domingo, 11 de janeiro de 2009

Todas as guerras são estúpidas...

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

...Principalmente as guerras “santas”. Todos os panfletários são estúpidos, principalmente aqueles que se fingem de pacifistas e pregam o ódio. A estupidez é contagiante, letal, principalmente quando se tenta ressuscitar von Clausewitz e fazer política por meio de guerras.

A Batalha de Gaza – o mais recente capítulo de uma tragédia que em 2008 completou 60 anos – é ainda mais estúpida porque foi cinicamente provocada e cinicamente explorada para aproveitar o imperioso intermezzo na Casa Branca. As duas partes perceberam que tinham exatamente 30 dias para fazer o que desejassem até a posse de Barack Obama em 20 de janeiro.

Todas as guerras são estúpidas, principalmente quando acionadas pelo descaso com suas conseqüências. Tudo começou em 19 de dezembro, quando o Hamas recusou a renovação da trégua proposta pelo Egito: exigiu maliciosamente que fosse estendida à Cisjordânia, mesmo sabendo que ali os conflitos estão sob controle e quem manda é a Autoridade Palestina, reconhecida internacionalmente como interlocutora do futuro Estado.

Não satisfeita, a direção do Hamas e/ou seus mentores além-fronteiras resolveram intensificar os ataques com foguetes e morteiros contra as cidades da região sul-sudeste de Israel. Entre 19 de dezembro e 27 de dezembro (quando começou a violenta retaliação aérea israelense) foram disparados 300 foguetes/morteiros contra a população civil (em 2008 foram cerca de 2.700). Estes geniais estrategistas contavam com o vazio político no governo americano e imaginavam que, justamente em função dele, Israel não reagiria com tanta violência.

E por que razão reagiu Israel de forma tão “desproporcional”? Era uma oportunidade de ouro para desmantelar a estrutura militar do Hamas entranhada, enterrada, na estreita Faixa e uma chance de liquidar as pretensões do direitista Likud, favorito nas pesquisas para as eleições de fevereiro.

Todas as guerras são estúpidas, principalmente aquelas em nome da racionalidade. O que aconteceu com o pragmatismo do premier interino, Ehud Olmert? Em setembro, em seguida à sua renúncia formal, surpreendeu os meios políticos ao declarar ao popularíssimo Yedioth Acharonoth, que “chegou a hora de dizer certas coisas” e estas coisas referiam-se à devolução dos territórios ocupados, devolução de parte de Jerusalém e devolução do Planalto de Golan. Foi além: denunciou publicamente a estreiteza de alguns generais que ainda pensam como em 1948 (quando o nascente Estado foi invadido por cinco países vizinhos). E teve a ousadia de declarar que a ameaça nuclear do Irã é um problema internacional, não de Israel.

Façanha inédita, ousada e, como todos os pragmatismos – ao contrário das convicções – logo evaporado diante das situações de facto. Olmert deixou-se seduzir pelo espírito da “blitzkrieg”, guerra-relâmpago. Para liquidar as pretensões do direitista Bibi Netanyahu acabou clonando-o.

Todas as guerras são estúpidas. Principalmente esta provocada, explorada e magnificada para ferir e desacreditar as esperanças humanistas encarnadas por Barack Obama.

Todas as guerras são estúpidas, principalmente aquelas que se fazem em nome de Deus. O Hamas é um grupo religioso radical, fundamentalista (não no sentido teológico, mas político), o conjunto de forças que controla a Autoridade Palestina sob a égide do Fatah é laico. Assim também era o partido Baath do Iraque onde Saddam Hussein fez carreira. O Iraque hoje é uma terra de ninguém entre xiitas e sunitas.

Laicismo no Oriente Médio só com milagres. A racionalidade não prospera em meio à intoxicação clerical. A ortodoxia judaica geralmente opunha-se à criação do Estado de Israel, Ben Gurion deu-lhe uma pasta secundária no primeiro gabinete. Hoje, a direita israelense é majoritariamente religiosa, reacionários laicos são minoria.

A idéia do choque de civilizações é uma aberração: civilizações e culturas tendem a se completar, o que há naquela região é um déficit de democracia – menor em Israel – onde os Estados não são nacionais, mas étnico-religiosos. “As guerras são os meios que Deus inventou para nos ensinar geografia”, disse o satirista americano Ambrose Bierce.

Gaza está pagando pelas iras sagradas que correm soltas à sua volta.

» Alberto Dines é jornalista.

Nenhum comentário: