SOCIEDADES EMBANANADAS
Leandro Konder
Leandro Konder
Pode não ser um termo muito científico, mas, para simplificar as idéias que vou expor, posso dizer que estamos vivendo numa sociedade embananada.
Não me refiro aqui à sociedade brasileira em sua singularidade, mas penso no modelo que nos está sendo imposto pelos países tidos como bem sucedidos.
Começando pelo problema das lideranças mundiais. Quais os nomes que marcaram as campanhas eleitorais nas últimas décadas? Lula, Collor, Fernando Henrique, Margaret Thatcher, Sarkozy, Boris Ieltsin, Bush, Vladimir Putin, Berlusconi. Não se pode dizer que a lista seja predominantemente animadora.
Uma pergunta se impõe: a chamada sociedade de massas de consumo dirigido tende a provocar uma mediocrização das lideranças? E uma relativização cínica dos valores éticos?
As coisas são interligadas. Tropeçamos, então, numa outra questão: podemos lutar por uma transformação econômica, política e cultural realmente significativa da nossa sociedade, forçando as desigualdades antidemocráticas a recuar e eventualmente até mesmo a desaparecer?
A direita está voltando a falar clara e francamente, dizendo que a pregação democrática da igualdade é demagógica. Essa sinceridade facilita o diálogo. Mas, ao traduzir os princípios teóricos em iniciativas práticas, os indivíduos mandam os escrúpulos às favas e repetem velhos macetes autoritários.
A sociedade de massas de consumo dirigido é a mediadora de uma aliança entre os produtores e difusores de produtos culturais, de um lado e, de outro, as forças que controlam o Estado. Tudo se organiza em função do mercado; tudo tende a se transformar em mercadoria.
O pensamento conceitual não tem como resistir e dá sinais de se engessar, de se petrificar. Cresce, inevitavelmente, o interesse pelas chamadas ciências paranormais.
Na França, terra da racionalidade iluminista, uma pesquisa revelou que 42% dos cidadãos franceses acreditam em telepatia; 36% acreditam em astrologia; e 33% acreditam em extraterrestres.
É evidente que seria absurdo combater essas crenças. Em geral, elas recuperam formas muito antigas de sabedoria marginalizada, que, no entanto, não perderam toda a sua riqueza significativa.
Os teóricos mais amplamente admirados, nas condições atuais, não são filósofos e não se propõem a fazer história. São escritores, cujas imagens críticas, sugestivas, relançam aspirações de algumas culturas da antiguidade.
Como integrar sujeitos individuais autônomos a uma comunidade forte? Como fortalecer na consciência das pessoas a capacidade de elas superarem sua finitude e aprenderem a viver com sabedoria a hora da morte?
No plano das aspirações, nós não avançamos muito, em comparação com os gregos, os egípcios, os chineses, os antigos judeus. A capacidade de acreditar profundamente em algumas coisas, ao contrário do que se pensa, não é histérica, não gera nenhum fanatismo. Para se desenvolver, contudo, é preciso nos desembananarmos.
O embananamento não é, com certeza, uma categoria científica ou filosófica. Quando examinamos, porém, o que está acontecendo com os Estados modernos, verificamos que, apesar das diferenças de problemas que eles enfrentam, esses Estados não têm contribuído suficientemente para uma sociedade justa. Os de cima anunciam vigorosas reformas, porém fracassam. E a violência aumenta.
Os Estados Unidos não correspondem exatamente ao que Thomas Jefferson pensava que viria depois dele. A relação entre liberais e democratas, na França, não conseguiu combinar na ação as idéias de Voltaire e Rousseau. A experiência da Rússia, depois de decretar o arquivamento do legado de Lênin, tenta superar sua crise ressuscitando (em vão) os discursos patrióticos de orgulho pelo passado glorioso.
Todos os eventuais governantes fazem o elogio das instituições em que trabalham, mas reclamam delas. Declaram seu respeito pelo quadro institucional vigente, mas não deixam de traí-lo. Dão ao povo o exemplo de violência retoricamente negada e, no entanto, praticada na clandestinidade.
Os anarquistas, acostumados às derrotas políticas na luta contra o Estado, estão rindo à toa.
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