Normalmente, não vemos com bons olhos a incerteza. Preferimos sempre a zona de conforto. No senso comum, incerteza está associada a risco, perigo, ameaça e medo. No entanto, a incerteza tem um lado positivo, ou seja, há uma incerteza produtiva. Nela se sustenta o progresso do conhecimento, pois a incerteza gera dúvidas, que geram perguntas que, por sua vez, nos obrigam a produzir informações. E, com estas, produz-se o conhecimento, seja o científico, seja o do bom senso. Incerteza e conhecimento são os dois elos extremos da cadeia do saber. Quanto maior a incerteza, maior a produção de informações.
Isto não significa que não haja uma incerteza
improdutiva. A técnica da desinformação é um exemplo simples e atual. Para Bill
Gates, ela é o maior desafio do mundo atual, que somente as novas gerações
poderão resolver.
Muitas vezes, a incerteza é associada à
entropia, conceito que possui significados distintos nas diversas disciplinas
científicas. Pode ser interpretada como a transformação da boa energia em má
energia, como se fosse um movimento do superior para o inferior, ao inverso do
processo da vida, que caminha dos seres mais simples para os mais complexos.
Quando há entropia em um determinado sistema físico-químico, as partículas se
movem de forma mais errática, aumentando a incerteza. A desordem cresce com a entropia.
Ou seja, quanto maior a entropia, menor a capacidade de previsão; quanto maior
a incerteza, menor a capacidade de antecipação.
O teste dessa reflexão pode ser feito ao
transportá-la para a atualidade. Como hoje temos muito mais informações do que
antes, a conclusão lógica seria que conhecemos mais o mundo e, portanto,
teríamos menos incertezas. No entanto, ocorre o inverso: as pessoas sentem mais
medo do futuro, pois ele parece mais incerto do que antes. Nunca tivemos tanta
informação sobre o mundo, mas nunca tivemos tantas incertezas. A ciência foi
construída pelos humanos para resolver problemas decorrentes das dúvidas e das incertezas.
Esquece-se, no entanto, que a ciência, ao resolver um problema, cria outros.
Como dizia Bernard Shaw, “a ciência nunca resolve um problema sem criar dez
outros”. Como afirma Morin, a incerteza não pode ser eliminada e cresce com as
sociedades complexas.
Incomodados pela incerteza, os humanos tentam
expulsá-la e criar um mundo onde ela não exista. E o criaram: o mundo da
religião. Lá, encontram-se os dogmas, a certeza, a crença que não pode ser
questionada. Mas essa é uma tarefa vã: a incerteza persiste.
Houve outras tentativas de eliminar as
incertezas. Os empiristas do século XIX, com Auguste Comte, acreditavam que o
aumento das pesquisas e dos estudos sobre a sociedade abriria a possibilidade
de antecipar seus rumos, tornando-a cada vez mais transparente e previsível.
Não obtiveram sucesso. No entanto, o desafio e a busca pelo controle social
persistem. Deleuze anunciava que o maior poder sobre os humanos não é o da
força ou o da persuasão, mas o do controle do desejo. Essa é a quimera que
alimenta e persegue a publicidade.
Os tecnólogos do mundo digital partilham
dessa crença e possuem uma base material para alcançar esse objetivo. Para a
máquina digital que eles criam, o usuário é a incerteza; e quanto mais ele a
usa, menor é a incerteza que a máquina tem sobre ele. Assim, o conhecimento que
a máquina digital tem de seus usuários cresce a cada dia, enquanto a ignorância
desses usuários sobre o funcionamento dessas máquinas digitais permanece
abissal.
No entanto, a assimetria de conhecimento não
ocorre entre a máquina e os indivíduos comuns, mas entre um grupo extremamente
restrito de humanos e o restante da humanidade. De um lado, a elite da elite da
elite – os que comandam as máquinas, aproximadamente 0,001% da humanidade,
cerca de noventa mil pessoas. De outro, os 99,999%, cerca de oito bilhões e
novecentos milhões de pessoas. Essa assimetria reflete a alta desigualdade de
riqueza e poder que divide a humanidade.
Estaríamos, então, criando as condições para
a realização do prognóstico de Deleuze, que prevê o surgimento de um poder que
controla os indivíduos por meio da manipulação de seus desejos? Esse cenário
seria possível apenas em um regime extremamente autoritário, onde não há espaço
para a incerteza. Para tanto, seria necessário criar um mundo religioso, sem
liberdade e sem lugar para a ciência, pois, para a ciência, todo saber é
falível. Isso significaria a negação da modernidade, cujo avanço acelerado amplia
a incerteza. Foi com essa compreensão que Marx proclamou que “tudo se desmancha
no ar”.
Os regimes autoritários não aceitam o valor
da incerteza nem do diálogo, pois só progridem no universo das certezas. A
incerteza pressupõe liberdade para inquirir e duvidar, algo que esses regimes
não suportam. Para a Teoria Matemática da Comunicação, liberdade e incerteza
são premissas essenciais da comunicação. Só a democracia tolera e estimula a
incerteza, valoriza a diferença de opiniões e a dúvida. Por isso, Adam
Przeworski afirmou, em artigo célebre: “Ame a incerteza e serás
democrático”.
Ao contrário do que se imagina, muitas
personalidades autoritárias são previsíveis. Trump é um exemplo. Sua tática de
negociação é conhecida e não muda substancialmente, apenas no tom. Seu discurso
estridente visa alimentar seu eleitorado. Ele grita que quer tudo, ameaça,
apenas para obter uma parte. Sua perversidade tem método, e seus atos são
planejados. O que esconde sua previsibilidade é o fato de ser um indivíduo
midiático, que precisa de barulho e holofotes.
Porém, Trump vai além da figura individual:
ele é a expressão de uma sociedade doente e em declínio. O poder imperial
norte-americano está em queda. Isso não significa que sua economia, tecnologia
e força militar desaparecerão em breve, pois o declínio de impérios é um
processo longo. O risco é que, em situações semelhantes, países recorrem à
guerra para retardar sua falência. Mas Trump, por ora, não pode recorrer a essa
estratégia. Sua atual aposta é o protecionismo econômico, um caminho desgastado
e fadado ao fracasso, como aponta o editorial da Revista Será? de
31 de janeiro.
O objetivo de Trump de restaurar o poder
imperial dos Estados Unidos é inalcançável. Sua verdadeira meta é retardar seu
declínio. A ascensão da China, dos BRICS e de outras potências emergentes
inviabilizou a hegemonia norte-americana. O “fim da história”, previsto por
Fukuyama, revelou-se um relâmpago.
Mas há algo que Trump não sabe: o
imprevisível (a incerteza) o espreita. Não custa esperar.
*Sociólogo, doutor em sociologia, professor
associado II da Universidade de Brasília, ex- diretor do Centro de
Desenvolvimento Sustentável/UnB (2007/2011).
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