O Estado de S. Paulo
Ao adotar o E30, o País reconfigura o debate energético e transforma o combustível do carro em vetor de política pública, inovação, saúde, comércio exterior e soberania energética
A realização da COP30 em Belém será mais do
que um marco ambiental para o Brasil. Trata-se de uma rara oportunidade
geopolítica: apresentar ao mundo uma matriz de transporte já amplamente
descarbonizada e com potencial para liderar a transição energética. Hora de
estufar o peito frente a diversos que falam demais e fazem de menos.
Num país onde a descontinuidade das políticas é a marca mais geral, a adoção do E30, nova mistura com 30% de etanol na gasolina, é um salto que reforça o protagonismo brasileiro na transição energética, mas vem na esteira de uma série de ações. A base agroindustrial consolidada em torno da cana-de-açúcar, com capacidade de liderar a próxima fase da economia verde, foi construída por décadas de políticas públicas consistentes, como o Proálcool, os incentivos aos carros flex e o RenovaBio. Criado em 2017, o programa estabeleceu metas anuais de descarbonização e criou os Créditos de Descarbonização (CBios), que remuneram produtores conforme sua eficiência ambiental.
O lançamento do Proálcool proporcionou o uso
crescente desse biocombustível, reduzindo a dependência externa e gerando uma
economia de US$ 213 bilhões na balança energética. Os efeitos ambientais foram
fantásticos. Apenas nos últimos cinco anos, evitou-se a emissão de 453 milhões
de toneladas de CO2 equivalente, segundo a EPE, reforçando o papel estratégico
do etanol frente às mudanças climáticas.
A decisão do Conselho Nacional de Política
Energética (CNPE), com respaldo técnico e apoio da indústria, terá efeito
prático imediato nas bombas de combustível. O aumento de 3 pontos porcentuais
na mistura evita, por dia, a emissão de poluentes que equivalem à retirada de
cerca de 720 mil carros movidos a gasolina das ruas. Esse efeito é especialmente
relevante nas grandes cidades, onde os impactos sobre a saúde pública são
imediatos. Nunca é demais lembrar que políticas energéticas também salvam vidas
e reduzem desigualdades.
O custo das doenças respiratórias associadas
à poluição veicular é altíssimo para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para as
famílias mais vulneráveis. Estudos da USP e da Fiocruz já mostraram que a
substituição da gasolina por etanol reduz significativamente a concentração de
material particulado e poluentes cancerígenos nas grandes cidades. Pesquisas
indicam que essa troca pode diminuir em até 30% as internações por doenças
respiratórias, especialmente entre crianças, idosos e populações mais expostas
à má qualidade do ar. Etanol é também política de saúde pública.
Além dos benefícios ambientais e de saúde, o
E30 já mostra efeitos econômicos concretos. O aumento da mistura tem impacto
direto na inflação: em julho, por exemplo, a gasolina caiu 1,13%, puxando para
baixo o IPCA. A produção nacional de etanol reduz custos, mitiga choques
externos e ajuda a manter a estabilidade de preços – sobretudo em tempos de
volatilidade internacional.
Há um ganho estratégico adicional: o E30
poderá eliminar totalmente a necessidade de importação de gasolina. A
substituição de derivados fósseis importados por etanol nacional fortalece
nossa balança comercial, reduz a vulnerabilidade externa e protege as reservas
cambiais. Em outras palavras, trocamos gasolina importada por biocombustível
tropical, gerando empregos, distribuindo renda e ancorando a economia em
cadeias produtivas locais.
No cenário internacional, enquanto a Europa e
os EUA ainda enfrentam desafios para massificar o carro elétrico, o Brasil
apresenta uma solução tropical, já em escala, baseada em biocombustíveis
líquidos de alta octanagem e baixo carbono. O País poderá ser, como alguns
analistas sugerem, a “Arábia Saudita dos combustíveis renováveis”.
Esse avanço só será sustentável com
instrumentos financeiros adequados para viabilizar investimentos. Nesse
sentido, o apoio de mecanismos como o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND) e
o Fundo de Aval para Descarbonização (FAD) será decisivo para estruturar
projetos de infraestrutura verde, inclusive para expandir a capacidade
produtiva do etanol e adaptar a frota automotiva ao novo padrão.
A ampliação do uso de etanol fortalece a
soberania energética do Brasil. Ao reduzir a dependência externa e estimular a
produção nacional, baseada em fontes renováveis, o País aumenta sua resiliência
diante de choques geopolíticos e disfunções do mercado internacional de
petróleo. Combustíveis limpos e acessíveis, produzidos com tecnologia tropical,
ajudam a preservar a autonomia nacional e colocam o Brasil em posição
privilegiada no novo mapa energético global.
A COP-30 será o palco ideal para apresentar esse
modelo ao mundo: acessível, viável e tropical. Ao adotar o E30, o País
reconfigura o debate energético e transforma o combustível do carro em vetor de
política pública, inovação, saúde, comércio exterior e soberania energética.
Construir um país é dar consequência de longo
prazo às políticas públicas. É buscar a liderança pelas ideias e ações.
Certamente é bem diferente da submissão de estender uma bandeira americana na
Avenida Paulista.
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