quinta-feira, 3 de julho de 2008

DEU EM O GLOBO

INGRID LIVRE!
Míriam Leitão


O tempo amanheceu fechado ontem em Bogotá. De tarde, o sol abriu como se até o clima comemorasse a grande notícia: Ingrid Betancourt, enfim, livre! Alvaro Uribe fica muito forte depois disso. Ele libertou, a seu modo, o principal trunfo dos terroristas. Hoje o presidente da Colômbia já tem 84% de popularidade, mas, se usar isso como munição pelo terceiro mandato, terá se igualado ao seu inimigo: Hugo Chávez.

À tarde, quando o sol abriu, o quadro político se desanuviou também. "A paz na Colômbia é possível", disse a ex-senadora, na sua primeira mensagem ao país. Mas ainda há um enorme caminho até a paz. Existem milhares de outros seqüestrados nas mãos dos terroristas das Farc, do Exército de Libertação Nacional e dos Paramilitares. Os Para são milícias que surgiram inicialmente para combater os terroristas, mas que depois passaram a se dedicar também ao tráfico de drogas.

Uribe foi criticado por não negociar, por não atender às exigências das Farc. As críticas vieram da família de Ingrid, do presidente da França e, obviamente, do presidente Chávez, que garantia ter outro caminho para libertá-la, mas Uribe decidiu manter seu plano e seu estilo. A operação foi arriscada: infiltrar no secretariado das Farc e preparar o resgate sem mortos. Quando o ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, anunciou que os reféns estavam "voando, livres, sãos e salvos", a Colômbia parou, o mundo parou um breve momento que fosse só para comemorar a extraordinária notícia, pela qual tantos sonharam tanto tempo. Um pouco antes, dentro do helicóptero, segundo relatou Ingrid, eles ouviram as palavras mágicas: "Somos o Exército Nacional. Vocês estão livres!"

É uma vitória da causa humanitária, e da família de Ingrid, que nunca desistiu. "Ganhamos uma batalha pela liberdade", afirmou Lorenzo, o filho, ao lado da irmã Melanie. O presidente Nicolas Sarkozi também se disse vitorioso e agradeceu a ajuda: de Chávez, Uribe, Argentina, Espanha e Suíça. "Todos os que nos ajudaram em algum momento." Seu discurso foi construído como se tivesse sido o processo de negociação, e não a operação de inteligência militar, o responsável pela libertação. Uma operação que não provocou baixas, e que Ingrid definiu, com veemência, em duas línguas, como "perfeita".

As Farc estão enfrentando seu pior momento em 44 anos de luta. Perderam recentemente o maior comandante, Manuel Marulanda, o Tirofijo. Perderam o secretário Raúl Reyes. Perderam as informações comprometedoras, que estavam no computador de Reyes e que mostram a ligação entre os terroristas e alguns governos vizinhos. E estão perdendo gente diariamente. As deserções já chegam a dois mil terroristas que aceitaram as propostas feitas pelo governo da Colômbia de indulto e reinserção na vida civil do país.

Uribe tem muito a comemorar, mas também tem problemas. Na área política, os constrangimentos causados pelas acusações de que deputados da sua base têm ligações com os paramilitares, igualmente fora-da-lei. Trinta dos deputados já estão presos pelas fortes evidências de que foram financiados pelos Para. Ao todo, 60 deputados são acusados de serem da bancada dos paramilitares. Outro problema de Uribe é o "Caso Yidis", a deputada que confessou ter recebido dinheiro para votar a favor da reeleição dele. Hoje ela está presa. Para ter um terceiro mandato, Uribe tem que passar por esse Congresso desmoralizado e enfrentar o único poder que tem alguma independência: a Justiça.

Apesar da vitória militar sobre os terroristas, o presidente colombiano não tem avançado sobre outro grande inimigo: o tráfico de drogas. A ONU informou que a área de plantio de drogas tem se ampliado na Colômbia. Na economia também, Uribe começa a ter reveses: a inflação já está em 7% no ano, o forte ritmo de crescimento está se reduzindo, em parte, pela crise na economia americana; maior mercado do país.

Um artigo publicado no jornal "El Nuevo Herald", de autoria de Andrés Oppenheimer, afirma que a maioria dos analistas políticos da Colômbia acredita que Uribe, sim, quer um terceiro mandato.

Uma das provas disso é o fato de seu partido já ter começado a reunir os dois milhões de assinaturas para fazer um referendo e "o partido de Uribe jamais tomaria uma decisão dessas sem a luz verde do presidente". O texto vai além e afirma que "se Uribe mudar a Constituição para voltar a concorrer, estará enfraquecendo as instituições colombianas e perderá toda sua autoridade moral para criticar presidentes autoritários como Chávez". É exatamente isto: não haverá diferença entre ele e Chávez se tentar essa manobra continuísta.

O cientista político Felipe Botero, ouvido ontem pela Débora Thomé, em Bogotá, ressaltou que as Farc estão com baixíssima popularidade na Colômbia e que o presidente hoje poderá amanhecer com 90% de aprovação. Uribe está sendo visto como o pacificador da Colômbia.

Foi uma longa noite na vida de Ingrid Betancourt. Uma militante verde, numa época em que ambientalistas ainda eram chamados de "ecochatos", que queria apenas aproveitar a campanha eleitoral para promover idéias do seu partido, "Oxigênio Verde". Acabou sendo o maior trunfo, a maior moeda de troca, de um truculento grupo terrorista. Só ela sabe o que viveu. Mas viveu para ver que se tornou um símbolo da liberdade nos quatro cantos do mundo. Viveu para hoje de manhã reencontrar os filhos.

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