segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Opinião do dia – Luiz Sérgio Henriques*

Não é preciso muito esforço de imaginação para notar que, hoje, o Brasil oficial está enganchado nesse trem de ideologias fantasmas. Segundo o ministro Celso de Mello, aliás, trevas dominam o poder de Estado ou ameaçam dominá-lo. Vivemos em primeira pessoa um dos paradoxos mais agudos da democracia, que é o de permitir que antidemocratas às vezes triunfem. Mas os democratas, sem abdicar dos próprios meios legais e pacíficos, saberão travar a luta hegemônica, que agora é, em essência, luta por difusão e enraizamento de valores civilizatórios comuns. Por isso, o triunfo dos outros será sempre provisório.

*Tradutor e ensaísta, é autor de ‘Reformismo de esquerda e democracia política’ (Fundação Astrojildo Pereira, 2018). ‘A luta hegemônica, hoje’, O Estado de S. Paulo, 15/9/2019.

Fernando Gabeira - A saga dos talibãs tropicais

- O Globo

Se os gays desaparecessem do mundo, Crivella ficaria amuado, sem um tema

Liberdade de expressão e democracia ocuparam grande parte da agenda da semana. Volto a elas porque, nesses casos, o tema nunca é antigo. E volto também porque talvez minha experiência possa acrescentar algo. Refiro-me à decisão de Crivella de censurar o beijo gay num dos livros da Bienal.

Eu o conheço um pouco. Em 2008, quando começava a campanha eleitoral, éramos candidatos. Ele me criticou por apoiar a relação de homem com homem. Respondi apenas que isso não era o mais interessante para mim naquele momento. Vivíamos uma epidemia de dengue, como hoje vivemos, e o que me interessava era a relação do homem com o mosquito.

Crivella está de novo no limiar de uma campanha eleitoral. É hora de tirar o tema do homossexualismo da cartola e tentar agrupar sua tropa de fiéis eleitores. Nada mais que isso. Agora não é apenas candidato. É o prefeito do Rio. Não é ingênuo a ponto de ignorar que sua ação vai promover a venda do livro alvo de sua cruzada.

Para ele, isso não tem muito importância. Não quer verdadeiramente combater o homossexualismo, mas agrupar alguns votos. Se os gays desaparecessem do mundo, ele ficaria amuado no seu canto, sem um tema para aquecer a campanha.

Foi muito animador ver a reação dos artistas e a pronta resposta do STF. Definiu-se um limite que dificilmente será transposto no Brasil, sem destruir também as bases da democracia.

No passado foi diferente. A batalha contra a censura do filme “Je vous salue, Marie”, de Jean-Luc Goddard, foi mais difícil porque aconteceu no auge de um plano econômico.

Sarney não tinha razão para temer. O filme, que exibi como um ato de desobediência em inúmeros lugares, se fosse às salas de cinema não iria durar mais do que dois dias, por falta de público.

Aqui na atmosfera da fronteira norte, diante da reação nacional a Crivella, sou mais otimista em considerar improvável uma teocracia puritana, do tipo do Irã, no país.

Rosiska Darcy de Oliveira - Resistência e esperança

- O Globo

Presidente não entende o papel de chefe da nação

Quem, como os escritores, trabalha com palavras, conhece seu poder de ferir. Demagogos também o conhecem, usam e abusam dessa arma de alto potencial ofensivo.

O presidente da República sabe o que faz quando insulta pessoas, instituições, nações. O presidente é isso aí e não mudará. Suas palavras dizem tudo sobre quem ele é.

Não entende o papel de chefe da nação, a diversidade da população brasileira e o valor da democracia como espaço de convivência entre diferentes. Seus alvos têm um denominador comum: não são, não vivem, não pensam como ele.

Aposta em que todos aqueles que trata como adversários ou inimigos reajam no mesmo tom brutal com que são atacados, igualando-se a ele na vala comum de seus ódios e vinditas. Cenário de guerra, ideal à língua que fala e à sua estratégia de ataque às pessoas e de destruição das instituições, deixando uma terra arrasada em que a única lei seria a sua.

A coragem e dignidade que os jornalistas, que seu filho chama de canalhas, têm mantido, diz muito sobre quem somos e sobre a força de uma cidadania que não se intimida e exerce o poder do fato e do argumento contra a mentira e o baixo calão. Mas o desafio é mais amplo. Vai além da mídia. É para todos, cada vez mais numerosos, que não aceitam o deliberado e sistemático ataque à democracia: construir uma ação consistente de resistência e de esperança.

Cacá Diegues - O desejo de todos

- O Globo

Líder de democracia deve se propor a representar o desejo da nação, nunca só os interesses dos que o elegeram

Numa democracia de verdade, é sempre muito difícil determinar o que deseja a maioria. Sobretudo no presidencialismo, a maioria se manifesta e é compreendida através do voto, apenas de quatro em quatro anos, podendo muito bem mudar de opinião depois de uma eleição, num prazo curto ou não. Aliás, a democracia não foi mesmo inventada para garantir a ditadura da maioria.

Embora seja necessário reconhecer que sem a manifestação da maioria não há democracia possível, é preciso não deixar de considerar que a democracia existe também para garantir o direito à voz e à ação das minorias. Essa talvez seja a mais cara e nobre causa democrática possível, a menos óbvia e imediatista. Uma vez escolhido pela maioria dos que votam, o verdadeiro líder de uma verdadeira democracia deve se propor a representar o desejo da nação, nunca reduzido apenas aos interesses daqueles que o elegeram.

Em geral, a maioria se interessa apenas em garantir seus desejos e seus privilégios no conjunto de seus iguais. Enquanto as minorias estão sempre empenhadas na luta por um novo conjunto de direitos que elas pretendem ser capazes de beneficiar a totalidade dos cidadãos. A democracia de um país só faz se fortalecer no centro dessa dialética pacífica entre maioria e minorias. Talvez até seja isso mesmo a democracia.

Nosso atual presidente, legitimamente eleito por uma maioria de votos que o escolheu, não pode se considerar representante apenas dessa maioria, nem tratá-la como se ela fosse a nação. Até mesmo pelos números de sua eleição. No segundo e decisivo turno de 2018, 8,6 milhões de votos foram nulos, 2,4 milhões em branco, com uma abstenção de 31,3 milhões de eleitores. Ou seja, 42,3 milhões de votos que, se somados aos de seu adversário, formarão um número muito superior ao dos seus.

Marcus André Melo* - A velocidade que almejamos na democracia

- Folha de S. Paulo

Trilema: reconciliar democracia, constitucionalismo e eficiência

Por que alguns países são rápidos na resposta a questões que estão na agenda pública enquanto outros caracterizam-se por paralisia decisória e inação?

A escolha de instituições depara-se com um trade off entre tirania e anarquia. Se apenas uma instituição —a legislatura ou o Poder Executivo— concentra toda a autoridade pública, a probabilidade de abuso por um indivíduo ou facção aumenta. Se a autoridade é fragmentada entre inúmeros atores, a probabilidade de se produzir decisões coletivas e implementá-las reduz-se muito. No limite, a própria capacidade de manter a ordem colapsa e o caos se instaura.

Matthew McCubbins analisou o dilema em termos do que denominou decisiveness —a capacidade de o sistema institucional aprovar e implementar mudança de políticas— e sua resoluteness —a capacidade de manter e comprometer-se com políticas aprovadas. O dilema é claro: um arranjo institucional mais decisivo produz menor resiliência e maior volatilidade.

Celso Rocha de Barros* - Movimento bolsonarista reflui e radicaliza

- Folha de S. Paulo

Eleitor puramente antipetista parece ter abandonado o presidente

O bolsonarismo como movimento político está refluindo, e Bolsonaro tenta compensar isso com golpe de Estado e uso da máquina.

Os bolsonaristas inteligentes sabem que a eleição de 2018 foi uma mistura de contingências que não devem se repetir: a facada, a desistência de outsiders como Joaquim Barbosa e Luciano Huck, a prisão de Lula, o casamento entre bolsonarismo e lavajatismo, o naufrágio das candidaturas ligadas a Temer. Essa onda atraiu as elites econômica e política para Bolsonaro nas últimas semanas do primeiro turno. Agora a onda refluiu e o sistema busca alternativas.

O voto puramente antipetista parece ter abandonado Jair. Sua taxa de aprovação é semelhante à proporção do eleitorado que o apoiava antes da disparada no primeiro turno.

É cada vez menos claro o que, exatamente, Bolsonaro tem a oferecer como programa econômico que seus concorrentes na direita não tenham. Suas únicas propostas que não estavam nos programas de Alckmin e Meirelles —a capitalização da Previdência e a CPMF— foram fracassos constrangedores. Se você gosta de ortodoxia econômica, é pouco provável que Bolsonaro seja sua única alternativa de voto em 2022.

Vinicius Mota - República de contradições

- Folha de S. Paulo

Pesquisa historiográfica preenche lacunas e questiona entendimentos tradicionais sobre o período

Os 130 anos da proclamação da República, a completarem-se no próximo dia 15 de novembro, dão vazão a uma onda de publicações que em geral procuram fazer algum tipo de balanço desse longo e acidentado período.

Alterações de regime sempre provocam indagações interessantes, a começar do grau de rompimento com o passado que de fato introduziram.

Do ponto de vista da economia e da sociedade, a maior mudança ocorreu sob o Império e ajudou a acabar com ele. Tratou-se da abolição do trabalho escravo e do início da importação maciça de imigrantes europeus.

Leandro Colon - O recado do STF a Moro

- Folha de S. Paulo

Cresce a aposta de que Segunda Turma votará pela suspeição do ex-juiz no caso do tríplex

Não bastasse a fritura que vem sofrendo por parte do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Sergio Moro (Justiça) pode ser derrotado em breve pelo STF em julgamento sobre métodos da Lava Jato.

A dica foi dada pelo ministro Gilmar Mendes em entrevista que concedeu à Folha e ao UOL, em Brasília.

Para o ministro, a popularidade de Moro, bem acima da de Bolsonaro, segundo o Datafolha, não deve influenciar no julgamento da Segunda Turma sobre a suspeição do ex-juiz no caso do tríplex de Guarujá.

“Se um tribunal passar a considerar esse fator, ele que tem que fechar, porque perde o seu grau de legitimidade”, disse o ministro do STF.

Ruy Castro* - Orgulhosamente sós

- Folha de S. Paulo

É como acabam os governantes que traem, humilham e se desfazem de seus aliados

A primeira vez que ouvi a expressão foi em meados de 1973, em Portugal, ainda sob uma ditadura de mais de 40 anos. O primeiro-ministro Marcello Caetano, sucessor do odiado Oliveira Salazar, foi à televisão e anunciou que, mesmo tendo contra si a opinião mundial, não negociaria com os movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, suas colônias na África. A guerra colonial, já perdida para o país, sangrava não apenas a economia, mas a juventude portuguesa —os poucos jovens que se viam nas ruas de Lisboa usavam farda e tinham um braço ou perna a menos. E, então, Marcello Caetano disse que os portugueses não se importavam de ficar “orgulhosamente sós” diante do mundo.

Seria uma frase bonita se Caetano tivesse consultado os portugueses —o que ele não fez. Sua fala refletia somente a intransigência de meia dúzia de generais e banqueiros, habituados a mandar sem dar satisfações. Só que, em 1973, as antigas alianças estavam dando lugar a algo chamado pragmatismo. Pouco depois, quando a Guiné-Bissau declarou unilateralmente sua independência, Caetano deve ter caído da cadeira ao ver que, entre os países que reconheciam essa independência, estava o Brasil, velho capacho do salazarismo.

Denis Lerrer Rosenfield* - Futuro incerto

- O Estado de S.Paulo

O presidente continua entendendo a política como atividade voltada para contemplar seus amigos e sua família, enquanto considera todos os que dele discordem ou o critiquem como um inimigo potencial ou atual

Passados oito meses do novo governo, a incerteza impera. O presidente continua entendendo a política como atividade voltada para contemplar seus amigos e sua família, enquanto considera todos os que dele discordem ou o critiquem como um inimigo potencial ou atual. O resultado é a constante polarização do campo político, numa espécie de guerra incessante. Do ponto de vista econômico, a promessa liberal e inovadora do novo mandatário pouco produziu até agora, com a economia no marasmo, se não estagnada.

Apesar do discurso radicalizado de que tudo seria diferente, o “novo” tomando o lugar do “velho”, numa retomada do lema lulista do “nós contra eles”, com os polos invertidos, nada de verdadeiro novo se vislumbra, salvo o impasse e a incerteza. O que era compreensível num embate eleitoral deixa de sê-lo quando a tarefa primeira consiste na arte de governar, com os ritos e as negociações próprias de uma democracia. A democracia toma tempo, exige aprendizado e não tolera atalhos.

Na polarização eleitoral, o governo Temer praticamente desapareceu, isso porque o candidato Bolsonaro assumiu a posição daquele que iria dar combate ao PT, à esquerda e à sua doutrina, focando na crítica ao politicamente correto. Acertou enquanto estratégia eleitoral, errou no diagnóstico da situação real.

José Goldemberg* - Políticas públicas e ‘modismos’

- O Estado de S.Paulo

A aprovação de projetos passa sempre por uma criteriosa análise de cientistas qualificados, como fazem no Brasil o CNPq, a Capes e a Fapesp

A revolução tecnológica nas telecomunicações que se verificou nas últimas décadas, com telefones celulares, GPS e internet, deu origem ao comércio eletrônico, ao Uber e tantas outras aplicações que criou a sensação que ela não tem limites. Inteligência artificial, robôs e automóveis elétricos são apenas algumas das áreas que são hoje investigadas intensamente nas universidades com o apoio entusiástico de grandes empresas, como Google e Apple.

Esse apoio depende muito de decisões tomadas por empreendedores que tiveram enorme sucesso na revolução da informática, como Bill Gates, Jeff Bezos, da Amazon, e Ellon Musk, com um marketing que atrai investidores criando um verdadeiro “efeito manada”.

O que a História mostra, contudo, é que os grandes avanços em todas as áreas da ciência e tecnologia se originaram, em geral, em universidades e institutos de pesquisa financiados por órgãos governamentais onde os critérios de escolha e aprovação de projetos são impessoais. A liberdade na escolha dos problemas que os cientistas desejam investigar é o grande motor das inovações. A aprovação de projetos passa sempre por uma criteriosa análise de cientistas qualificados, como fazem no Brasil o CNPq, a Capes e a Fapesp.

Essas inovações são postas em prática por empreendedores que adotam duas estratégias para a expansão dos seus negócios:

• Criar laboratórios próprios onde a pesquisa é orientada aos objetivos da empresa;
• e doar vultosos recursos às universidades e aos institutos de pesquisas, sob a forma de filantropia.

Cida Damasco - A nova teoria do bolo

- O Estado de S. Paulo

Investimento público reforça polarização no debate sobre retomada

A impaciência com a estagnação da economia brasileira é consenso. A urgência de uma política econômica pró-crescimento, que vá além das reformas constitucionais, também. Daí para frente, no entanto, aparecem as discordâncias. E a principal delas está ligada à viabilidade de se acionar o investimento público para acelerar esse processo. Guardadas as devidas proporções, é como se estivéssemos numa máquina do tempo, de volta aos anos 70, do chamado milagre econômico, quando o debate sobre distribuição de renda traduzia-se em "primeiro fazer o bolo crescer para depois reparti-lo" ou "reparti-lo enquanto estivesse crescendo".

A teoria do bolo do momento, defendida pelo governo e por grande parte dos economistas, é primeiro reequilibrar a situação das contas públicas e só depois pensar em investir. Recorrer a um "impulso fiscal" para ajudar a tirar o País da estagnação é uma tese ainda vista com desconfiança, embora comece a atrair alguns especialistas da ala liberal. A queda brutal do investimento público é uma realidade que salta à vista. O Orçamento de 2020 chegou ao Congresso com uma previsão de investimentos da União de apenas R$ 19,3 bilhões, a menor em uma década. Números que indicam o risco de manutenção de uma infraestrutura insuficiente, ultrapassada e mal conservada, um dos fatores que mais limitam o avanço do País.

Sergio Lamucci - O alívio fiscal do juro mais baixo

- Valor Econômico

Juros consideravelmente mais baixos devem ajudar a retomada e levar a um alívio fiscal

O Brasil caminha para testar juros ainda mais baixos nos próximos meses. Com a recuperação lenta da economia, grande ociosidade, inflação baixa e um ambiente global de taxas de juros no chão ou até negativas, há um número crescente de analistas projetando uma Selic abaixo de 5% ao ano no fim de 2019 - hoje, está em 6%, e o Banco Central (BC) deve cortá-la para 5,5% nesta semana. O aspecto mais positivo é que aumentou a possibilidade de que os juros fiquem estruturalmente menores, dada a perspectiva mais favorável para as contas públicas no longo prazo. Além da iminente aprovação da reforma da Previdência, a contenção dos gastos governamentais e do crédito público contribui para manter a taxa básica em níveis civilizados.

Juros consideravelmente mais baixos devem ajudar a retomada e, com a combinação de mais PIB e menos despesas financeiras, levar a um alívio fiscal, como avalia o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero. Para ele, é factível um quadro em que resultados primários (excluindo gastos com juros) não muito longe de zero sejam suficientes para estabilizar a dívida pública bruta, que saltou de 51,5% do PIB no fim de 2013 para os atuais 78,7% do PIB. Nos 12 meses até julho, o setor público consolidado teve déficit primário de 1,41% do PIB.

Fatores cíclicos e estruturais derrubam a Selic
Nas contas do Itaú Unibanco, um superávit primário de 1% do PIB é suficiente para estabilizar a dívida bruta, considerando um juro neutro em torno de 2,2% para 2019 - a taxa neutra é a que, descontada a inflação, possibilita a economia crescer sem pressionar os preços. Com um juro neutro na casa de 5,5%, que vigorou entre 2008 e 2014, o superávit primário para impedir a alta da dívida da bruta era bem mais alto, chegando a 2,5% do PIB. O cenário do banco pressupõe crescimento médio de 2,2% entre 2020 e 2027.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Entre o abismo e o fundo do poço

- Valor Econômico

A força principal da retomada virá da queda e estabilização da inflação em níveis nunca atingido nas últimas décadas

Entramos no nono mês do mandato do presidente Bolsonaro com parte expressiva da opinião pública refletindo uma grande insegurança em relação ao futuro. O título da minha coluna de hoje procura estabelecer os limites das previsões dos principais analistas políticos e econômicos sobre o que pode ocorrer no futuro próximo, até a realização das eleições de 2020.

Para o cientista político Fernando Schuller do Insper no artigo “O Brasil e a síndrome de abismo”, na Folha de S. Paulo, seria a mensagem que agentes públicos importantes têm trombeteado como sendo uma possibilidade real de acontecer. Schuller procurou desqualificar de forma contundente, e com certo humor, estas ameaças lançadas na mídia por pessoas apenas interessadas em construir desde já um discurso eleitoral para o futuro.

Como ressaltou o autor, as ameaças vêm tanto do espectro da oposição de centro-direita como da direita bolsonarista e são construídas apenas com insinuações e sem qualquer elemento factual. Mas esta mensagem do caos que nos espera acaba por enfraquecer os ganhos efetivos que já ocorreram nos pós-afastamento da presidente Dilma Rousseff e que ele cita com precisão.

Da mesma forma penso eu em relação à nossa economia. O sentimento negativo que prevalece nestes primeiros nove meses do governo no campo da política também pode ser encontrado entre os analistas econômicos. Ele pode ser expresso pela pergunta sempre colocada na mídia: chegamos ou não ainda ao fundo do poço?

Alguns mais radicais são mais cáusticos em suas previsões negativas e chegam perto da imagem do abismo citada no campo da política por Schuller. Neste grupo até mesmo o discurso liberal do ministro Paulo Guedes já está sendo contestado por estar sendo desidratado pelas limitações políticas encontradas em sua implementação.

Bruno Carazza* - Pizza com caipirinha

- Valor Econômico

Mercado ignora vantagens de uma política melhor

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a Itália teve 45 primeiros-ministros - quase o triplo do Reino Unido, que no mesmo período contou com apenas 16 chefes de governo, incluindo o controverso Boris Johnson. Traumatizada pelo fascismo de Mussolini e assombrada pelo comunismo que se alastrava do outro lado do Adriático, a nova República italiana se ergueu no pós-guerra apoiada num sistema político que estimulava o pluralismo partidário e a formação de grandes coalizões.

Em 1992, um caso de propina em um asilo estatal puxou o novelo de um grande esquema de corrupção que envolvia partidos de todo o espectro político (da Democracia Cristã ao Partido Socialista) e as maiores empresas estatais e privadas do país (Eni, Enel, Fiat e Ferruzzi), além de quatro ex primeiros-ministros e centenas de parlamentares. O esquema ficou conhecido como Tangentopoli (“a cidade da propina”).

Mercado ignora vantagens de uma política melhor
A gravidade dos fatos apurados pela Operação Mãos Limpas abalou as bases da política italiana. Nas eleições gerais de 1994, os cinco principais partidos do país foram varridos do mapa. Com a velha ordem em descrédito, emergiu uma nova força: Silvio Berlusconi.

Ricardo Noblat - Vem por aí uma ampla reforma ministerial

- Blog do Noblat | Veja

Começar de novo

Antes de se internar para ser operado, o presidente Jair Bolsonaro autorizou ministros que o cercam mais de perto a esboçarem uma ampla, geral e irrestrita reforma ministerial que ele quer deflagrar logo depois da aprovação pelo Senado da nova Previdência e do nome de Augusto Aras para a Procuradoria Geral da República.

Nem Bolsonaro está satisfeito com o governo, e ao fraco desempenho da equipe atribui sua queda nas pesquisas de opinião. Aqueles tidos no passado como superministros, Paulo Guedes e Sérgio Moro, poderão escapar da degola, mas nem mesmo eles têm lugar garantido. Vai depender de acertos que fizerem com o capitão.

Guedes não entregou o que prometia – sinais convincentes de recuperação da economia. Ela patina. E Moro… Sabe como é. Bolsonaro está convencido de que Moro quer sucedê-lo. Ficará no governo se não resistir a mudanças na Polícia Federal. Do contrário, Bolsonaro já tem um general para substitui-lo.

O ministro da Educação tem tudo para ir dançar na chuva longe de Brasília. Bolsonaro admite que errou ao escolhê-lo, como antes havia errado na escolha do ministro que o antecedeu. Por mais que goste de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, Bolsonaro acha que ele já deu o que poderia dar.

O que pensa a mídia – Editoriais

- Editoriais de hoje

Federação e autonomia – Editorial | O Estado de S. Paulo

A reforma tributária atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados trouxe de volta a questão sobre o pacto federativo. Em artigo publicado no Estado (Tributação em números, 12/9/2019), o senador José Serra (PSDB-SP) lembrou que, “do ponto de vista tributário, o Brasil é o país federativo mais descentralizado do mundo. (...) De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Estados e municípios brasileiros se apropriam de 56,4% da arrecadação interna de impostos. Em média, essa participação é de 30,9% nos países federados situados em nossa faixa de renda e de 49,5% entre os mais ricos”.

Essa descentralização é consequência direta do pacto federativo decorrente da Constituição de 1988, que definiu a autonomia como regra. A Carta Magna define, por exemplo, que “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. A Constituição define os princípios, mas a organização de cada Estado e município deve ser fixada pelo ordenamento jurídico específico de cada ente. Reafirmando a autonomia dos Estados, “são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”, diz o art. 25, § 1.º.

STF teria que fechar se considerasse popularidade de Moro ao julgá-lo, diz Gilmar

Para ministro, cúpula da Operação Lava Jato violou o Estado democrático de Direito e deveria assumir seus erros e sair de cena

Thais Arbex, da Folha |Tales Faria, do UOL

BRASÍLIA - Prestes a liberar para julgamento o pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou que a corte não pode se curvar à popularidade do hoje ministro da Justiça para tomar suas decisões.

“Se um tribunal passar a considerar esse fator, ele que tem que fechar”, disse o magistrado em entrevista à Folha e ao UOL.

Gilmar Mendes foi o primeiro convidado de um programa de entrevistas de Folha e UOL que estreia neste domingo (15). O programa faz parte da inauguração de um estúdio compartilhado pelas duas Redações em Brasília.

Crítico ferrenho da Lava Jato, o ministro afirmou que as mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, mostram um “jogo de promiscuidade”.

“O conúbio entre juiz, promotor, delegado, gente de Receita Federal é conúbio espúrio. Isso não se enquadra no nosso modelo de Estado de Direito.”

Sem citar o nome de Moro nem do coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, Gilmar disse que o Brasil precisa “encerrar o ciclo dos falsos heróis” e defendeu que a cúpula da força-tarefa assuma que cometeu erros e “saia de cena”.
“Simplesmente dizer: nós erramos, fomos de fato crápulas, cometemos crimes. Queríamos combater o crime, mas cometemos erros crassos, graves, violamos o Estado de Direito.”

Popularidade de Moro
Se um tribunal passar a considerar esse fator, ele que tem que fechar, porque ele perde o seu grau de legitimidade. A população aplaude linchamento. E a nossa missão, qual é? É dizer que o linchamento é legal porque a população aplaude? A volúpia, a irracionalidade leva a desastres.

No caso do juiz, isso é mais grave porque ele tem que aplicar a lei. Do contrário, a nossa missão falece. Se é para sermos assim legitimados, entregamos, na verdade, a função ao Ibope.

O processo penal, em geral, não envolve Madre Teresa de Calcutá. Envolve pessoas que podem ter cometido crimes. Ainda assim, elas têm direitos e esses direitos precisam ser respeitados.

Moro e Deltan Dallagnol
As pessoas percebem que esse promotor não está atuando de maneira devida. Esse juiz não está atuando de maneira devida. Se nós viermos a anular ou não esses julgamentos, o juízo que está se formando é o de que não é assim que a Justiça deve funcionar. Que isso é errado, que essas pessoas estavam usando as funções para outra coisa. Isso ficou cada vez mais evidente.

Supremo sob ataque
O país entrou, de uns tempos para cá, isso não é de agora, num processo de acendrada polarização, no final do primeiro governo Dilma [Rousseff] e no início do segundo governo Dilma.

O tribunal, em geral, ficou isolado. A mídia fez esse tipo de eco. O Supremo foi muito vilipendiado nesse contexto, embora o tribunal tivesse um ativo consigo. Foi o tribunal que condenou os mensaleiros, foi o tribunal que levou a cabo sem produzir diatribes processuais, sem produzir violações. Só mandou prender depois do trânsito em julgado.

Ameaças à democracia
Considerando os nossos antecedentes históricos, devemos sempre ter cuidado. Comemoramos no ano passado 30 anos de normalidade institucional, 30 anos de democracia sob a Constituição de 1988, e acho que devemos prosseguir nesse trabalho de construção e reconstrução institucional.

Poesia | Fernando Pessoa - A Praça

A praça da Figueira de manhã,
Quando o dia é de sol (como acontece
Sempre em Lisboa), nunca em mim esquece,
Embora seja uma memória vã.

Há tanta coisa mais interessante
Que aquele lugar lógico e plebeu,
Mas amo aquilo, mesmo aqui ... Sei eu
Por que o amo? Não importa. Adiante ...

Isto de sensações só vale a pena
Se a gente se não põe a olhar para elas.
Nenhuma delas em mim serena...

De resto, nada em mim é certo e está
De acordo comigo próprio. As horas belas
São as dos outros ou as que não há.

Música | Mônica Salmaso - Valsinha