domingo, 1 de fevereiro de 2009

Nem Davos nem Belém

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


Na melhor das hipóteses, a Montanha mágica, de Thomas Mann, e A selva, de Ferreira de Castro. Só a literatura salva – desde que se cultive o comezinho hábito de ler. Para os que preferem eventos e fóruns há um rol de brincadeiras para todos os gostos. Em Davos o jogo mais praticado foi o de prever o passado. Em Belém, o futuro virou camiseta.

Um outro mundo é possível, um outro mundo é urgente, urgentíssimo. Antes disso, porém, precisamos de uma humanidade mais humanizada. Menos simplista, menos icônica, menos dogmática e demagógica. O cabresto das palavras de ordem servia nos anos 30 e 40 do século passado quando se descobriu o poder da propaganda. Mais de meio século depois, nesta era da internet, com multidões teoricamente esclarecidas, deveria valer a força do debate, o confronto livre de ideias, a busca do entendimento. Colocar utopias em palanques, deteriora quimeras e aproxima o palanque do paredon.

A catástrofe financeira internacional não transbordou para a esfera política como seria desejável. O desastre produzido pela ganância desenfreada e institucionalizada não está produzindo os esperados movimentos para a reforma dos Estados a fim de torná-los mais competentes, justos e rigorosos. Os índices e cotações saem das bolsas diretamente para as ruas e praças. Recessão prevista, ainda não instalada, mas a orquestração já começou: Barack Obama tomou posse há onze dias e já é o responsável por impasses que o mundo acompanha desatento há anos.

Uma das figuras que apareceu em Belém, aparentemente só em efígie, foi a do militante Cesare Battisti, acusado pelo governo e a maioria dos italianos, de terrorismo e quatro homicídios políticos. O caso apaixona juristas, preocupa diplomatas, dá calafrios a empresários e mexe com a alma dos milhões de ítalo-brasileiros fiéis ao clamor de justiça que chega da terra dos antepassados.

O pedido de extradição de Battisti pelo governo italiano está agora no STF e será julgado em plenário. Uma coisa é certa: não será uma decisão política, nem "aparelhada" como foi a do ministro da Justiça, Tarso Genro ou daqueles que o estimularam a cometer a insânia.

O documento oriundo do Comitê Nacional de Refugiados (Conare), divulgado nessa sexta-feira última pela Folha de S.Paulo é perturbador. Desvenda os bastidores de um processo decisório voluntarista, viciado, irresponsável.

Em primeiro lugar porque o documento deveria ter sido liberado imediatamente após a decisão ministerial. O seu caráter sigiloso esgota-se no momento em que o parecer foi anunciado. Se o órgão técnico votou contra a concessão do status de refugiado e o ministro ignorou a sua argumentação – fato público e notório – é indispensável que à opinião pública sejam oferecidos todos os dados da equação.

O STF vai decidir se os crimes cometidos por Cesare Battisti são políticos mas a sociedade brasileira deve ao menos avaliar se o comportamento do ministro Tarso Genro foi compatível com os princípios republicanos que tanto defende. Não fosse a imprensa, o conflito entre o Conare e o ministro das Justiça ficaria sepultado nos arquivos. O simples anúncio de que seria divulgado levou o STF a requerer imediatamente uma cópia para ser juntada ao processo.

É imperioso informar o cidadão brasileiro que os três conselheiros que negaram a concessão de status de refugiado a Cesare Battisti não são representantes de lóbis neoliberais. São os técnicos do governo mais habilitados a pronunciar-se: os representantes do Itamaraty, da Polícia Federal (subordinada ao Ministério da Justiça) e do próprio Ministério da Justiça na pessoa do seu secretário-executivo. Antes de extraditar ou abrigar Cesare Battisti conviria saber o que fará o governo com um ministério visivelmente rachado e desacreditado.

Isto não interessa aos descuidados participantes dos almoços em Davos, muito menos aos entusiasmados sonhadores de Belém, no Pará.

» Alberto Dines é jornalista

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