sábado, 12 de julho de 2008

DEU EM O GLOBO


O EFEITO PF
Zuenir Ventura


Mesmo considerando os questionamentos que estão sendo feitos, insinuando excessos por um lado e favorecimentos por outro, há mais o que elogiar do que criticar na operação Satiagraha (quanto à operação Toque de Midas, não sei). De maneira geral, a Polícia Federal tem acertado mais do que errado. Em primeiro lugar, que outra instituição conseguiu no país a mesma credibilidade? Certamente não a PM, a Polícia Civil ou o Judiciário. Que força policial passa quatro anos investigando um caso? Não sei se há muitos servidores públicos em qualquer lugar do mundo capazes de recusar uma propina de US$1 milhão, como fez o delegado Victor Hugo, que teria de viver incontáveis vidas para ganhar o equivalente ao que lhe foi oferecido.

Mais preocupados com os efeitos colaterais do que com os principais, alguns denunciam os abusos formais e um certo exibicionismo da corporação, e isso deve ser combatido mesmo. Mas quem dera que esses fossem, por exemplo, os excessos das polícias militares. Um erro não justifica o outro, mas expor o ex-prefeito Celso Pitta de pijama na hora de ser preso ou algemar o banqueiro Daniel Dantas é evidentemente menos grave do que matar uma criança de três anos no Rio ou executar dois jovens rendidos em São Paulo, para citar apenas dois episódios recentes.

A PF está "espetacularizando" as operações, levando a mídia para acompanhar as prisões, acusam outros, e curiosamente escolhem para dizer isso em frente às câmeras, protagonizando entrevistas espetaculares. A chamada "sociedade de espetáculo" é o lugar ideal também para a suprema espetacularização de egos. Como diria Lula, nunca na nossa história juízes se manifestaram fora dos autos tanto quanto nestes últimos tempos. Presos algemados é uma prática antiga no Brasil. A novidade são os protestos e a indignação contra as imagens de agora (consta que até o presidente se irritou com elas). O que choca e causa indignação em autoridades do Judiciário e do Legislativo não são provavelmente as algemas, mas o seu uso indevido em pessoas de colarinho branco. Não combina. No Brasil, elas foram feitas para gente de pescoço preto. Democratizar o seu uso sem levar em conta a divisão de classes é uma subversão.

À PF o país vai ficar devendo também uma reação edificante da Justiça, conhecida pela morosidade de seus procedimentos. A celeridade com que o presidente do STF trabalhou esta semana, avançando pela noite para conceder um polêmico habeas corpus, foi extraordinária. Só não deve ter surpreendido o beneficiado, o banqueiro Daniel Dantas. Este nunca pareceu temer o que se passaria nessa alta instância. Medo mesmo, ele confessou à repórter Consuelo Dieguez, da revista "Piauí", só da Polícia Federal. Por essa afirmação e pelo gesto de recusa do delegado Vítor Hugo, a PF já mereceria respeito e admiração.

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