quinta-feira, 3 de julho de 2008

IMPERFEIÇÕES DEMOCRÁTICAS
Germano Rigotto

O senso comum costuma perceber a democracia apenas em sua dimensão filosófica, o que se traduz na aceitação da dignidade da pessoa humana, da prevalência do bem comum, das liberdades individuais e públicas, do pluralismo e dos direitos naturais. Certamente, grande parte da sociedade e dos políticos incorpora esses preceitos.

Entretanto, democracia não se resume apenas a isso. Ela agrega também uma importante dimensão formal ou estrutural, na qual se encaixam o sistema eleitoral, os partidos, a regra do jogo político, o equilíbrio entre os poderes de Estado, dentre outros aspectos. A primeira dimensão, então, diz respeito à exigência de ideais elevados; a segunda, à necessidade de um ordenamento jurídico e de uma prática pública que transformem em realidade tais propósitos.

Ocorre que a democracia, assim como diz um ditado popular, não vive só de boas intenções. Ora, mesmo os mais retos desígnios perdem força dentro de um sistema eleitoral incoerente e injusto. E este, por sua vez, também perde significação quando faz emergir mandatários despidos das virtudes morais que a sociedade tanto preza. Portanto, a democracia, para merecer esse nome, exige essas duas simultâneas condições: ideais elevados e uma prática que estimule sua concretização no mundo dos fatos.

O mais difícil já foi conquistado pelo Brasil: temos, hoje, a majoritária adesão social e política ao ideário democrático. Todavia, em relação ao segundo passo - o da estruturação da democracia - ainda estamos em débito. Não é preciso ser especialista para notar que a esclerose institucional brasileira tem reduzido a vitalidade do tecido orgânico do Estado. Nosso sistema transforma os mandatos numa máquina de reeleição, mantém os eleitos distantes dos eleitores e vice-versa, não coaduna maioria parlamentar com governo, incita crises institucionais, dá margem ao fisiologismo, ao clientelismo e à corrupção e tende a aparelhar o Estado.

Bartolomeu de Gusmão, quando fazia suas experiências com balões, ia soltando, uma a uma, as amarras que os prendiam ao chão. Removida a última, o balão subia e iniciava sua trajetória rumo aos céus. O Brasil, depois do período ditatorial, soltou diversas de suas amarras. Muitas delas, porém, ainda continuam com um nó bem firme, atravancando o progresso da nação.
Removê-las exige coragem, espírito público e disposição para reorganizar o sistema político nacional. E, aí sim, nosso país poderá ir ainda mais além, tão longe quanto os balões de Gusmão.

*Ex-governador do Rio Grande do Sul

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