança ineficiente.

Claro que a missão hoje é diferente e talvez mais difícil. A herança bolsonarista foi pesada, o país está mais complexo, a extrema direita é forte, o antipetismo também. Mas terminar dessa forma um ano que era para ter sido de fartura surpreende e desanima.

Lula, porém, agora promete que a esperada colheita virá em 2025. Diante do que se viu em 2024, convém manter o pé atrás.

P.S.: Esta colunista entra em férias pelas próximas semanas. Nos encontramos em janeiro, de preferência mais otimistas.

 

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