quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Em busca de ministério eficiente - Merval Pereira

O Globo

Câmara e Senado impõem suas condições para votar os temas importantes para o governo

A reforma ministerial prometida por Lula tem o objetivo de dar ao governo uma eficiência que o país exige, mas não alcançará o objetivo principal, construir uma maioria parlamentar que permita a ele governar com mais tranquilidade. A tarefa de criar uma maioria no Congresso já foi mais fácil e foi ganhando mais complexidade à medida que o Congresso foi ganhando maior autonomia.

As emendas parlamentares, hoje objeto de crises institucionais que envolvem os três Poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário —, já foram instrumentos de negociação política que beneficiavam o governo. Tínhamos um sistema de hiperpresidencialismo em que o Executivo dava as cartas, liberava as emendas a seu bel-prazer, contingenciava valores necessários para equilibrar suas contas.

Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro presidente da redemocratização que usou as emendas como moeda de troca com o Congresso, mas nunca perdeu o controle. Lula, em seus primeiros governos, também usou o presidencialismo de coalizão para tirar votos do Congresso, mas fazia mais favores do que pagava direitos dos partidos políticos. Os parlamentares, por seu lado, não queriam poder além das benesses governamentais.

O regime de coalizão de Lula não tinha nada a ver com questões ideológicas, apesar de ter colocado na Vice-Presidência no primeiro governo o empresário José Alencar, mais para mandar um recado à opinião pública que para os partidos, mais preocupados com o que tirariam do novo governo que com as tendências esquerdistas vitoriosas. Tanto que o acerto de contas para a candidatura de Alencar, do PL, foi fechado não por ele nem por Lula, mas por José Dirceu. Os dois não quiseram ouvir o que se tratava no quarto ao lado da sala em que estavam. Mas sabiam justamente o que era negociado.

À medida que os governos se sucederam, o Congresso foi ganhando mais espaço, seja porque o presidente da República Michel Temer era oriundo da Câmara, que presidiu por vários mandatos, seja porque o presidente Jair Bolsonaro desistiu de negociar para delegar praticamente todo o poder ao presidente da Câmara, Arthur Lira. As mudanças foram acontecendo paulatinamente, até que quase todas as emendas passaram a ser impositivas, a ponto de estarmos vivendo uma crise institucional séria em torno de liberações sem transparência nem destino certo.

A verdade é que o Executivo já não tem as emendas como ponto de negociação, ao contrário. Agora, Câmara e Senado impõem suas condições para votar os temas importantes para o governo. Embora o ministério de coalizão de uma suposta aliança democrática não reflita de maneira nenhuma essa promessa de campanha presidencial, sua formação já não tem o poder de alinhar partidos políticos aos desígnios do governo.

O fato de partidos com ministérios e cargos no governo votarem contra ele em diversas oportunidades já se tornou corriqueiro e não permite nem mesmo que os líderes chamem a atenção de seus aliados. Resta ao governo melhorar sua representação e abrir espaço a aliados que possam retribuir com eficiência a sua confiança.

Se esse ganho de eficácia favorecerá o cotidiano do governo, não será a garantia de votos no plenário do Congresso. Os petistas mais radicais consideram que o governo Lula está mais ao centro do que deveria. Os integrantes de uma desejada aliança democrática julgam-se desconsiderados na formação do governo, já que o PT tem mais da metade dos ministérios e postos importantes. Lula é mais propenso a uma aliança ampliada do que seu partido, mas, como ele é maior que o PT, tem de partir dele a decisão de ampliar sua margem de manobra para reconquistar espaço no Congresso.

 

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