Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
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NOVA YORK. Confirmados, sem surpresas, os nomes da equipe que vai levar adiante a nova política de segurança nacional dos Estados Unidos na futura administração democrata de Barack Obama, ficou de mais importante na apresentação de ontem a explicitação das novas diretrizes da política externa americana que, nas palavras do próprio Obama, vai usar de maneira balanceada e integrada os elementos do que chamou de "o poder americano": militar e diplomático; informação e a força da lei; a economia e o poder do exemplo moral.
A troca da "guerra preventiva" e da submissão dos direitos humanos aos interesses imediatos do governo, por uma gestão que leve em conta os "valores" americanos de justiça e democracia, como ressaltou Obama, tem ainda mais significância no dia em que o presidente George Bush admitiu em uma entrevista à televisão que não estava preparado para a guerra e que errou ao aceitar os relatórios do serviço de inteligência sobre as supostas armas de destruição em massa do Iraque.
A admissão de que o poder mundial está cada vez mais repartido entre novos atores, que devem ter espaço para sua ação internacional e devem ser escutados em suas reivindicações, permeou todo o discurso do presidente eleito e da nova secretária de Estado, a senadora Hillary Clinton, os dois que deram o tom mais político da apresentação.
Também a futura embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Susan Rice, ressaltou o reforço do papel da organização na política externa americana. Obama definiu a nova política como capaz de "reforçar nossa capacidade de derrotar os inimigos e de apoiar nossos amigos", e a disposição de "renovar antigas alianças e forjar novas e duráveis parcerias".
Ele deixou claro que todos os desafios que se apresentam, desde as guerras em andamento até o espalhamento do poder nuclear com o perigo de que essas armas letais caiam em mão perigosas, têm uma ligação entre si, a "realidade fundamental" de que, no século 21, o destino dos Estados Unidos é dividido com o resto do mundo.
"Dos nossos mercados até a nossa segurança; de nossa saúde pública até nosso clima, precisamos agir de acordo com o entendimento de que, mais do que nunca, temos interesse no que acontece no resto do mundo".
A futura secretária de Estado, Hillary Clinton, foi ainda mais explícita na sua fala, afirmando que "nós sabemos que nossa segurança, nossos valores e nossos interesses não podem ser protegidos nem avançar apenas pela força e nem também apenas pelos americanos. Temos que perseguir uma diplomacia vigorosa, usando todos os meios para criar um futuro com mais parceiros e menos adversários; mais oportunidades e menos perigos para todos os que almejam a liberdade, paz e prosperidade".
Coube ao vice-presidente eleito Joe Biden, um especialista em política externa, especificar as mudanças que estão ocorrendo no mundo, falando sobre "as forças que estão forjando esse novo século" - às quais Obama já havia se referido, dizendo que os Estados Unidos têm condições de moldá-las, e não serem moldados por elas.
Entre elas, Biden citou a emergência de países como China, Índia, Rússia e Brasil, invertendo a ordem do acrônimo Bric, provavelmente citando os países pela importância que lhes dá.
A potencialidade do Brasil como um poder global nunca esteve tão em evidência, especialmente agora que o presidente eleito Barack Obama insiste no fato de que a dependência de petróleo dá poderes a governos autoritários e põe o planeta em perigo, colocando na mesma cesta a questão ambiental e a política.
O mundo já debate há algum tempo a questão da energia como instrumento político que está dando a países emergentes poder de protagonistas da cena internacional, alguns considerados pelos Estados Unidos como "estados-bandidos", como a Venezuela de Chávez e o Irã de Ahmajinedah.
A idéia de que a América do Sul tem reservas de petróleo e gás para ser parceira internacional importante no equilíbrio do mercado mundial vai ganhando força, paradoxalmente com a preocupação de que governos como os da Bolívia e da Venezuela utilizem suas reservas naturais para reforças suas posições política radicais. Diante da potencialidade com o petróleo do pré-sal e os biocombustíveis, uma posição equilibrada do Brasil na política externa ganhará maior destaque.
Embora a crise econômica tenha retirado da prioridade os biocombustíveis, pela queda do preço do petróleo, e pela mesma razão a exploração do pré-sal tenha se tornado antieconômica no momento, o presidente eleito Barack Obama já declarou que o melhor momento para fazer a mudança da matriz energética é quando não há a pressão econômica.
Por seu pioneirismo na nova tecnologia, e por suas vantagens comparativas, como amplidão territorial e clima, e por ter das maiores reservas de água do mundo, o Brasil está no centro das preocupações expressas pela equipe de segurança nacional do futuro governo Obama.
A perspectiva de que o mundo se torne cada vez mais multipolarizado, dando espaço para novos atores globais, admitida ontem pela futura administração americana, também aumenta a possibilidade de que os países que formam o grupo Bric assumam cada vez mais poder nas decisões internacionais dentro dos organismos multilaterais, que serão reforçados pela nova política externa dos Estados Unidos, a começar pela ONU, onde o Brasil insiste em ter um assento permanente no Conselho de Segurança.
A coerência entre o que o candidato Barack Obama defendeu durante toda a sua campanha e o que anunciou ontem é uma garantia de que ele realmente entende o mundo de maneira totalmente distinta do atual ocupante da Casa Branca, o que reforça a mensagem de mudança que foi vitoriosa na eleição presidencial.
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