domingo, 11 de janeiro de 2009

Crise financeira e recessão

Luiz Gonzaga Beluzzo
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Efeitos da bolha imobiliária nos EUA: empresas apertam os cintos e trabalhadores amargam o desemprego

SANTO HOJE invocado por crentes e ímpios, o economista keynesiano Hyman Minsky não tinha ilusões. Já em 1986, ele escrevia: "No mundo de homens de negócios e de intermediários financeiros que buscam agressivamente o lucro, a inovação sempre vai suplantar a vigilância dos reguladores; as autoridades não podem prevenir mudanças na estrutura dos portfólios. O que elas podem é impor exigências de capital para os vários tipos de ativos. Se as autoridades impõem tais restrições aos bancos de depósito e estão atentas aos "quase-bancos" bem como a outras instituições financeiras, estarão em condições de atenuar as tendências destrutivas da economia".

O consultor da Pimco Paul MacCulley lembra que o aconselhamento de Minsky foi tomado em consideração na regras da Basileia 1 e 2 que cuidaram de impor requerimentos de capital aos bancos de depósito. Mas as regras não poderiam antecipar "o crescimento explosivo dos bancos-sombra ("shadow banks"), que Minsky argutamente chamou de quase-bancos". O crescimento do sistema de bancos-sombra, diz MacCulley, foi movido pelo apetite de lucro dos banqueiros que usaram veículos fora do balanço, superalavancados, objetivando fazer arbitragem com as estruturas da Basileia.

O ímpeto da concorrência e a liquidez abundante levaram o sistema bancário convencional e os bancos-sombra à construção de "pirâmides securitizadas", insuflando a euforia, a má avaliação dos créditos e a superalavancagem. Isso ocorreu a despeito dos avanços nas técnicas de gestão do risco e do maior rigor imposto pelas regras da Basileia. A enorme concentração nos ativos baseados em créditos hipotecários revela que, nos últimos anos, a diversificação do risco só existiu na imaginação dos insensatos. Na verdade, o risco espalhou-se como uma pandemia, com enorme poder de contaminação. Para desespero dos que manejam hipóteses irrealistas, em ocasiões de pânico, naufraga o suposto que sustenta a inexistência de correlação entre os preços dos ativos.

As fantasias acadêmicas são chamadas à realidade quando os possuidores de riqueza -ignorando o que recomendam os modelos de precificação- entregam-se ao desatino das ordens de venda dos ativos mais líquidos. A euforia imobiliária terminou como era de se prever, na procissão de inadimplentes, na evaporação da liquidez dos mercados securitizados e, finalmente, na rápida e violenta contração do crédito. Repudiados algozes dos mercados e de suas virtudes, os governos e seus BCs abriram generosamente seus orçamentos e seus balanços para abrigar ativos ilíquidos e para substituir o setor privado nas nobres funções de sustentar o gasto e prover o crédito.

Os dados mais recentes da economia americana mostram que não é tão fácil: os efeitos sobre a economia da produção e do emprego já começam a se manifestar. As empresas apertam os cintos e os trabalhadores amargam o desemprego e suas ameaças. As projeções de quedas ulteriores da produção, do emprego, da renda e dos lucros não ajudam o esforço dos governos para promover o "descongelamento" do crédito.

Luiz Gonzaga Belluzzo , 66, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

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