quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A bola agora está com os bancos

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Corte da Selic de ontem só não foi maior que os dos anos de crise, tumulto e juros em Júpiter, como em 1999 e 2003

EM TERMOS proporcionais, preto no branco, em outras sete ocasiões o Banco Central já reduzira com mais rapidez a taxa "básica" de juros. Mas tal coisa ocorrera nos tumultos de 1999 e 2003. O país vivia a ressaca de maxidesvalorizações e a anemia provocada por fugas de capital e contas públicas e externas escangalhadas. De resto, o crescimento era não apenas baixo mas parecia cronicamente inviável.

Naqueles anos, a Selic caía das alturas de, no mínimo, 19% (num dos cortes, em 1999, caiu de 39,5% para 34%). Considerado o contexto de modo mais qualitativo, digamos, pode-se considerar que o Banco Central realizou ontem o maior talho na taxa de juros nesta década de regime de metas de inflação, baixando a meta da Selic para 12,75% ao ano.

Muita gente dirá que, com uma taxa de 13,75% ao ano e risco de recessão à vista, o Copom cortou gordura ou vento (e com má vontade, pois o placar foi de cinco votos pelo corte de um ponto contra três diretores que pediam apenas 0,75). No mercado futuro de juros, o contrato para fevereiro de 2009 (referente pois a janeiro) fechou ontem a 12,81%; o de março, a 12,77%. Isto é, deu de barato, de graça, a Selic a 12,75%. O BC, pois, estaria só pegando uma onda que está baixando muito rápido.

Um advogado do diabo poderia dizer, no entanto, que o futuro a Deus pertence, que o BC ainda corre algum risco (do ponto de vista dele), pois o tumulto econômico é geral e global e ninguém de boa-fé dirá com certeza e responsabilidade o que vai acontecer com dólar, contas externas, contas públicas etc. É verdade que, em caso de revertério, o BC tem a opção de dar um tempo nos cortes e "discutir a relação"; se não tivesse cortado agora, poderia ter ajudado a provocar prejuízos irremediáveis.

Isto posto, o fato é que a taxa real de juros "básicos" na praça deve cair agora para a casa dos 5%, patamar nunca dantes navegado, e pode cair mais. Ainda assim, a reação dos bancos é uma incógnita. Desde outubro, os bancos elevaram escandalosamente juros e "spreads" (a diferença entre o custo pelo qual captam dinheiro e a taxa pela qual emprestam, vide gráfico). Desde novembro, a taxa real de juros cai rápido no mercado. Chegamos ao ponto mesmo de Henrique Meirelles espinafrar os bancos por causa disso.

Porém, apesar da gorda folga dos "spreads" e das margens brutas de lucro, o custo de captação não é tudo para os bancos. A queda certa de lucros nas empresas e o risco de alta da inadimplência são fatores que serão levados em conta na revisão dos juros. Mas um exagero ganancioso fará os bancos darem um tiro no pé.

Os diretores do BC tiraram um bode incômodo da sala (da sala deles em especial). Rolaram a bola política para bancos e governo até que (e se) a recessão piore e os juros caiam mais na praça.
O resto do governo perde temporariamente um escudo político. Em tese, terá de mostrar mais serviço "anticíclico". Mas, se gastar demais, vai solapar essa oportunidade única de contribuir para um corte histórico na Selic. Melhor do que colocar um esparadrapo popular na crise é preparar o país para uma retomada forte, com juros baixos e contas públicas em ordem.

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