quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Aprimorar a democracia

Marco Maciel
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A democracia participativa não é uma utopia e menos ainda uma aspiração inalcançável. Só depende de nós

APESAR DO mundo conturbado em que vivemos neste início do terceiro milênio, democracia continua sendo uma aspiração universal. Embora o conceito seja antigo, sua realidade é algo para muitas gerações. Os que dela já desfrutam lutam por aperfeiçoá-la. Os que ainda não a conquistaram lutam por alcançá-la.

Não foi sem razão que, em outubro de 1995, durante visita ao Brasil, o professor Adam Przeworski lembrou que há dois séculos não se criava nenhuma nova instituição democrática: "Tudo o que conhecemos de democracia, e seguimos copiando, foi conseguido há 200 anos. A melhor forma que se conhece de democracia é exercê-la por meio de eleições livres. Isso é muito bom, mas não basta".

Realmente, voto e pleitos eleitorais são as duas derradeiras grandes invenções da democracia representativa. Temos, todavia, de concordar que são requisitos necessários, embora não suficientes para a preservação do regime democrático.

Sob o ponto de vista formal, em inúmeros países vota-se há mais de 200 anos. Até meados do século 19, contudo, o voto era extremamente restrito. A universalização do direito do voto atendeu, assim, a um dos requisitos da democracia: tornou-a mais representativa. Mas a extensão do direito de voto às mulheres só ocorreria, em grande parte dos países europeus e da América Latina, depois do fim da Primeira Guerra Mundial.

Portanto, se nos reportarmos à Atenas de Péricles, temos que a democracia como aspiração é antiga de 25 séculos. Contudo, ela ainda não completou um século como realidade em grande parte dos países, se tomarmos como referência 1919 ou 1945.

Quando Przeworski aludiu ao fato de que há mais de dois séculos não se cria nenhuma nova instituição democrática, seguramente referia-se ao princípio de separação dos Poderes do Estado, concepção de John Locke ("Tratados sobre o Governo Civil", 1689) e Montesquieu ("O Espírito das Leis", 1748). A democracia, porém, construiu mais alguns avanços além da separação dos Poderes do Estado.

Na época desses dois pensadores, a humanidade conhecia uma forma de governo -a monarquia absoluta.

Em 1787, data da promulgação da Constituição dos EUA, os que a idealizaram concretizaram mais dois significativos avanços: a) a República eletiva como nova forma de governo e b) a Federação como forma de Estado.

Os dois séculos a que se referira Przeworski avançam, portanto, para 1987, ano anterior à promulgação da nossa atual Constituição. Nela já não nos referimos mais à democracia representativa, mas à democracia participativa, em razão dos novos institutos políticos incorporados ao texto constitucional em vigor: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.

A democracia participativa não é uma utopia e menos ainda uma aspiração inalcançável. Só depende de nós. Enquanto tivermos ojeriza a partidos, desprezo pelas instituições que nos governam, desinteresse pelos assuntos que nos dizem respeito e aversão à política, corremos o risco de, na guerra de interesses, tornarmo-nos reféns de pressões legítimas ou espúrias que se aproveitam da omissão dos cidadãos, do compromisso de alguns e da alienação de muitos.

Na era da informação, todos nós temos recursos, instrumentos e meios para mantermo-nos informados sobre o desempenho dos nossos representantes em nossas cidades, em nossos Estados e no Congresso Nacional.

Instrumentalizar esses canais de informação, que são iterativos, só nos ajudará a encurtar nosso caminho entre a democracia representativa que temos e a democracia participativa que queremos.

Precisamos ter sempre presente a lição de Georges Burdeau: "Os males da democracia só se curam com mais democracia".

E, por isso, tomo a liberdade de lembrar que não basta criticarmos a política, amaldiçoarmos os partidos.

Temos que nos unirmos em torno dos interesses legítimos que defendemos, sem renunciarmos às ideias nas quais acreditamos, para aprimorarmos a democracia que temos; para aperfeiçoarmos os partidos com que simpatizamos ou com que nos identificamos; e para fazermos da representação política do país a expressão de nossas aspirações por um país mais próspero, um regime mais justo e estável e uma sociedade mais solidária.

E isso exige de cada um de nós o pequeno sacrifício de aperfeiçoarmos a cada dia, com exemplos, nossa cultura política, participando da vida cívica da nação e de suas instituições.

Marco Maciel, 68, é senador pelo DEM-PE e membro da Academia Brasileira de Letras. Foi vice-presidente da República (1995-2002), ministro da Educação (governo Sarney) e governador de Pernambuco (1978-1985).

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