segunda-feira, 9 de maio de 2016

Opinião do dia – Gilmar Mendes

• A Procuradoria-Geral da República ofereceu uma denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O sr. acredita que ele está à frente do esquema investigado pela Lava Jato?

No mensalão, o procurador-geral da República Antônio Fernando optou por não denunciar o ex-presidente Lula, que ficou um pouco como um sujeito oculto. Agora, a questão se colocou de novo e, em função da evolução das investigações, ficou extremamente difícil dizer que um sistema tão complexo como esse se engendrou por geração espontânea. A impressão que eu fiquei é que isso foi uma definição de política governamental, um modo de governança, emanada de quem tem competência para estabelecer diretrizes. Hoje há um certo consenso sobre isso, é difícil fazer uma análise desse quadro sem chegar a essa conclusão
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Gilmar Mendes é ministro do Supremo Tribunal Federal(STF) e novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entrevista à O Estado de S. Paulo, 8/5/2016

‘Esqueletos’ deixados pelo governo Dilma podem passar de R$ 250 bilhões

• Eventual governo Temer vai herdar uma conta ‘oculta’ que inclui possíveis capitalizações de estatais, perdas na negociação da dívida dos Estados e em fundos públicos; estimativas menos conservadoras apontam que buraco chegaria a R$ 600 bi

Alexa Salomão - O Estado de S. Paulo

Já se sabe que um eventual governo de transição terá de administrar um déficit monumental para ajustar o orçamento público. O buraco pode ir a R$ 360 bilhões.

Quem acompanha o funcionamento da máquina pública, porém, lembra que há outra conta, essa oculta, mas igualmente expressiva, de “esqueletos” que podem ser herdados da gestão de Dilma Rousseff. Como se tratam de gastos desconhecidos até que sejam devidamente contabilizados, vivem no terreno das estimativas.

Numa projeção conservadora, feita por especialistas de diferentes áreas, a pedido do Estado, a conta pode passar de R$ 250 bilhões. Mas há quem diga que pode ser ainda maior. Em relatório, a agência de classificação de risco Moody’s estimou que, no pior cenário, a conta vai a R$ 600 bilhões.

O que popularmente se chama de esqueleto, na literatura econômica é chamado de gasto contingente: despesa excepcional gerada por derrapadas na gestão da política econômica que fica escondida até que exploda ou que alguém jogue luz sobre ela.

Para os especialistas em contas públicas, essa despesa tende a proliferar. “Tem uma coisa que precisa ficar clara: a dinâmica do gasto social, do gasto com previdência, do gasto com pessoal, tudo isso, é muito previsível. Não há surpresa. A gente conhece e não deixou esqueletos. Mas a política setorial deixou”, diz o economistas Mansueto Almeida, especialista em contas públicas.

As estimativas de gastos extras feitas a pedido da reportagem incluem eventuais capitalizações que o Tesouro tenha de fazer nas estatais Petrobrás, Eletrobrás e Caixa Econômica Federal, a negociação das dívidas dos Estados, que vão gerar perdas para a União, o risco de inadimplência com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), e a manutenção do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Estimativas. A agência de risco Moody’s dedicou um relatório inteiro à discussão dos passivos contingentes no Brasil observando apenas os grandes desembolsos que podem vir pela frente. Pelas suas estimativas, ao longo dos próximos três anos, os gastos extraordinários podem variar entre 5% e 10% do PIB, o Produto Interno Bruto: algo entre R$ 295 bilhões e R$ 590 bilhões. Como esse tipo de gastos afeta o fôlego financeiro da União, a Moody’s estimou que os gastos levariam a dívida – hoje perto de 70% do PIB – para 90% do PIB em 2018.

A agência avaliou que há possibilidade de o governo socorrer tanto a Petrobrás quanto a Eletrobrás, porque ambas estão sob pressão financeira (leia mais abaixo).

Entre 2016 e 2018, apenas a Petrobrás demandaria cerca de R$ 300 bilhões – mais de R$ 100 bilhões apenas para pagar dívidas.

A agência analisou também a saúde dos bancos públicos: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Considerou que a Caixa é a instituição mais sensível a um eventual socorro (leia abaixo). Hoje, a Moody’s não vê risco no segmento, mas, se houver deterioração e estresse das instituições, o passivo contingente tende a explodir, indo a R$ 600 bilhões.

A agência considerou também o custo da renegociação da dívida dos Estados. Apesar de tecnicamente não serem enquadrados como passivos contingentes, no sentido mais clássico do conceito, as dívidas estaduais vão gerar uma conta extra para o governo federal que vai impactar a formação de superávit e pesar sobre a dívida.

Neste momento é muito difícil prever o tamanho da conta dos Estados. Pedro Jucá Maciel, assessor parlamentar de Assuntos Econômicos no Senado, lembra que ela pode ir a R$ 402 bilhões se o Supremo Tribunal Federal aceitar a tese de que é preciso trocar o indexador da dívida de juro composto para juros simples. O julgamento está suspenso até junho.

A secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla Costa, lembra que nesse meio tempo a União já está perdendo. Os Estados que ganharam liminares vem reduzindo os pagamentos à União. Apenas em abril o governo não recebeu R$ 2,6 bilhões. “Se prevalecer o que consta no Projeto de Lei Complementar que trata do tema (e inclui alongamentos para pagar a União e o BNDES, mais desconto temporário), o caixa federal deixaria de receber R$ 51 bilhões entre 2016 a 2018”, diz ela .

A situação econômica do País é tão crítica, que os economistas têm dificuldade de bater o martelo até para qual será o tamanho do buraco nas contas conhecidas. O economista Samuel Pessôa lembra que para cobrir o déficit do ano passado e fazer um superávit, para que a dívida fique estável, seriam necessários R$ 360 bilhões.

“Mas alguns colegas dizem que se fosse descontada a piora do cenário, bastariam R$ 150 bilhões.”

Temer cogita usar TV para fazer defesa da Lava Jato

• Após o provável afastamento de Dilma, peemedebista estuda fazer pronunciamento em rede nacional para assegurar autonomia das investigações sobre esquemas de corrupção

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

Mesmo com o avanço das investigações da Lava Jato sobre dirigentes peemedebistas, o vice-presidente Michel Temer cogita fazer seu primeiro pronunciamento à Nação como presidente, após o Senado decidir sobre o provável afastamento da presidente Dilma Rousseff, garantindo a “blindagem” da operação contra eventuais pressões políticas.

A intenção de Temer, segundo interlocutores com quem o vice tem conversado nos últimos dias, é tratar a Lava Jato não só como a maior ação de combate à corrupção no País, mas como um “patrimônio nacional” que precisa ser preservado e ter autonomia para prosseguir com suas apurações. O objetivo com o gesto é tentar manter uma base de sustentação popular à sua gestão.

Temer discutiu ontem, em São Paulo, com o publicitário do PMDB, Elsinho Mouco, a convocação de uma rede de rádio e TV para se apresentar para o País. Uma das ideias em discussão é que ele, tão logo assuma, faça o pronunciamento de quatro minutos no qual incluirá o compromisso do novo governo com a continuidade da Lava Jato.

Após a conversa com o publicitário, Temer retornou a Brasília no fim da tarde, para uma série de reuniões com o núcleo de colaboradores que formará a base de seu governo. O primeiro a chegar ao Palácio do Jaburu, nove minutos depois do anfitrião, foi Henrique Meirelles, que vai assumir o Ministério da Fazenda no provável governo peemedebista. Depois vieram Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo), Romero Jucá (Planejamento) e Moreira Franco (ações de infraestrutura).

Justiça. Sob o risco de iniciar a gestão com o Ministério incompleto, Temer deverá optar pelo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, para o Ministério da Justiça, cargo considerado chave de um governo que terá de acompanhar com lupa os desdobramentos das ações judiciais que investigam corrupção em órgãos públicos. Moraes é o quarto nome da lista de opções para o cargo – os “notáveis” ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto e Carlos Velloso declinaram de sondagens e, depois, a opção por Antonio Claudio Mariz de Oliveira acabou sendo descartada.

Moraes já foi advogado do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas entraria no governo como indicação da ala do PSDB ligada ao governador paulista, Geraldo Alckmin. O vice tem demonstrado preocupação com os desdobramentos da operação sobre a imagem de seu eventual governo. Dias atrás, ele tratou com um interlocutor frequente sobre o andamento das investigações da Lava Jato referentes ao presidente em exercício do PMDB, senador Romero Jucá, seu provável ministro do Planejamento. Mas, por ora, ele tem dado mostras de que bancará a ida dele para o governo. Na semana passada, em entrevista ao Jornal Nacional da TV Globo, Temer disse que não via “fator impeditivo” para nomear políticos envolvidos na operação. O próprio Temer já foi citado por delatores, mas não é alvo de nenhum inquérito.

No domingo o Estado revelou que a força-tarefa da operação trabalha para ampliar provas de repasses a políticos do PMDB a partir de dados de contas e empresas offshore de operadores de propinas. Estão na mira dessa linha de apuração Jucá, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e Cunha.

Pilares. A interlocutores, Temer tem dito que os ministérios da Fazenda – em razão da recessão econômica, do aumento do desemprego e da grave crise fiscal – e da Justiça – cuja Polícia Federal, responsável pela Lava Jato, está subordinada – serão dois dos pilares da sua gestão. Sua intenção é convencer a opinião pública de que vai garantir autonomia para a Polícia Federal prosseguir em suas investigações, ainda que eventualmente atinja correligionários.

A desconfiança em relação às ações anticorrupção em um eventual governo do peemedebista tem sido alvo de reclamações de que, uma vez no Planalto, ele trabalhará para abafar a Operação Lava Jato.

Há duas semanas, o vice desistiu de escolher o amigo Antônio Claudio Mariz de Oliveira para o comando do Ministério da Justiça, após o criminalista ter feito críticas ao instituto das delações premiadas, base das investigações da Lava Jato. No ano passado, Mariz, que advogou para Temer quando ele foi citado na Lava Jato, já havia subscrito um manifesto crítico aos métodos da operação.

Saúde. O blog da coluna Direto da Fonte, de Sonia Racy, informou que um grupo de médicos se reuniu neste domingo, 8, em São Paulo e avalizaram a indicação do deputado Ricardo Barros , do PP do Paraná, para o Ministério da Saúde. O nome de Barros já teria o ok de Temer. / Colaborou Valmar Hupsel Filho

Temer ainda não tem equipe para assumir governo

• Só ministros da área econômica e do Palácio devem ser anunciados

Maior dificuldade do vice é atender todas as demandas de partidos aliados e do próprio PMDB numa eventual gestão

A apenas dois dias da decisão do Senado sobre o afastamento da presidente Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer enfrenta dificuldades para montar um eventual Ministério e, segundo relatos de aliados, a tendência é que, caso assuma, ele anuncie apenas alguns nomes na economia e no Palácio do Planalto. As demandas dos partidos, inclusive do PMDB, já o fizeram desistir da meta de reduzir o número de ministérios de 32 para cerca de 20. Ele chegou a afirmar, em entrevista, que cortaria apenas três ministérios. Nos últimos dias, porém, uma configuração intermediária, com cerca de 25 pastas, entrou em discussão.

Negociação emperrada

• Com problemas para atender a todos, Temer tende a anunciar, no início, só alguns ministros

Júnia Gama e Fernanda Krakovics - O Globo

-BRASÍLIA- As dificuldades do vice-presidente Michel Temer para formar um eventual Ministério são tamanhas que a tendência, segundo relatos de aliados, é que ele anuncie apenas os nomes que comporão o núcleo duro de seu governo, na economia e no Palácio do Planalto, caso eventualmente assuma o governo se o Senado aprovar o afastamento da presidente Dilma Rousseff nesta semana. A sessão que analisará a saída temporária da petista por até 180 dias começa na próxima quarta-feira.

Desde a aprovação do processo de impeachment na Câmara, em 17 de abril, o peemedebista tem negociado com partidos a escolha de ministros, e as demandas já o fizeram desistir da meta de reduzir o número de ministérios de 32 para cerca de 20. Ele chegou a afirmar, em entrevista, que cortaria apenas três ministérios. Nos últimos dias, porém, o vice estaria tentando montar, junto a seus auxiliares, uma configuração intermediária, com cerca de 25 pastas.

Aliados pressionam por mais espaço
Segundo relatos de aliados, o movimento surgiu da avaliação de que a manutenção de quase todos os ministérios, após ter anunciado que haveria um enxugamento, pegou muito mal politicamente, e demonstraria falta de firmeza do vice em suas decisões. Pesa contra uma redução maior a imensa dificuldade para acomodar as demandas de todos os partidos que devem fazer parte de sua base no Congresso. Alguns não se contentam com a perda de espaços que atualmente ocupam no governo Dilma, e outros querem se ver mais representados de forma direta no hipotético novo governo.

Se a tendência se confirmar, Temer deve anunciar no início de um eventual governo o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda; o senador Romero Jucá (PMDB-RR) no Planejamento; Eliseu Padilha na Casa Civil; Geddel Vieira Lima na Secretaria de Governo; e Moreira Franco em uma secretaria especial ligada à Presidência para tratar de privatizações. Caso adote essa solução, o vice corre o risco de ter que manter ministros de Dilma. Temer tem dito que pouco até o momento foi definido e que há muita especulação sobre o Ministério.

Dificuldades com o próprio PMDB
Por enquanto, Temer está “maturando” a percepção de que é preciso fazer uma redução no número de vagas, de acordo com seus interlocutores. Na sua própria legenda, há um xadrez delicado, e ele encontra dificuldades para agradar a todos. A bancada de deputados do PMDB contava com três ministérios: Desenvolvimento Social para Osmar Terra (RS); Esporte para Leonardo Picciani (RJ); e Aviação Civil para José Priante (PA). Mas, ontem, aliados do vice afirmaram que ele estaria retomando a ideia de incorporar a Aviação Civil ao Ministério dos Transportes, já prometido a Maurício Quintella (PR-AL). Ao saber da possibilidade de recuo, peemedebistas se queixaram:

— O problema não é enxugar Ministério, e, sim, a pressão do PR para ficar com Aviação Civil. Se a bancada não ficar com essas 3 pastas, vai ter chiadeira — disse um deputado do PMDB.

Na noite de ontem, o vice recebeu em sua residência oficial Henrique Meirelles, Jucá, Padilha, Moreira e Geddel. Nessa reunião, a solução estudada para reduzir o tamanho do Ministério era tirar vagas de notáveis no primeiro escalão para atender os partidos aliados. Um exemplo disso é a escolha do deputado Ricardo Barros (PP-PR) para a Saúde. Temer desejava ter o médico Raul Cutait no cargo, mas o PP resistia.

Segundo auxiliares, nessa reunião Meirelles falou sobre as diretrizes da política econômica que deseja implementar e estabeleceu que, provavelmente, haverá apenas a divulgação das linhas gerais para a condução da política econômica, sem o anúncio de medidas específicas, nos primeiros dias após o eventual afastamento de Dilma.

A principal preocupação de Temer com relação ao futuro próximo é com a economia, hoje marcada por recessão, desemprego e falta de confiança no Brasil. A prioridade de Meirelles é sinalizar ao mercado que o novo governo estará comprometido com ajuste fiscal gradual, que permita colocar a dívida pública em trajetória de queda. O ex-presidente do BC já indicou que esse processo será lento, diante dos sucessivos rombos nas contas públicas.

Também caberá a Meirelles decidir quem assumirá o BC no lugar de Alexandre Tombini. A equipe atual do BC deve ser mantida pelo menos até a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Os nomes mais cotados para integrar a diretoria do banco são os do ex-diretores da instituição Afonso Bevilaqua, Ilan Goldfjn e Mário Mesquita.

Na noite de sábado, Temer recebeu o senador José Serra (PSDB-SP) em SP, para conversar sobre a participação dele no Ministério. Havia acordo para Serra se tornar ministro de Relações Exteriores numa pasta turbinada por comércio exterior. Mas o desenho foi rejeitado pelo setor produtivo. Segundo relatos, Serra teria demonstrado insatisfação com isso e sinalizado preferir então o Desenvolvimento. A conversa sábado, segundo auxiliares de Temer, foi para reafirmar o convite ao tucano para o Itamaraty.

Além de Serra, Bruno Araújo (PSDB-PE) também deve integrar a cota do PSDB no Ministério de Temer, com a pasta de Cidades. Outro nome que passou a ser cogitado foi o do senador Tasso Jereissati (CE) para o Desenvolvimento.


Partidos de oposição devem controlar R$ 118 bi

• Temer negocia com siglas pastas como Educação, Cidades e Desenvolvimento

Júnia Gama e Carolina Brígido - O Globo

-BRASÍLIA- Há mais de 13 anos alijados do poder na esfera federal, os partidos de oposição devem ser incorporados ao governo Temer nos próximos dias caso o Senado decida, nesta quarta-feira, afastar a presidente Dilma Rousseff. As negociações para a formação do hipotético Ministério ainda não estão concluídas, mas, a princípio, os oposicionistas devem comandar quatro pastas com orçamento parrudo que, somadas, controlam R$ 118 bilhões para serem gastos este ano.

A que tem maior orçamento e é, portanto, uma das mais cobiçadas, é o Ministério da Educação, com R$ 99,78 bilhões para serem gastos ao longo de 2016. A pasta deverá ser entregue ao deputado Mendonça Filho (DEM-PE), contemplando um dos partidos que mais trabalharam pelo impeachment de Dilma no Congresso.

Em seguida, vem Cidades, com R$ 12,83 bilhões. A pasta deve ficar sob controle do PSDB, com o deputado Bruno Araújo (PE). Além de ter orçamento elevado, a capilaridade desse ministério, responsável por obras de infraestrutura em estados e municípios, e por programas como o Minha Casa Minha Vida, faz dele um dos mais atraentes da Esplanada.

Cultura deve ir para Roberto Freire
Em 3º lugar no quesito “dinheiro no bolso” para a oposição está o Ministério das Relações Exteriores, que tem R$ 2,98 bilhões nos cofres. A pasta também deve ficar sob comando do PSDB, com o senador José Serra (SP). Além de promover a participação nas negociações de comércio exterior, o ministério pode trazer grande prestígio a quem o controla, já que possibilita a interlocução com representantes de diversos países nos eventos internacionais.

O Ministério da Cultura é o quarto em orçamento para a oposição, com R$ 2,35 bilhões. A pasta deve ficar com o deputado Roberto Freire (PPS-PE), que também é presidente do partido. Um dos atrativos desse ministério é o de decidir quais serão os projetos beneficiados pela Lei Rouanet.

No rol das negociações menos avançadas, há ainda a possibilidade de o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que tem R$ 3 bilhões de orçamento, ser entregue ao senador Tasso Jereissati (CE). Fora os ministérios, outros dois órgãos podem ficar sob o comando de pessoas filiadas ao PSDB: a Advocacia-Geral da União, com R$ 3 bilhões, que pode ficar com Alexandre de Moraes, secretário estadual de Segurança Pública de São Paulo; e a Controladoria-Geral da União, com orçamento mais minguado, de R$ 880 milhões, que pode ser dado à ex-ministra do Supremo Ellen Gracie.

PT desiste de alianças com o PMDB nas capitais

Divórcio nas eleições municipais é resultado do apoio dos peemedebistas ao impeachment de Dilma

Sérgio Roxo - O Globo

-SÃO PAULO- As cicatrizes da batalha do impeachment vão provocar o afastamento do PT e do PMDB nas eleições municipais deste ano. As duas legendas, que há quatro anos estiveram juntas em oito capitais, agora só discutem aliança em uma: Aracaju. A guerra aberta por causa do processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff elevará ainda os confrontos diretos entre os dois partidos nas urnas, que podem saltar de oito em 2012 para até 18 este ano.

Negociações para petistas apoiarem candidatos do PMDB que estavam em discussão ou até já sacramentados, como no Rio, foram enterradas pelo voto de deputados peemedebistas no último dia 17, quando a Câmara aprovou o impeachment. Dos 11 parlamentares do partido do vicepresidente Michel Temer no Rio, nove foram favoráveis ao afastamento da presidente, entre eles o pré-candidato a prefeito da capital, Pedro Paulo.

Como reação, o PT anunciou o rompimento da aliança para a eleição deste ano e a entrega dos cargos no governo do prefeito Eduardo Paes (PMDB). A legenda de Dilma tem o viceprefeito Adilson Pires. Os petistas falam agora em apoiar a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) ou o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL).

Em Belo Horizonte, vinham ganhando força no início deste ano as negociações para o PT entrar na chapa de um candidato do PMDB. Mas na votação da Câmara no dia 17, os seis deputados federais do PMDB mineiro, inclusive os dois pré-candidatos a prefeito da capital — Leonardo Quintão e Rodrigo Pacheco —, se posicionaram a favor do impeachment. Por causa disso, o PT retomou os planos de ter uma candidatura própria.

Alianças incertas em Aracaju
Em 2012, o PMDB apoiou quatro candidatos do PT a prefeito de capitais (em Belo Horizonte, Cuiabá, Goiânia e São Luís) e recebeu o apoio dos petistas em uma dessas cidades (Rio) — em outras três capitais (Aracaju, Maceió e Manaus), os dois partidos integraram juntos chapas encabeçadas por outras legendas. Neste ano, não há nenhuma negociação avançada para os peemedebistas apoiarem candidatos petistas em capitais, embora o PT do Amazonas alimente a esperança de contar com a sigla de Michel Temer no palanque do pré-candidato a prefeito de Manaus, José Ricardo.

Por outro lado, o PT só cogita apoiar um peemedebista, Zezinho Sobral, em Aracaju. Os petistas são aliados do governador de Sergipe, Jackson Barreto (PMDB). A posição, porém, não é consenso e uma ala do partido no estado defende o apoio a Edvaldo Nogueira, do PCdoB, na capital sergipana.

‘Se há governo, estou a favor’, afirma Paes

• Prefeito do Rio pretende repetir com Temer as parcerias que fez nas gestões do PT: ‘Papel de prefeito é dialogar’

Alfredo Mergulhão - O Estado de S. Paulo

RIO - Um dos mais antigos aliados do governo federal, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), anunciou neste domingo, 8, seu apoio a uma eventual administração do vice-presidente, Michel Temer, no caso de confirmação, pelo Senado, do afastamento da presidente Dilma Rousseff do cargo. “Se há governo, estou a favor”, afirmou, em visita ao Hospital da Mulher Mariska Ribeiro, em Bangu, na zona oeste da capital fluminense.

Ele sustentou que repetirá com uma eventual administração conduzida por Temer, também peemedebista, as mesmas parcerias firmadas com as administrações do PT. “O prefeito não faz oposição a governo nenhum. Não é papel de prefeito fazer oposição, só de deputado. Existe aquela famosa frase: ‘Se há governo, sou contra’.

Na minha frase é: ‘Se há governo, estou a favor’”, afirmou o prefeito peemedebista.
Paes lembrou que a prefeitura do Rio foi “usada como trincheira de brigas políticas” ao longo da história, o que trouxe prejuízos aos cariocas. “Nosso papel é esse, dialogar. A população não merece sofrer pelas brigas políticas. Isso é jogo do Congresso. Fico distante desse conflitos e busco lidar bem com todos aqueles que estão governando”, afirmou. O prefeito se aproximou do PT no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010). Foi quando se tornou amigo do presidente a quem se opusera, em seu primeiro mandato, durante a CPI dos Correios, que investigou o mensalão.

As declarações de Paes ontem se deram em meio a um quadro de fragilidade política, ligado às incertezas com os Jogos Olímpicos do Rio, em agosto. Quando se mobilizou para trazer a Olimpíada ao Rio, o prefeito acenou aos cariocas com um legado de obras e melhorias. Também sonhava com o impulso que daria à sua carreira, com possíveis candidaturas ao governo do Rio e até à Presidência da República. A menos de 90 dias do início dos jogos, porém, o peemedebista não sabe como será lembrado pelos eleitores.

Alguns fatos – do pedido da Procuradoria-Geral da República para que seja investigado por suposta fraude na CPI dos Correios, que apurou o escândalo do mensalão, em 2005, à queda de parte da ciclovia Tim Maia, com dois mortos – lançaram incerteza sobre a herança política que deixará. “Acho que (a percepção das pessoas) é sempre o conjunto da obra, né? Vai desde conversa com Lula até as grandes coisas que fiz. Enfim, deixa a história cuidar isso”, afirmou Paes, na sexta-feira, após a inauguração de um complexo de oito escolas para 4.740 alunos em Sepetiba, zona oeste.

No último ano de mandato, tentando maximizar seu legado de obras, o prefeito entregará equipamentos de impacto, como a infraestrutura olímpica e o VLT no centro, além da nova Orla Luiz Paulo Conde, passeio público de 3,5 quilômetros à beira-mar, também no centro.

PGR. Paes também tem tentado se defender do desgaste de ver parte desse legado ruir. O prefeito negou a acusação da PGR, de que teria maquiado dados do Banco Rural para proteger Aécio Neves (PSDB-MG) durante a CPI dos Correios. “Em nenhum momento o senador Aécio me pediu qualquer coisa em relação ao Banco Rural. Ao contrário, basta ver os requerimentos apresentados, todos pressionando o banco. Mais do que isso, ao final do relatório, escrito por mim, a gente indicia todo mundo do Banco Rural, inclusive as pessoas que estão na cadeia até hoje”, disse Paes.

No jogo. Na análise do cientista político Ricardo Ismael, da PUC-RJ, o prefeito enfrenta um quadro de dificuldades, mas ainda não pode ser considerado fora da disputa política. “São dificuldades que ele terá de superar, mas ele tem condições de colocar seu candidato no 2º turno.”

Para Ismael, o prefeito ainda pode se beneficiar politicamente de obras que serão inauguradas, do possível sucesso da Olimpíada e de provável espaço em um eventual governo Temer. Outro fator é o desgaste geral dos políticos, inclusive concorrentes nas eleições deste ano. “Esta será uma eleição nacionalizada. Enquanto possíveis candidatos, como Alessandro Molon (Rede), foram contra o impeachment, Paes se descolou da presidente Dilma e se reposicionou, recuperando espaço que vinha perdendo em seu eleitorado na zona sul.”/ Colaborou Wilson Tosta

PT ainda busca bandeira para voltar à oposição

• Partido e movimentos aliados elegeram o ‘Fora Temer’ como slogan caso Dilma seja mesmo afastada, mas avaliação é que falta discurso propositivo

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

Prestes a retomar o papel de oposição depois de 13 anos à frente do governo federal, o PT e os movimentos sociais e sindicais ligados ao partido escolheram o “Fora Temer” como slogan caso o Senado aprove nesta quarta-feira a continuidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A decisão de desgastar o possível governo do vice-presidente, Michel Temer, porém, é considerada insuficiente, mais do mesmo, para manter as mobilizações e a disputa política. O PT, movimentos aliados, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda estão em busca de uma bandeira propositiva, capaz de manter a unidade construída ao longo da resistência ao impeachment e, principalmente, impulsionar uma provável candidatura de Lula à presidência em 2018.

Até a semana passada esta bandeira poderia ser a defesa de um plebiscito pela reforma política e realização de novas eleições. Dilma chegou a escalar ministros para sondar o PT e os movimentos. A resposta foi que não havia unidade e se Dilma decidisse levar a proposta à frente seria por sua própria conta.

“Esperamos que o governo Temer se inviabilize por ele mesmo. Enquanto isso, nestes três ou quatro meses até o julgamento do mérito pelo Senado, vamos decidir o que fazer”, disse João Paulo Rodrigues, do Movimento dos Sem Terra (MST).

Segundo ele, embora já esteja desgastada, a estratégia de não reconhecer o eventual governo do vice é importante. “Não podemos correr o risco de ter setores que reconheçam o Temer ou dialoguem com o governo dele”, disse o líder do MST.

Um dos temores é que os interesses eleitorais prevaleçam em relação à estratégia nacional. No PT, por exemplo, a tendência é não proibir alianças com partidos que apoiaram o impeachment nas eleições municipais de outubro.

“Existem dois PTs. Um é o da vida real, dos militantes que foram às ruas combater o golpe. Outro é o PT institucional, eleitoral, que não participou das lutas por causa de eleições.”

Lula. Aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizem que ele também está em busca de uma bandeira propositiva capaz de servir com o vetor de uma oposição a Temer.

Embora tanto Lula como os movimentos digam que ainda acreditam em uma pouco provável virada a favor de Dilma no julgamento do mérito, alguns grupos defendem que a proposta das novas eleições seja recolocada na mesa já assim que a presidente deixar o Palácio do Planalto.

“Por enquanto o foco são as mobilizações até o dia 12. Depois vem a segunda etapa na qual vamos debater uma estratégia institucional. Até lá é ‘Fora Temer’”, disse Raimundo Bonfim, coordenador da Frente Brasil Popular.

Após críticas, Temer recua do recuo sobre corte de ministérios

Daniela Lima, Débora Álvares – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer (PMDB) comunicou a seus aliados que vai retomar o plano de promover um corte substancial na máquina do governo e, com isso, reduzir no primeiro escalão o leque das barganhas políticas de sua eventual base aliada.

Ter uma estrutura mais enxuta era plano original de Temer, que foi abandonando a ideia à medida que dirigentes partidários apresentaram pleitos para ocupar cargos por apoio no Congresso.

O recuo foi criticado até por aliados, que acusavam Temer de repetir os mesmos erros de Dilma Rousseff. O vice sentiu o peso da reprovação pública à negociação de espaços.

Ele recebeu uma série de especialistas em comunicação e pesquisas que mostraram a reprovação do chamado "toma lá dá cá" e apontaram ampla expectativas de enxugamento da máquina.

Quem esteve com o peemedebista diz que ele demonstrou preocupação em "desapontar a sociedade" por não implementar "o que esperam dele".

Temer começou a esboçar desconforto com as negociações já na sexta (6), como mostrou a coluna "Painel", da Folha. Depois, decidiu passar a maior parte do fim de semana em São Paulo, onde só recebeu aliados mais próximos.

À noite, voltou a Brasília e discutiu o novo formato do ministério com a cúpula de sua articulação política e com Henrique Meirelles, que deve ser o ministro da Fazenda

Há, no entanto, um receio de que a retomada dos planos abale a tentativa de Temer de construir uma base ampla na Câmara, o que inviabilizaria a aprovação de projetos, e até mude alguns votos no Senado, que deve apreciar o afastamento de Dilma nesta quarta (11).

Dilma tem 32 ministérios. Temer havia pensado primeiro em algo em torno de 20, depois disse que não conseguiria cortar a menos do que 26.

O vice já começou a informar dirigentes de partidos aliados sobre seus planos. Para convencer o PSDB a ter menos espaços, o próprio Temer foi no domingo (8) à noite, segundo aliados, se encontrar com o presidente do partido, Aécio Neves (PSDB-MG).

Aécio é apontado como padrinho de duas indicações: Tasso Jereissatti (PSDB-CE) para Desenvolvimento e Bruno Araújo (PSDB-PE) para Cidades. Temer tem em sua cota pessoal mais dois tucanos: o senador José

Serra, que deve ir para o Itamaraty, e o secretário da Segurança de SP, Alexandre de Moraes, para a pasta da Justiça.

O vice também já falou com o presidente do PPS, Roberto Freire (SP), que era dado como nome certo para o Ministério da Cultura. Temer afirmou que não pretende mais manter a pasta e que deve fazer uma fusão com outro ministério, provavelmente a Educação. Além disso, o vice anunciou ter desistido de entregar a Ciência e Tecnologia ao PRB.

Ele voltou a pensar em um modelo no qual a pasta seja incorporada a outra. O presidente da sigla, o bispo licenciado da Igreja Universal Marcos Pereira, era o nome para a pasta, o que causou críticas na comunidade científica.

Pressionado, Temer renegocia ministério

Por Raymundo Costa – Valor Econômico

BRASÍLIA - Convencido de que o afastamento do deputado federal Eduardo Cunha fortaleceu a "agenda das ruas", o virtual presidente Michel Temer decidiu renegociar com os partidos a montagem da equipe de governo. Temer já havia praticamente desistido de cortar ministérios, diante da pressão dos aliados por cargos, mas voltou a pensar em algo em torno de 25 pastas. "Ele quer zerar o jogo em alguns pontos e redefinir alguns parâmetros", disse um auxiliar do vice. As conversas com os partidos apontavam para um governo com cerca de 31 ministérios, apenas dois a menos que o atual.

Temer deve assumir o cargo na próxima quinta-feira, depois que o Senado votar e aprovar o afastamento da presidente Dilma Rousseff, nesta quarta-feira, 11. Além do ministério, o vice também está incomodado com a publicação de supostas medidas que seriam tomadas pelo governo, o que atribui muito mais à vontade de pessoas próximas que a uma decisão efetivamente tomada. Este é o caso, por exemplo, da independência do Banco Central e da revisão tributária.

O vice nunca foi um entusiasta da independência do Banco Central, mas vários de seus conselheiros defendem a proposta. O senador Romero Jucá (PMDB-RR), por exemplo, é um deles. "O projeto pode ser examinado e com certeza será discutido" pelo novo governo, mas não há decisão tomada, apurou o Valor. A notícia de que o governo quer fazer uma "revisão tributária" é considerada uma "obviedade", mas não é uma urgência. O governo pode até anunciar que quer fazer a simplificação, mas não é para ser tocada no curto prazo.

Entre as primeiras medidas a equipe de Temer só admite a prioridade à questão fiscal, considerado o desafio imediato do novo governo. É provável que ainda nesta semana o governo diga a meta fiscal dos próximos três anos.

A "agenda das ruas" analisada no Palácio do Jaburu contém o "Fora Dilma", o "Fora PT" e o "Fora Cunha", mas também a ética na política, traduzida no apoio ao juiz Sérgio Moro. O governo, o PMDB não "pode fazer mais do mesmo" e montar uma equipe da mesma maneira que fazia a presidente Dilma Rousseff, negociando apoio em troca de cargos, segundo um dos políticos mais próximos do vice.

Na última semana, os partidos trataram como fato consumado pedidos que fizeram ao vice. O PP, por exemplo, disse a Temer que aceitaria indicar, em sua cota, o médico paulista Raul Cutait para o Ministério da Saúde. Temer gostou da ideia e disse que, neste caso, o PP poderia ter até dois ministérios. Foi o que bastou para a sigla anunciar que teria dois ministérios, entre os quais o da Saúde, mas para parlamentares do partido.

Temer também foi surpreendido com o anúncio de nomes para o seu ministério feitos pela oposição. O senador Tasso Jereissati (CE) chegou a ser noticiado como futuro ministro da Indústria e Comércio (MDIC). O Palácio Jaburu nega que o senador cearense tenha sido convidado pelo eventual presidente. O senador Blairo Maggi (PR-MT) anunciou em uma rede social que fora convidado pelo PP e aceitou assumir o Ministério da Agricultura. Mas teve o cuidado de ressaltar que faltava um convive formal do futuro presidente.

Assunto que definitivamente entrou nas conversas do Palácio do Jaburu é a nomeação de ministros citados ou investigados na Operação Lava-Jato, a palavra de ordem mais forte da "agenda das ruas". Em entrevistas, Temer estabeleceu uma diferença entre citados, investigados e denunciados na operação, mas ainda não está claro o que vai fazer com candidatos a ministros nesta situação. Entre seus conselheiros e na oposição há quem defenda que o novo governo não pode vir a ter ministros indiciados pela Lava-Jato.

O problema, reconhecem auxiliares do vice, é que está difícil compor a "agenda das ruas" com a voracidade dos partidos na Câmara, onde o impeachment já foi votado, e no Senado, onde a presidente será efetivamente julgada. A bancada de senadores do PMDB é a que mais pressiona. Não só pelos ministérios que quer, como pelos ministérios que devem ser dados a adversários políticos. Não será fácil para Temer transformar intenção em gesto.

Sem tempo a perder – Aécio Neves

- Folha de S. Paulo

A semana se apresenta decisiva para a vida de todos os brasileiros com o início da votação, na quarta-feira (11), no plenário do Senado, do processo de impeachment da presidente da República.

Na eventualidade cada vez mais próxima do afastamento da presidente, a nova equipe a assumir o governo terá a missão de iniciar a reconstrução do país -uma tarefa complexa, mas inadiável.

Não há tempo a perder. A situação que enfrentamos é conhecida por todos. Vivemos uma das piores crises da nossa história, a se considerar a conjugação de fatores como a degradação econômica, a ausência efetiva de governo, a gravidade da corrupção institucionalizada como suporte a um projeto de poder e o desprezo permanente à verdade.

Diante desse quadro desolador, só mesmo um choque de expectativas positivas pode restaurar a confiança tão necessária para que o país se reencontre com seu destino.

O Brasil precisa sair do quadro de desesperança em que se encontra. O novo governo que se configura terá muito a fazer e nenhum tempo a perder. E a largada deve ser precisa, sem erro. A única alternativa é acertar desde o primeiro minuto.

Não deve haver ilusões, uma vez que o tamanho do desastre é colossal. A recessão já nos fez retroceder em uma década de crescimento.
Empresas estão fechando por toda parte, trabalhadores perdem seus empregos, conquistas sociais se esvaem. Não se muda essa realidade com ações paliativas.

A legitimidade do novo governo virá da coragem de apresentar uma ousada agenda para o país -nos campos político e das reformas estruturais, no enxugamento da máquina estatal, na adoção da meritocracia em substituição ao aparelhamento criminoso do Estado, na capacidade de restaurar a governabilidade e a estabilidade econômica.

Ao agir com rapidez para deter a sangria do país e instaurar uma governança sob o primado da responsabilidade fiscal, cria-se um ambiente de incentivo às reações dos agentes econômicos. A roda volta a girar.

Nada disso será possível sem o apoio da sociedade. Para ter êxito, o novo governo deve se apresentar com um conjunto de propostas que atenda às necessidades do país -e não ceder às tentativas de loteamento da administração pública, empregadas até aqui.

Lembro o ex-presidente Itamar Franco, referência inconteste de um governo de transição bem-sucedido. Com sua liderança fundada no diálogo, na integridade pessoal e no respeito aos seus comandados, Itamar ocupou de forma exemplar o lugar que a história lhe reservou.

O momento que vivemos exige grandeza, coragem e a consciência de que os erros cometidos não podem ser repetidos.

O novo governo terá uma chance. Pelo bem do Brasil, não pode perdê-la.
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Aécio Neves é senador e presidente nacional do PSDB

Pós-impeachment, os dois tempos da política - Sergio Fausto

- O Estado de S. Paulo

A gravidade do quadro econômico herdado do governo Dilma Rousseff é tal que qualquer brasileiro(a) de bom senso deve torcer para o sucesso do governo de Michel Temer. Sem reformas que logo permitam restabelecer o controle sobre o gasto público e o caminho do crescimento, será cada vez maior o temor sobre a capacidade do Estado brasileiro de honrar sua dívida e crescente o risco de o governo a ser eleito em outubro de 2018 assumir o poder confrontado com uma situação de iminente insolvência fiscal. Trata-se de evitar esse cenário, que condenaria o País a mais de uma década perdida.

Da mesma maneira, o desarranjo do quadro político é tal que arrumá-lo é do interesse de todos os partidos comprometidos com critérios razoáveis de organização e exercício do poder numa democracia. Daí a necessidade de introduzir reformas que, no mínimo, livrem o atual sistema político-eleitoral dos seus piores males, a começar pela fragmentação excessiva. O governo Temer talvez não tenha condições de avançar muito nessa agenda, já que ela tende a dividir a maioria parlamentar que o novo governo busca construir. Reformas políticas maiores terão provavelmente de esperar o próximo período presidencial, sob pena de inviabilizar as reformas fiscais inadiáveis no governo de transição que se avizinha. Mas alguns passos serão indispensáveis para indicar a mudança do sistema político.

Se a saída da crise exige unidade em torno do que é urgente, o amadurecimento da democracia brasileira requer, num horizonte de médio prazo, que as forças políticas se recomponham, marcando diferenças entre si de acordo com orientações programáticas que deem mais nitidez e inteligibilidade ao quadro partidário brasileiro.

Com a crise que ameaça a existência do PT e com as indefinições crescentes do PSDB, a política brasileira perdeu o que de mais sólido foi construído em termos de identidade programática dos partidos desde o retorno do País à democracia. Por algum tempo esses dois partidos, mal ou bem, organizaram duas visões concorrentes no campo da centro-esquerda. A primeira naufragou abraçada com práticas alastradas de corrupção e com um anacrônico e desastroso nacional-estatismo; a segunda perdeu os contornos que a definiam com mais nitidez. A aglutinação de forças de centro-esquerda em torno de uma agenda progressista atualizada terá de acontecer, se acontecer, para além das linhas divisórias que definem o quadro partidário atual.

Nesse sentido, é preciso ter ao menos clareza com relação às marcas distintivas essenciais dessa agenda. Nela as questões clássicas das políticas econômicas e sociais continuarão a ser centrais: como fazer o PIB crescer, combater a pobreza e reduzir a desigualdade.

Uma nova identidade progressista que vier a se formar terá de se diferenciar, de um lado, pela condenação do repertório de políticas populistas, protecionistas e dirigistas que nos levaram à crise atual e, de outro, pela defesa de uma reforma fiscal e tributária, processo que não se esgotará no governo Temer, que não apenas aumente a eficiência da economia e assegure o equilíbrio de longo prazo das contas públicas, mas também torne o sistema tributário e o gasto público socialmente mais justos.

Não menos importante é que uma nova identidade progressista se comprometa com uma visão contemporânea sobre as relações entre economia, sociedade e meio ambiente, fazendo avançar internamente a agenda de compromissos assumidos pelo Brasil no acordo alcançado entre os países signatários da Convenção do Clima em dezembro, em Paris, e formalizados no final de abril em reunião das Nações Unidas. O cumprimento desses compromissos atende aos melhores interesses do Brasil e são antes uma oportunidade do que um obstáculo ao desenvolvimento do País.

Ainda no campo das relações entre políticas domésticas e internacionais, uma nova identidade progressista deve aliar o realismo indispensável a qualquer política externa eficaz e o princípio da não intervenção, de um lado, à condenação firme de violações a direitos humanos e à democracia no mundo, em particular na América Latina, de outro. A altivez da política externa brasileira não pode ser confundida com o antiamericanismo primário e com a complacência (pragmática ou ideológica) com governos que desrespeitem sistematicamente aqueles valores.

Falando em valores, o progressismo no Brasil vê-se hoje diante de uma ofensiva conservadora que, em nome de uma interpretação dogmática de supostos mandamentos bíblicos, ameaça direitos individuais legalmente assegurados e estimula direta ou indiretamente um clima de intolerância contra homossexuais, transgêneros, praticantes de religiões africanas e outras escolhas identitárias e comportamentos tidos como “desviantes”. Nesse campo não há espaço para ambiguidades, visto não existir meia defesa de direitos individuais. Cabe apenas ter cautela para não embarcar na criminalização de opiniões que possam ser ou parecer ser preconceituosas, para não limitar a liberdade de expressão.

Por fim, mas não menos importante, o progressismo deve estar aberto a inovações nas práticas democráticas que tornem viáveis novas formas de participação na vida política do País. O objetivo deve ser sempre aprimorar a democracia representativa, e não substituí-la por formas supostamente mais autênticas de participação popular. Trata-se antes de aumentar a incidência dos cidadãos nas deliberações legislativas que de multiplicar conselhos de “representantes da sociedade civil” ou plebiscitos eletrônicos.

É cedo para dizer se uma nova identidade progressista no Brasil ganhará nenhuma, uma ou mais de uma expressão partidária. Mas já é hora de fortalecer os espaços de diálogo e convergência entre as lideranças políticas e da sociedade civil que se identificam com essa perspectiva.

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Superintendente executivo do iFHC, Colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University, é membro do Gacint-USP.

Merecíamos algo melhor - Ricardo Noblat

- O Globo

“A presidente Dilma perdeu a capacidade de governar.” Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal

Que modo mais sinistro, esse do PT, de despedir-se de longos 13 anos de poder. Voltará à oposição depois do fracasso de Dilma, o último presidente que elegeu e reelegeu; da decadência do primeiro, Lula, sob o risco de ser preso por corrupção a qualquer momento; e de ter despencado no ranking dos partidos mais admirados pelos brasileiros. O PT nunca deu nada de barato. Não daria agora.

DILMA FOI ABANDONADA por Lula no palanque do 1º de Maio, em São Paulo. De lá, telefonou para ele três vezes. E ouviu de Marisa que o marido estava afônico e febril. Não podia atendê-la, muito menos comparecer ao ato convocado pela Central Única dos Trabalhadores. Dilma telefonou para o médico de Lula perguntando se ele estava de fato doente. O médico respondeu que não sabia. Que triste, não?

QUEIXA-SE LULA DE DILMA tê-lo abandonado quando a Lava-Jato começou a aproximar-se dos dois. Mais que nunca, era preciso que eles tocassem de ouvido para tentar escapar do juiz Sérgio Moro. Mas Dilma não estava sujeita a Moro, e, sim, ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde tem amigos. Pouco fez para salvar a face de Lula. E o que acabou fazendo produziu um monumental desastre.

COM A DIVULGAÇÃO DE uma série de conversas de Lula grampeadas, Moro deixou-o nu na frente do distinto público. E Lula, despido das fantasias concebidas pelo marketing, é muito feio. Sempre foi. Uma das conversas, a de Dilma com Lula, flagrou a presidente da República avisando ao ex-presidente que um portador lhe entregaria cópia do ato de sua nomeação para ministro-chefe da Casa Civil.

ASSIM, SE MORO MANDASSE prender Lula antes de ele tomar posse como ministro, Lula alegaria que sua nomeação já fora assinada por Dilma, e que, portanto, ele só poderia ser preso por ordem do STF. Manobra escandalosa para obstruir a Justiça! Que custou a Lula a suspensão de sua posse. E a ele e a Dilma, um pedido do procurador-geral da República para que sejam investigados por isso.

O SENADO, DEPOIS DE AMANHÃ, aceitará a instalação de processo para julgar Dilma por despesas feitas sem autorização do Congresso. De imediato, ela será afastada do cargo e se recolherá à solidão do Palácio da Alvorada à espera do julgamento. Assumirá o vice Michel Temer. E Lula seguirá vivendo o tormento diário de ser acordado por agentes da Polícia Federal. Que triste, não? Mas merecido.

O PAÍS MERECE LÍDERES e governos melhores. O desafio de Temer é esse. E ele não terá muito tempo para vencê-lo. Infelizmente, e com razão de sobra, ganha corpo dentro e fora do Congresso a impressão de que nada deverá ser mais parecido com o governo Dilma do que o governo Temer. Haverá maior racionalidade econômica, ninguém duvida. Mas isso só não basta.

A BASE DE APOIO DE Temer no Congresso será praticamente a mesma que subtraiu a Dilma tudo o que pôde para depois largá-la de mão. O governo que está no fim tem nomes citados na Lava-Jato. O governo ainda em fase de montagem também terá. Temer nada vê de negativo nisso. Parece não ter tirado lição alguma da decisão do STF de suspender o mandato de Eduardo Cunha.

TEMER COGITOU ATRAIR nomes “notáveis” para seu governo. Desistiu, ao que tudo indica. No momento, troca ministérios por votos no Senado para impedir a improvável volta de Dilma ao cargo em um prazo de até 180 dias. Que triste, não? Merecíamos algo melhor.

Dilma e Temer, sorte e azar – Valdo Cruz

- Folha de S. Paulo

Na semana derradeira para Dilma Rousseff, palacianos reclamam que o azar bateu na porta da presidente, já a sorte parece sorrir para Michel Temer -apesar de ele correr o risco de brincar com ela.

Explico: a petista terá de sair do governo no momento em que a inflação começa a cair, as contas externas se ajustam, os juros devem ser cortados em breve e o cenário internacional dá sinais de alento.

Ou seja, Dilma consumiu os 16 meses de seu segundo mandato tomando medidas amargas e será apeada quando o vento dá sinais de soprar a favor na economia.

Já Temer vai assumir o lugar da petista, caso se confirme seu afastamento nesta semana, herdando dela um cenário econômico menos horrível e um pouco mais positivo.

Na visão palaciana, é uma injustiça tal azar cair na cabeça de Dilma agora. Azar e sorte, porém, são palavras usadas, muitas vezes, para esconder a inépcia de uns e desmerecer a competência de outros.

Dilma, pelo conjunto da obra, foi quem atraiu esse azar. Apesar de não admitir, a crise econômica tem origem principalmente nos seus equívocos. Lula que o diga.

Enquanto isso, Michel Temer enxergou na fragilidade da presidente campo fértil para comandar a debandada do ninho petista. Não é sorte nem azar, é só uma questão de trabalho e oportunidade.

A vida, contudo, não está fácil para o peemedebista. Ele ainda não começou e já tropeça. O sonhado ministério de notáveis pode dar lugar a uma equipe com cara da velha política e nada ao gosto das ruas.

Até o vice não gostou do que estava criando, decidiu dar uma parada para refletir e repensar sua equipe. Nos próximos dias saberemos por qual caminho optou -ele não tem muito tempo para errar.

Enfim, o risco é o vice dar as costas para sua sorte, conquistada pela sua competência, mas que pode ser desperdiçada por erros de um profissional da política. A conferir.

O silêncio dos inocentes - José Roberto de Toledo

- O Estado de S. Paulo

Michel Temer é refém de Eduardo Cunha. Sinal óbvio foi a declaração do vice sobre o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados pelo Supremo Tribunal Federal. Qual declaração? Pois é. Poucos silêncios foram tão eloquentes na história da República. Em decisão inédita, o Judiciário afasta chefe do Legislativo, e o virtual comandante do outro Poder – um declarado constitucionalista que dá entrevista a todo microfone que vê – não se pronuncia. Não falou porque não podia.

Se, como a imensa maioria da população, saudasse a decisão do STF, Temer criaria um conflito insuperável com o principal artífice de sua ascensão à Presidência da República. Mas não é por gratidão que o futuro ex-vice calou-se publicamente. Cunha, mesmo afastado formalmente, não está morto. Resta-lhe munição para bombardear adversários e aliados. Principalmente aliados que o abandonarem publicamente quando ele mais precisa.

Quem duvida da resiliência do presidente afastado da Câmara deve lembrar que faz 25 anos que ele ouviu “Fora Cunha” pela primeira vez. Foi no governo Collor. Desde então, a maioria de seus colegas ficou pela caminho. Só dois expoentes daquela breve e notória gestão prosperaram e ascenderam na escada do poder: Cunha e Renan Calheiros. Deve-se respeitar a seleção natural, até quando o selecionado se diz criacionista e rejeita Darwin.

Mesmo sem chance de retornar ao cargo que o consagrou, Cunha esforça-se para manter o protagonismo. Tenta influenciar as decisões da Câmara, sabendo que delas dependerão todas as chances de Temer ser bem sucedido no seu plano de estabilização. Para tanto, Cunha tornou-se operador de um drone político.

Waldir Maranhão (PP-MA) não virou vice-presidente da Câmara por acaso. Entre 512 deputados que poderia escolher, Cunha selecionou o que tinha menos capacidade de enfrentá-lo. Também nesse aspecto, mostrou-se mais previdente do que Dilma Rousseff. Se o político maranhense Vitorino Freire estivesse vivo, diria que cágado não sobe em árvore. Se um está trepado numa forquilha, é porque alguém o colocou lá. Na atual conjuntura, as tartarugas arboristas parecem mancas e sem casco.

Chamou a atenção como Cunha defendeu Maranhão durante a votação do impeachment de Dilma na Câmara. Na véspera, o maranhense recebera oferta mais vantajosa e pulara para o barco do governo. Discursava para justificar-se. Cunha silenciou os que esboçaram vaiá-lo. No dia seguinte, Maranhão tomou medidas que emascularam o Conselho de Ética na ação contra Cunha. Mutuamente fiéis.

Na quinta-feira, logo após assumir o lugar de Cunha, Maranhão foi assediado por deputados que queriam reabrir a sessão do plenário para comemorar o afastamento do presidente da Casa. Constrangido, Maranhão pediu três minutos para “conversar com Deus”. Cunha mudara de nome.

Após a inviabilização do governo Dilma e a subsequente aprovação do impeachment, a presidência da Câmara provou-se o segundo cargo mais importante da Esplanada – equivalendo às vezes ao de presidente da República, a depender de quem ocupa cada cadeira. Não há loteamento de ministério que compense um presidente da Câmara hostil. Logo, é condição indispensável ao sucesso de qualquer governo manter um aliado no lugar de Cunha.

L’armata Temer tentou primeiro derrubar Maranhão. O plano era declarar vaga a presidência da Câmara e convocar eleição para o cargo. Não pegou bem com Cunha e seu arsenal. Recuo tático e plano B: a ideia agora é cooptar o maranhense, por bem ou não. Todas as denúncias esquecidas – e não são poucas – contra o deputado do PP ressurgem revigoradas.

A operação é um passeio em campo minado, porém. Pisar em Cunha é arriscar-se a uma delação mais explosiva que a de qualquer empreiteiro. Do silêncio de Temer depende o silêncio de Cunha.

De pontos e de curvas- Marcos Nobre

• Não apareceu alternativa à transição tutelada pelo STF

- Valor Econômico

Na sabatina no Senado a que foi submetido como um dos requisitos para se tornar ministro do STF, em junho de 2013, Luís Roberto Barroso afirmou que o mensalão representou "um ponto fora da curva". No raciocínio de Barroso, a curva representa o funcionamento do direito em condições normais. Cada sentença judicial - cada "ponto" - encontra o seu lugar perto de certo acordo de base - a "curva" -, que representa uma espécie de "sentença ideal" a reunir casos semelhantes.

Um ponto fora da curva não faz verão jurídico. Não incomoda enquanto não tiver companhia. Ou enquanto ninguém se importar com seu acúmulo, por expressivo que seja. Para o direito, tempos anormais são aqueles em que as curvas parecem desaparecer, em que os pontos parecem se espalhar todos de maneira aberrante. O passado deixa de servir de parâmetro para o presente e não se vê com clareza qual nova interpretação do dispositivo legal pode fazer com que os pontos todos voltem a se distribuir de maneira normal, voltem a compor a curva suave com que sonha o direito.

Não foram poucos os pontos fora da curva nesses últimos três anos. Mas o ponto mais afastado da série até o momento foi mesmo a decisão de suspender o mandato do deputado Eduardo Cunha, voto do ministro Teori Zavascki acompanhado pelo conjunto dos ministros do STF. A anormalidade dos tempos não se limita a pedir que o direito tome decisões invariavelmente fora da curva para dar conta de mudanças rápidas e profundas na sociedade, na política e na economia. Exige também que o Judiciário, o STF em especial, faça nada menos do que criar o quadro de estabilidade em que o jogo político pode se dar.

Não faz sentido dizer que apenas o Legislativo pode legislar. O Executivo também legisla. E qualquer sentença judicial é legisladora, representa criação de norma. Mas o que está em causa no momento vai além disso. A anormalidade dos tempos está pressionando o STF a exercer um papel semelhante ao de um poder constituinte.

Até a decisão de suspender o mandato de Cunha, o STF tinha optado pelo máximo de autocontenção possível. Não faltam indícios de que houve uma concertação entre os ministros para influir o menos possível no desenrolar da crise política, apesar da gritaria geral por soluções definitivas. A partir de agora, o STF terá de resolver se vai novamente recuar para a posição anterior ou se acabará respondendo aos clamores por um Judiciário bonapartista.

O momento atual não é apenas o do impeachment de Dilma Rousseff e do início de um governo Temer. Coincide também com o encerramento da fase curitibana da Lava-Jato e com o pleno desenvolvimento de sua fase brasiliense. Quem não tem privilégio de foro, recorrerá à segunda instância da Justiça Federal. Quem faz parte da política oficial está já nas mãos do STF. Mais especificamente, de Teori Zavascki.

Executivo e Legislativo têm tantos investigados que não têm condições de executar as tarefas que lhes cabem na estabilidade política. O Judiciário passou a ocupar exclusivamente o lugar de estabilizador institucional. Ocorre com isso que a política que não consegue ser feita pelo Executivo e pelo Legislativo passa a invadir o STF. É fato que o STF faz parte do sistema político. Mas ele não é diretamente político, é obrigado antes de tudo a se submeter à lógica do direito, à lógica dos pontos e das curvas, para, por meio do direito, exercer de maneira plena seu papel político no sistema.

Ao suspender o mandato de Cunha, o STF agiu de maneira diretamente política. Repetiu, aliás, o que já tinha feito o juiz Sérgio Moro ao determinar a condução coercitiva de Lula para depor e ao divulgar todos os áudios de conversas do ex-presidente. Sérgio Moro foi devidamente repreendido por Teori Zavascki por sua atitude. Ocorre que a instância institucional que poderia repreender e controlar o STF, o Legislativo, está em frangalhos e sem condições de ação ou de reação.

Por trás do conto da carochinha da briga de egos entre ministros, o que realmente esteve em causa na decisão Cunha foi uma disputa pela posição vencedora na condução do país durante sua crise político-econômica. Como relator da Lava-Jato no STF, Teori Zavascki colocou-se na posição de esteio da estabilidade política. Suas decisões, ações e atitudes indicam a intenção de garantir as condições para que o governo Temer possa se instalar e governar. Isso significa, antes de mais nada, garantir que o andamento da Lava-Jato no campo da política oficial seja mantido em um ritmo que não inviabilize o governo Temer. Como significa também exercer sua posição hierarquicamente superior ao grupo de Curitiba. Ocorre que isso tudo implica também que os demais ministros do STF se perfilem atrás dessa posição de autoridade e de poder do relator da Lava-Jato.

A decisão Cunha significou um desafio a essa pretensão de Teori Zavascki por parte de Marco Aurélio Mello e de Ricardo Lewandowski. A atitude concertada do presidente do tribunal e de seu mais notório franco atirador mostra que, no mínimo, estão a exigir que sejam ouvidos em uma necessária abertura de negociação em torno da questão. A resposta de Teori Zavascki ao enfrentamento não foi exatamente nesse sentido. Sua decisão no caso Cunha foi o equivalente STF do pito que passou em Sérgio Moro.

Para além de pontos e curvas, o que está em questão é a travessia até 2018. Não surgiu até o momento qualquer alternativa real a uma transição tutelada pelo STF. A disputa é apenas sobre a natureza dessa tutela. Um STF fraturado vai produzir uma saída tão ineficaz quanto aquela que já não é oferecida por um sistema político em pane. E está longe de ser evidente a produção de uma maioria sólida e constante em uma corte que se mostra refratária a composições duradouras.

A unanimidade no caso da decisão sobre o mandato de Cunha foi apenas aparente. Para que seja efetiva, a maioria dos ministros precisa chegar a um acordo de base inédito e duradouro. Se isso não acontecer, todos os anos até 2018 vão repetir 2015. E pontos e curvas se tornam simplesmente irrelevantes.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

O Brasil melhora – Vinicius Mota

- Folha de S. Paulo

A solução para o afastamento de Eduardo Cunha não foi a indicada. Teria mais aderência à Constituição a cassação do mandato pelos pares do presidente da Câmara, em vez da via judicial.

O que fazer, entretanto, nesse caso extremo e ostensivo de abuso de prerrogativas funcionais em causa própria? O óbice interposto era tamanho que inviabilizava a solução parlamentar do processo.

Desafiava-se o enunciado basilar das sociedades democráticas: todos são iguais diante da lei. Projetava-se sobre o conjunto dos servidores públicos o antiexemplo do tiranete de repartição, disposto a fazer o diabo para livrar-se de punições.

Tem limites, concluiu o Supremo, até a ampla esfera de proteção concebida para salvaguardar do arbítrio os representantes da população eleitos. Deputados, senadores e seus presidentes detêm prerrogativas específicas, mas não deixam de ser funcionários do Estado para a aplicação da lei.

A crise deflagrada por dez anos de descomedimento do poder político e econômico vai produzindo corretivos importantes e duradouros nas regras de jogo da jovem democracia de massas brasileira.

A decisão de Teori Zavascki, com endosso unânime da corte, é uma de pelo menos quatro peças cruciais nessa correção de rota. As outras são o pedido de impeachment da presidente Dilma, a decretação da prisão do senador Delcídio e a anulação da posse de Lula no ministério.

Todas decorrem de o tecido constitucional ter sido esticado pelos autores dos abusos até fronteiras inexploradas. Todas traduzem respostas restauradoras e revigorantes de um pacto civil inclusivo.

Deveriam ser lidas, compreendidas e criticadas por quem pretende participar do debate enriquecido sobre os rumos do país. Se os americanos produziram seus antológicos textos federalistas no fim do século 18, os brasileiros vamos, com mais vagar e tropeços, compondo os nossos.

Novo ou velho? – Paulo Guedes

• Não há entusiasmo pelo novo governo, e sim enorme alívio pelo fim do antigo. Há também o risco de envelhecimento precoce

- O Globo

A cada semana avança a percepção de que o Brasil não quer mais ser uma república das bananas. Prossegue em passos virtuosos a marcha institucional de uma sociedade aberta em formação. Para Montesquieu, o fundamento da república é a virtude. Pois bem, antes a Câmara dos Deputados e nesta semana provavelmente o Senado terão considerado pouco virtuosa a presidente Dilma Rousseff, pelo desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal. Como pouco virtuoso foi também considerado o deputado Eduardo Cunha, afastado da presidência da Câmara pelo Supremo Tribunal Federal.

Com o afastamento de Cunha e, como tudo indica, também o de Dilma, entramos constitucionalmente, e com os devidos processos, no governo Temer. Não há entusiasmo pelo novo governo, e sim enorme alívio pelo fim do antigo. Sem uma reforma política e a mudança do regime fiscal, o novo governo pode envelhecer muito rapidamente. Corre o risco de se afogar em meio a uma formidável pororoca. De um lado, as águas do turbulento fisiologismo de correntes políticas e, de outro, as ondas do desemprego oceânico da economia submersa pela crise.

O falecido candidato presidencial Eduardo Campos, perguntado sobre sua decisão de concorrer contra os antigos aliados Lula e Dilma, explicava a inevitabilidade da ruptura com a Velha Política. A concentração de recursos no Executivo federal, o fisiologismo mercenário dos parlamentares e a cumplicidade do antigo Judiciário, ingredientes da Velha Política, tornaram-se apostas anacrônicas contra o inevitável aperfeiçoamento de nossas instituições republicanas. 

O primeiro pronunciamento de um presidente comprometido com as mudanças é tão simples quanto revolucionário: “Houve acusações de práticas não republicanas na aprovação da emenda constitucional que permitiu a reeleição presidencial, como há também, desde a redemocratização, acusações e agora condenações de práticas políticas degeneradas sob pretexto da governabilidade.

O povo brasileiro espera da classe política uma forma decente de conduzir a coisa pública. Temos da mesma forma insistido equivocadamente há décadas em combater a inflação sem mudar o regime fiscal, o que nos tornou prisioneiros da armadilha do baixo crescimento. A reforma política e a mudança do regime fiscal são inadiáveis.”

Dura tarefa de 'novo' governo freia euforia - Angela Bittencourt

• A eCMetrics detecta baixa expectativa com governo Temer

- Valor Econômico

O governo brasileiro estará sujeito a uma convulsão nos próximos dias. Encerrará a semana possivelmente sob nova direção. Na quarta-feira, o Senado votará o parecer que recomenda o impeachment da presidente Dilma Rousseff por crime de responsabilidade. Nesta fase, se aprovado o parecer, Dilma é afastada por até 180 dias - tempo para investigação das denúncias. O afastamento definitivo da presidente da República ou seu retorno ao Palácio do Planalto para cumprir o restante do segundo mandato, que sequer chegou à metade, se dará em uma próxima votação no Senado. Torcidas à parte - a favor e contra o processo -, pesquisas colocam o impeachment no caminho da presidente.

Levantamentos diários publicados pelos maiores jornais do país mostram que há voto no Plenário do Senado para afastar Dilma por até 180 dias. Pesquisa realizada pela aCMetrics com internautas revela que a maioria defende o impeachment. O monitoramento semanal de até 1,2 milhão de posts, colunas e editoriais, feito pela MAP, Mapeamento, Análise e Perspectivas indica que entre o desalento com a economia e o bem-estar e a saturação com a política, os frequentadores de redes sociais preferiram, em abril, debater o "novo" governo.

Na quarta-feira, terá início a sessão no Plenário do Senado para votar a admissibilidade do processo de afastamento de Dilma Rousseff. A sessão deve se estender por 20 horas e terminar na quinta. Se acolhido o pedido, a presidente será notificada e deixará a função a partir de sexta. O virtual sucessor é o vice, o peemedebista Michel Temer.

Uma explosão de euforia no mercado financeiro na quinta, caso se confirme a troca de governo, não está garantida. E por três motivos: os investidores já transferiram para os preços dos ativos a saída de Dilma Rousseff, o início de um novo governo e a indicação de Henrique Meirelles para o comando do Ministério da Fazenda do presidente Michel Temer, aproveitando a deixa da Câmara ao aprovar o processo contra Dilma em meados de abril; segundo, embora a maioria da sociedade apoie o impeachment, uma minoria acredita que o possível governo de Temer será ótimo ou bom; terceiro, os brasileiros gostam da ideia de escolher o próximo governante pelo voto - em nova eleição.

Pesquisa da eCMetrics mostra que a favor do impeachment estão 70% de 1.001 entrevistados entre 18 e 24 de abril. Compõem a amostra internautas de todas as regiões do país para mensurar o nível de envolvimento com a votação do processo na Câmara em meados de abril e a expectativa com um futuro governo Temer. Segundo o instituto de pesquisa especializado no uso de metodologias interativas (online, mídia social e mobile), para apenas 8% dos entrevistados o governo Temer será ótimo ou bom.

Por trás da postura ressabiada dos internautas quanto ao sucesso do novo governo está a quase certeza de que a corrupção continuará sendo um problema para o Brasil. Entre os favoráveis ao afastamento de Dilma, há uma percepção maior que a corrupção ficará igual; entre os contrários ao seu afastamento, há convicção de que a corrupção aumentará, informa a eCMetrics, que identificou também, com entrevistados de todas as classes econômicas, que a vontade da maioria é que ocorram novas eleições para Presidente da República.

Para 21% dos entrevistados nos meios interativos, deve estar no comando do Planalto o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa; para 19%, o posto deve ser ocupado pelo juiz federal Sérgio Moro; 11% citaram Marina Silva como a preferida para o Planalto; 8% apontaram Aécio Neves; 7% o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que empatou com outros 7% que escolheram o deputado carioca do PSC, Jair Bolsonaro, para presidente do Brasil. Dilma Rousseff foi citada por 3% dos entrevistados pela eCMetrics. Michel Temer, por 1%.

A exaustação provocada por tão teimosa discussão sobre decisões e omissões dos últimos presidentes é evidenciada também pelo IP Brasil (Índice de Impacto e Perspectivas Brasil), divulgado com exclusividade pelo Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor, às quintas-feiras.

O IP Brasil mede a opinião e o alcance dos frequentadores das redes sociais e colunistas da imprensa e mostra que, em abril, entre o desalento com a economia e a saturação com a política, a sociedade optou pela virada com o novo governo.

No mês passado, portanto, o indicador fechou em 28%, marca distante dos piores momentos observados entre novembro do ano passado e fevereiro deste ano - quando caiu de 13% positivos para apenas 9% -, mas inferior ao observado em março, quando chegou a 32% no embalo das manifestações em favor do impeachment.

Criado por Marília Stabile, sócia e diretora geral da MAP, Mapeamento, Análise e Perspectivas, em parceria com o economista Heron do Carmo, professor da FEA/USP e membro do conselho consultivo do IBGE, o indicador é resultado da avaliação semanal de até 1,2 milhão de posts, colunas e editoriais com o objetivo de quantificar o poder da informação e como a sociedade avalia a Economia, o Bem-Estar e a Política.

"A comoção do país em torno do processo de impeachment de Dilma Rousseff e a expectativa de um eventual governo Temer é o final de um processo marcado por dois momentos: o desalento com as condições do Bem-Estar e a economia; e a saturação com o impasse político", afirma Marília.

A diretora da MAP pondera que essas variáveis combinadas revelam que há apostas na melhora do ambiente para uma árdua tarefa no emprego, saúde e infraestrutura. Esses temas apresentam continuamente níveis de expectativa de crise. Há uma apreensão com o futuro que a perspectiva de que o Brasil terá um "novo" governo não atenuou.

Em abril, o Bem-Estar respondeu por 20% das manifestações nas redes, a Economia por 13% e a Política por 67%. "A tendência é a economia reassumir o protagonismo, ainda que o foco permaneça no Congresso", acrescenta a diretora da MAP.

A economia deve voltar ao centro das atenções porque haverá uma vigília permanente em torno das decisões que serão tomadas por Temer. O Congresso deve dividir os holofotes porque o 'novo' governo só sairá do lugar com o apoio da maioria parlamentar.