O Estado de S. Paulo
Voto no julgamento de Bolsonaro expõe a questão de legitimidade da Corte
Não se pode cometer crimes para combater
crimes. Com essa famosa frase justificou-se no Supremo a anulação da Lava Jato.
Os ecos dessa mesma frase voltaram para assombrar o mesmo Supremo.
Vieram pela boca do ministro Luiz Fux, no julgamento de Bolsonaro que, segundo ele, nem sequer deveria ser matéria para o Supremo. Em outras palavras, o julgamento tem um vício de origem que já está sendo amplamente explorado pelos réus e seus movimentos políticos.
Fux fez mais do que estragar uma festa da “lição de democracia” pelo julgamento de Bolsonaro. Arrebentou a imagem da própria instituição com a afirmação de que “papel do julgador não pode ser confundido com ator político”.
O problema na divergência aberta por ele na
Primeira Turma não é apenas a meritória discussão jurídica sobre provas,
cerceamento ou não da defesa, normas internas do STF (no caso de turma ou
plenário) e entendimento de foro privilegiado. Involuntariamente ou não, o que
Fux levantou foi o papel político que o STF assumiu.
Ele expôs uma rachadura perigosa para a
instituição, que já teve embates violentos entre seus integrantes (por exemplo,
no mensalão). A diferença fundamental em relação ao episódio de 20 anos atrás é
o fato de o STF ser visto hoje por parcela substancial da sociedade como parte
do embate político, não como instituição que apenas cumpre seu papel
constitucional.
A rachadura é séria, pois não se registrou
nada parecido quando o Supremo assumiu, na prática, o papel de “ministro da
Saúde” informal durante o governo Bolsonaro, por exemplo. Ou quando seus
integrantes, por meio de conversas coordenadas, se mobilizaram para colocar
freios institucionais no próprio Bolsonaro.
O “pecado original” desta vez não está apenas
na gradativa transformação do STF em mais uma instância da política brasileira.
Refletindo o que ocorre em outros setores, também a Corte perdeu figuras de
projeção e liderança – ou as que ainda existem internamente perderam a
capacidade de “dirigir” informalmente a conduta do conjunto.
Perdeu-se o controle sobre um de seus
principais integrantes, o ministro Alexandre de Moraes, cuja conduta já vinha
causando sensível irritação entre alguns dos colegas. Isso viria à tona mais
cedo ou mais tarde, mas explodiu com virulência num momento de circunstâncias
particularmente difíceis.
Elas são a brutal pressão política da Casa Branca sobre o Brasil, exatamente pela atuação do STF, e a articulação de anistia que é uma afronta declarada à própria Corte. A questão de legitimidade do STF é o problema que o voto de Fux levantou.
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