Cláudio Gonçalves Couto
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A incorporação de Geraldo Alckmin ao secretariado de José Serra foi um lance de astúcia política do atual governador do Estado de São Paulo. Com ele, Serra logrou, ao mesmo tempo: (1) neutralizar um adversário dentro da política tucana estadual, unificando o PSDB paulista; (2) roubar um aliado importante de seu adversário pela candidatura presidencial pessedebista (Aécio Neves); e (3) oferecer a seu partido um candidato forte para as próximas eleições de governador, já que Alckmin conta com boa aceitação no interior do Estado.
A jogada virtuosa se reveste de um brilho ainda maior se considerarmos ser em certa medida surpreendente, já que ocorre pouco tempo depois do grupo serrista ter implacavelmente derrotado a Alckmin e seus aliados dentro do partido, com a reeleição do prefeito Gilberto Kassab - que deve a Serra sua transformação numa figura política nacional. Poder-se-ia esperar que, após a cisão partidária gerada pelas eleições municipais, o PSDB paulista se transformasse num "partido partido", com conseqüências preocupantes para as próximas disputas eleitorais. Todavia, a racionalidade parece ter prevalecido sobre os ressentimentos: para Serra não interessava ter inimigos internos em Alckmin e seu grupo, assim como não interessava que estes abandonassem a agremiação. Já para o ex-governador a mudança de legenda também não seria proveitosa, pois não só ele tem a identidade política tucana como um atributo indissociável da sua própria identidade, como também teria muito a perder em termos materiais caso se transferisse para uma agremiação menos robusta organizacionalmente, tal qual o PTB, partido que cogitou publicamente recebê-lo.
Embora alguém possa perceber na indicação de um ex-governador para o cargo de secretário de Estado um retrocesso na carreira política, vale dizer que retrocesso mesmo para Alckmin seria ir para uma legenda menor. Que perspectivas eleitorais concretas ele teria numa disputa para governador como candidato do PTB? Para se ter uma idéia disto, basta ver o desempenho dessa agremiação nas últimas eleições municipais e estaduais. Nas cidades em que pode haver um segundo turno, o PTB elegeu apenas três prefeitos - apenas duas capitais. Nas eleições para governador, em 2006, não elegeu ninguém. Uma eventual ida para o PMDB também não seria necessariamente promissora, tendo em vista a hegemonia de Orestes Quércia sobre o partido no Estado e a atual aliança deste com José Serra, alinhavada a partir da chapa Gilberto Kassab/Alda Marco Antônio nas eleições paulistanas. Portanto, nada melhor para ele do que - seguindo o ensinamento de Lênin - dar um passo atrás para, depois, seguir dois adiante: é difícil dizer que haja hoje um nome mais forte à sucessão para o Palácio dos Bandeirantes (dentro e fora do PSDB) do que Geraldo Alckmin.
O episódio revela ainda algo mais. Desde priscas eras José Serra foi conhecido como um político belicoso e desagregador. Isto se tornou muito claro à época de sua candidatura presidencial, quando logrou alienar o apoio do PFL, que o acusava, dentre outras coisas, de ter tramado o flagrante da Polícia Federal nos cofres abarrotados de dinheiro vivo da família Sarney, abortando a então promissora candidatura presidencial de Roseana. Mas, mesmo antes desse quiproquó, não era nada bom o relacionamento de Serra com alguns caciques do PFL - Antonio Carlos Magalhães, por exemplo. Entretanto, ironicamente, foi pelas mãos do outrora implacável tucano que o PFL (rebatizado como DEM), logrou obter sua única prefeitura de capital nas últimas eleições, com Kassab? Hoje está nítido que, sendo Serra candidato presidencial, o DEM estará com ele.
A conciliação promovida por Serra com ex-desafetos, contudo, não se restringe ao DEM. A já mencionada aproximação dele com Orestes Quércia vai na mesma direção. Vale lembrar que, em 1988, o cisma no PMDB que deu origem ao PSDB teve como uma de suas causas principais o conflito nas hostes pemedebistas de São Paulo entre quercistas e antiquercistas, dentre os quais se destacava justamente o então deputado José Serra. Hoje, ao ter astutamente aberto espaço para uma fiel escudeira quercista na chapa vencedora à prefeitura de São Paulo, o governador paulista trouxe para sua órbita um antigo e poderoso adversário que pode lhe ser muito prestimoso nas próximas eleições.
Em suma, muito embora o mineiro desta história não seja Serra, mas Aécio Neves, o fato é que o paulistano da Mooca vem dando mostras de uma mineiríssima destreza política, que, aliás, foi marca distintiva de Tancredo Neves, avô e prócer político do atual governador de Minas. Tancredo era freqüentemente reconhecido como grande conciliador, qualidade particularmente importante em momentos de crise e mudança, como ao assumir o posto de primeiro ministro após a renúncia de Jânio Quadros, ou no ocaso do regime militar. A capacidade de conciliação, todavia, é também útil às ambições do líder político, sobretudo quando se trata de construir as bases de sua própria sustentação. Nisto, talvez Serra se mire num conterrâneo de seus antepassados, Maquiavel, que ensinava ao príncipe que deveria combinar tanto as qualidades do implacável leão como da astuta raposa, caso quisesse obter sucesso em suas empreitadas.
Cláudio Gonçalves Couto é professor de Ciência Política da PUC-SP e da FGV-SP.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A incorporação de Geraldo Alckmin ao secretariado de José Serra foi um lance de astúcia política do atual governador do Estado de São Paulo. Com ele, Serra logrou, ao mesmo tempo: (1) neutralizar um adversário dentro da política tucana estadual, unificando o PSDB paulista; (2) roubar um aliado importante de seu adversário pela candidatura presidencial pessedebista (Aécio Neves); e (3) oferecer a seu partido um candidato forte para as próximas eleições de governador, já que Alckmin conta com boa aceitação no interior do Estado.
A jogada virtuosa se reveste de um brilho ainda maior se considerarmos ser em certa medida surpreendente, já que ocorre pouco tempo depois do grupo serrista ter implacavelmente derrotado a Alckmin e seus aliados dentro do partido, com a reeleição do prefeito Gilberto Kassab - que deve a Serra sua transformação numa figura política nacional. Poder-se-ia esperar que, após a cisão partidária gerada pelas eleições municipais, o PSDB paulista se transformasse num "partido partido", com conseqüências preocupantes para as próximas disputas eleitorais. Todavia, a racionalidade parece ter prevalecido sobre os ressentimentos: para Serra não interessava ter inimigos internos em Alckmin e seu grupo, assim como não interessava que estes abandonassem a agremiação. Já para o ex-governador a mudança de legenda também não seria proveitosa, pois não só ele tem a identidade política tucana como um atributo indissociável da sua própria identidade, como também teria muito a perder em termos materiais caso se transferisse para uma agremiação menos robusta organizacionalmente, tal qual o PTB, partido que cogitou publicamente recebê-lo.
Embora alguém possa perceber na indicação de um ex-governador para o cargo de secretário de Estado um retrocesso na carreira política, vale dizer que retrocesso mesmo para Alckmin seria ir para uma legenda menor. Que perspectivas eleitorais concretas ele teria numa disputa para governador como candidato do PTB? Para se ter uma idéia disto, basta ver o desempenho dessa agremiação nas últimas eleições municipais e estaduais. Nas cidades em que pode haver um segundo turno, o PTB elegeu apenas três prefeitos - apenas duas capitais. Nas eleições para governador, em 2006, não elegeu ninguém. Uma eventual ida para o PMDB também não seria necessariamente promissora, tendo em vista a hegemonia de Orestes Quércia sobre o partido no Estado e a atual aliança deste com José Serra, alinhavada a partir da chapa Gilberto Kassab/Alda Marco Antônio nas eleições paulistanas. Portanto, nada melhor para ele do que - seguindo o ensinamento de Lênin - dar um passo atrás para, depois, seguir dois adiante: é difícil dizer que haja hoje um nome mais forte à sucessão para o Palácio dos Bandeirantes (dentro e fora do PSDB) do que Geraldo Alckmin.
O episódio revela ainda algo mais. Desde priscas eras José Serra foi conhecido como um político belicoso e desagregador. Isto se tornou muito claro à época de sua candidatura presidencial, quando logrou alienar o apoio do PFL, que o acusava, dentre outras coisas, de ter tramado o flagrante da Polícia Federal nos cofres abarrotados de dinheiro vivo da família Sarney, abortando a então promissora candidatura presidencial de Roseana. Mas, mesmo antes desse quiproquó, não era nada bom o relacionamento de Serra com alguns caciques do PFL - Antonio Carlos Magalhães, por exemplo. Entretanto, ironicamente, foi pelas mãos do outrora implacável tucano que o PFL (rebatizado como DEM), logrou obter sua única prefeitura de capital nas últimas eleições, com Kassab? Hoje está nítido que, sendo Serra candidato presidencial, o DEM estará com ele.
A conciliação promovida por Serra com ex-desafetos, contudo, não se restringe ao DEM. A já mencionada aproximação dele com Orestes Quércia vai na mesma direção. Vale lembrar que, em 1988, o cisma no PMDB que deu origem ao PSDB teve como uma de suas causas principais o conflito nas hostes pemedebistas de São Paulo entre quercistas e antiquercistas, dentre os quais se destacava justamente o então deputado José Serra. Hoje, ao ter astutamente aberto espaço para uma fiel escudeira quercista na chapa vencedora à prefeitura de São Paulo, o governador paulista trouxe para sua órbita um antigo e poderoso adversário que pode lhe ser muito prestimoso nas próximas eleições.
Em suma, muito embora o mineiro desta história não seja Serra, mas Aécio Neves, o fato é que o paulistano da Mooca vem dando mostras de uma mineiríssima destreza política, que, aliás, foi marca distintiva de Tancredo Neves, avô e prócer político do atual governador de Minas. Tancredo era freqüentemente reconhecido como grande conciliador, qualidade particularmente importante em momentos de crise e mudança, como ao assumir o posto de primeiro ministro após a renúncia de Jânio Quadros, ou no ocaso do regime militar. A capacidade de conciliação, todavia, é também útil às ambições do líder político, sobretudo quando se trata de construir as bases de sua própria sustentação. Nisto, talvez Serra se mire num conterrâneo de seus antepassados, Maquiavel, que ensinava ao príncipe que deveria combinar tanto as qualidades do implacável leão como da astuta raposa, caso quisesse obter sucesso em suas empreitadas.
Cláudio Gonçalves Couto é professor de Ciência Política da PUC-SP e da FGV-SP.
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