Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
...Principalmente as guerras “santas”. Todos os panfletários são estúpidos, principalmente aqueles que se fingem de pacifistas e pregam o ódio. A estupidez é contagiante, letal, principalmente quando se tenta ressuscitar von Clausewitz e fazer política por meio de guerras.
A Batalha de Gaza – o mais recente capítulo de uma tragédia que em 2008 completou 60 anos – é ainda mais estúpida porque foi cinicamente provocada e cinicamente explorada para aproveitar o imperioso intermezzo na Casa Branca. As duas partes perceberam que tinham exatamente 30 dias para fazer o que desejassem até a posse de Barack Obama em 20 de janeiro.
Todas as guerras são estúpidas, principalmente quando acionadas pelo descaso com suas conseqüências. Tudo começou em 19 de dezembro, quando o Hamas recusou a renovação da trégua proposta pelo Egito: exigiu maliciosamente que fosse estendida à Cisjordânia, mesmo sabendo que ali os conflitos estão sob controle e quem manda é a Autoridade Palestina, reconhecida internacionalmente como interlocutora do futuro Estado.
Não satisfeita, a direção do Hamas e/ou seus mentores além-fronteiras resolveram intensificar os ataques com foguetes e morteiros contra as cidades da região sul-sudeste de Israel. Entre 19 de dezembro e 27 de dezembro (quando começou a violenta retaliação aérea israelense) foram disparados 300 foguetes/morteiros contra a população civil (em 2008 foram cerca de 2.700). Estes geniais estrategistas contavam com o vazio político no governo americano e imaginavam que, justamente em função dele, Israel não reagiria com tanta violência.
E por que razão reagiu Israel de forma tão “desproporcional”? Era uma oportunidade de ouro para desmantelar a estrutura militar do Hamas entranhada, enterrada, na estreita Faixa e uma chance de liquidar as pretensões do direitista Likud, favorito nas pesquisas para as eleições de fevereiro.
Todas as guerras são estúpidas, principalmente aquelas em nome da racionalidade. O que aconteceu com o pragmatismo do premier interino, Ehud Olmert? Em setembro, em seguida à sua renúncia formal, surpreendeu os meios políticos ao declarar ao popularíssimo Yedioth Acharonoth, que “chegou a hora de dizer certas coisas” e estas coisas referiam-se à devolução dos territórios ocupados, devolução de parte de Jerusalém e devolução do Planalto de Golan. Foi além: denunciou publicamente a estreiteza de alguns generais que ainda pensam como em 1948 (quando o nascente Estado foi invadido por cinco países vizinhos). E teve a ousadia de declarar que a ameaça nuclear do Irã é um problema internacional, não de Israel.
Façanha inédita, ousada e, como todos os pragmatismos – ao contrário das convicções – logo evaporado diante das situações de facto. Olmert deixou-se seduzir pelo espírito da “blitzkrieg”, guerra-relâmpago. Para liquidar as pretensões do direitista Bibi Netanyahu acabou clonando-o.
Todas as guerras são estúpidas. Principalmente esta provocada, explorada e magnificada para ferir e desacreditar as esperanças humanistas encarnadas por Barack Obama.
Todas as guerras são estúpidas, principalmente aquelas que se fazem em nome de Deus. O Hamas é um grupo religioso radical, fundamentalista (não no sentido teológico, mas político), o conjunto de forças que controla a Autoridade Palestina sob a égide do Fatah é laico. Assim também era o partido Baath do Iraque onde Saddam Hussein fez carreira. O Iraque hoje é uma terra de ninguém entre xiitas e sunitas.
Laicismo no Oriente Médio só com milagres. A racionalidade não prospera em meio à intoxicação clerical. A ortodoxia judaica geralmente opunha-se à criação do Estado de Israel, Ben Gurion deu-lhe uma pasta secundária no primeiro gabinete. Hoje, a direita israelense é majoritariamente religiosa, reacionários laicos são minoria.
A idéia do choque de civilizações é uma aberração: civilizações e culturas tendem a se completar, o que há naquela região é um déficit de democracia – menor em Israel – onde os Estados não são nacionais, mas étnico-religiosos. “As guerras são os meios que Deus inventou para nos ensinar geografia”, disse o satirista americano Ambrose Bierce.
Gaza está pagando pelas iras sagradas que correm soltas à sua volta.
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
...Principalmente as guerras “santas”. Todos os panfletários são estúpidos, principalmente aqueles que se fingem de pacifistas e pregam o ódio. A estupidez é contagiante, letal, principalmente quando se tenta ressuscitar von Clausewitz e fazer política por meio de guerras.
A Batalha de Gaza – o mais recente capítulo de uma tragédia que em 2008 completou 60 anos – é ainda mais estúpida porque foi cinicamente provocada e cinicamente explorada para aproveitar o imperioso intermezzo na Casa Branca. As duas partes perceberam que tinham exatamente 30 dias para fazer o que desejassem até a posse de Barack Obama em 20 de janeiro.
Todas as guerras são estúpidas, principalmente quando acionadas pelo descaso com suas conseqüências. Tudo começou em 19 de dezembro, quando o Hamas recusou a renovação da trégua proposta pelo Egito: exigiu maliciosamente que fosse estendida à Cisjordânia, mesmo sabendo que ali os conflitos estão sob controle e quem manda é a Autoridade Palestina, reconhecida internacionalmente como interlocutora do futuro Estado.
Não satisfeita, a direção do Hamas e/ou seus mentores além-fronteiras resolveram intensificar os ataques com foguetes e morteiros contra as cidades da região sul-sudeste de Israel. Entre 19 de dezembro e 27 de dezembro (quando começou a violenta retaliação aérea israelense) foram disparados 300 foguetes/morteiros contra a população civil (em 2008 foram cerca de 2.700). Estes geniais estrategistas contavam com o vazio político no governo americano e imaginavam que, justamente em função dele, Israel não reagiria com tanta violência.
E por que razão reagiu Israel de forma tão “desproporcional”? Era uma oportunidade de ouro para desmantelar a estrutura militar do Hamas entranhada, enterrada, na estreita Faixa e uma chance de liquidar as pretensões do direitista Likud, favorito nas pesquisas para as eleições de fevereiro.
Todas as guerras são estúpidas, principalmente aquelas em nome da racionalidade. O que aconteceu com o pragmatismo do premier interino, Ehud Olmert? Em setembro, em seguida à sua renúncia formal, surpreendeu os meios políticos ao declarar ao popularíssimo Yedioth Acharonoth, que “chegou a hora de dizer certas coisas” e estas coisas referiam-se à devolução dos territórios ocupados, devolução de parte de Jerusalém e devolução do Planalto de Golan. Foi além: denunciou publicamente a estreiteza de alguns generais que ainda pensam como em 1948 (quando o nascente Estado foi invadido por cinco países vizinhos). E teve a ousadia de declarar que a ameaça nuclear do Irã é um problema internacional, não de Israel.
Façanha inédita, ousada e, como todos os pragmatismos – ao contrário das convicções – logo evaporado diante das situações de facto. Olmert deixou-se seduzir pelo espírito da “blitzkrieg”, guerra-relâmpago. Para liquidar as pretensões do direitista Bibi Netanyahu acabou clonando-o.
Todas as guerras são estúpidas. Principalmente esta provocada, explorada e magnificada para ferir e desacreditar as esperanças humanistas encarnadas por Barack Obama.
Todas as guerras são estúpidas, principalmente aquelas que se fazem em nome de Deus. O Hamas é um grupo religioso radical, fundamentalista (não no sentido teológico, mas político), o conjunto de forças que controla a Autoridade Palestina sob a égide do Fatah é laico. Assim também era o partido Baath do Iraque onde Saddam Hussein fez carreira. O Iraque hoje é uma terra de ninguém entre xiitas e sunitas.
Laicismo no Oriente Médio só com milagres. A racionalidade não prospera em meio à intoxicação clerical. A ortodoxia judaica geralmente opunha-se à criação do Estado de Israel, Ben Gurion deu-lhe uma pasta secundária no primeiro gabinete. Hoje, a direita israelense é majoritariamente religiosa, reacionários laicos são minoria.
A idéia do choque de civilizações é uma aberração: civilizações e culturas tendem a se completar, o que há naquela região é um déficit de democracia – menor em Israel – onde os Estados não são nacionais, mas étnico-religiosos. “As guerras são os meios que Deus inventou para nos ensinar geografia”, disse o satirista americano Ambrose Bierce.
Gaza está pagando pelas iras sagradas que correm soltas à sua volta.
» Alberto Dines é jornalista.
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