O REAL, DE FH A LULA
Carlos Alberto Sardenberg
Carlos Alberto Sardenberg
Pode parecer inoportuno celebrar os 14 anos do Real quando todos aqui estão inquietos com a inflação. Mas mesmo o teor dessa inquietação justifica a comemoração.
A inflação está passando dos 4,5% do ano passado (medida pelo IPCA) para algo entre 6% e 6,5%, conforme a expectativa dominante hoje. Essa alta de dois pontos, em apenas um ano, é um problema dos grandes. Mais ainda quando se lembra que a inflação de 2006 foi de comportadíssimos 3,1%.
Mas o contexto faz toda a diferença. Na era pré-Real, a estabilidade já havia sido conquistada pelos países emergentes mais importantes. Apenas o Brasil vivia com inflação alta e crônica.
Hoje, entre os quatro emergentes mais importantes - Brasil, Rússia, Índia e China, o grupo BRIC - a menor inflação é a brasileira, rodando na casa dos 5,5% anuais. A Rússia está em torno dos 15%, a China e a Índia, um pouco abaixo dos 8%.
Além disso, a inflação é hoje uma questão mundial, atingindo também os países desenvolvidos, onde a alta de preços tolerada é de 2% ao ano. Nos EUA, os índices cheios apontam inflação anual acima dos 4%. Na Zona do Euro, 3,7%. Na Inglaterra, 3,3%, a maior em muitos anos.
Mas, se a questão é mundial, a natureza da atual crise inflacionária é bem diferente daquela vivida nos anos 70 e 80. Naquela época, houve vários episódios de hiperinflação nos países emergentes. Nos desenvolvidos, a alta de preços chegou aos 15%.
Hoje, aqui no Brasil, estamos lidando com uma inflação anual de 6%, algo que, antes do Real, o país chegava a fazer em uma semana, e sem nenhum esforço.
Resumo da ópera: a inflação atual ocorre em um país com estabilidade macroeconômica e cuja política econômica detém os instrumentos para combater a tempo a alta de preços.
O principal é o Banco Central, independente na prática e que opera, com sucesso, o regime de metas de inflação, introduzido em 1999 no FHC-2 e reforçado no governo Lula. Eis um sinal de estabilidade: da equipe econômica de Lula, o único titular que está lá desde o primeiro dia é Henrique Meirelles, presidente do BC.
Mais ainda: o atual ciclo de alta de juros é o terceiro promovido pelo BC de Lula.
Nos dois anteriores, conseguiu trazer a inflação para a meta central, de 4,5%.
O movimento dos juros nos últimos cinco anos e meio mostra o caminho da estabilidade. O BC de Lula aumentou a taxa básica de juros em sua primeira reunião, em janeiro de 2003, para 25,5%. Seguiu puxando até 26,5%, o pico da atual gestão. O primeiro ciclo de baixa iniciou-se em julho de 2003 e durou nove meses. Em abril de 2004, a taxa chegou a 16%.
Voltou a subir em setembro daquele ano, numa situação parecida com a atual. Atividade econômica muito aquecida (o PIB de 2004 subiria 5,7%, recorde do governo Lula), com a capacidade de produção insuficiente, gerando inflação.
Em maio de 2005, o BC colocou a taxa de juros em 19,75% e aí estacionou por quatro meses. Em setembro, começou um longo processo de redução, que durou exatos dois anos. Em setembro de 2007, a taxa chegou a 11,25%, o nível mais baixo da era Lula. Voltou a subir em abril deste ano e, segundo a expectativa de mercado, deve chegar a 14,25% antes de dezembro.
Verifica-se que, a cada movimento de alta, o pico é menor. E o vale, mais baixo. Continuando assim, a inflação atual cede em algum momento entre o final deste ano e o início do próximo, quando o BC iniciaria mais um ciclo de redução de juros.
Mas a estabilidade macroeconômica do Real tem ainda outras duas pernas. A primeira está no controle das contas públicas (superávit primário para alcançar a meta de redução do endividamento), tudo obtido com a Lei de Responsabilidade Fiscal, os acordos que equacionaram as dívidas de estados e municípios e a privatização dos bancos estaduais perdulários. A segunda perna é o câmbio flutuante, introduzido em janeiro de 1999.
Foi um mérito do presidente Lula ter mantido esse conjunto e avançado na construção da estabilidade, especialmente com a compra de dólares que levou as reservas a US$200 bilhões e resolveu a questão da dívida externa.
Uma pena que não tenha aproveitado o momento excepcional para avançar na estabilização, com a contenção do gasto público e a eliminação da vulnerabilidade representada pela dívida interna.
CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista.
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