Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
O Brasil não discutiu o terrorismo com a intensidade da Itália. Nossa Lei de Anistia, fruto de uma transição negociada entre líderes políticos e generais, é um manto de silêncio sobre esse assunto
O ministro da Justiça, Tarso Genro, não convence ao defender a concessão de refúgio político ao italiano Cesare Battisti, ex-militante do PAC, Proletariados Armados para o Comunismo, uma antiga organização terrorista, condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana por autoria de quatro homicídios. O ministro argumenta que Battisti não teve direito de defesa e sofre perseguição política na Itália. A decisão provocou forte reação dos meios de comunicação e dos partidos políticos, do Congresso e do governo Berlusconi. O presidente da Itália, o ex-comunista Giorgio Napolitano, escreveu uma carta para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na qual pediu a reconsideração do ato. O presidente Lula, porém, manteve a decisão. Agora, cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) revê-la ou não. Uma pergunta fica no ar: vale a pena o comprar essa briga por Battisti?
O crime
Oriundis como a juíza Denise Frossard e o jornalista Mino Carta, com dupla nacionalidade, baixam o sarrafo na decisão. Battisti foi um jovem delinquente convertido à esquerda radical no decorrer dos anos 70, marcados na Itália pelo surgimento das Brigadas Vermelhas e outras organizações terroristas. Magistrados, políticos, sindicalistas e jornalistas foram assassinados, inclusive o presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro. Em plena Guerra Fria, Moro negociava um governo de coalizão com o então secretário-geral do PCI, Enrico Berlinguer, o chamado “compromisso histórico”. O crime provocou comoção na Itália.
Battisti foi condenado à prisão perpétua porque teria matado um carcereiro, um joalheiro, um açougueiro e um agente policial. Preso, foi espetacularmente resgatado por seus companheiros. Exilou-se na França, de onde fugiu para o Brasil, quando as autoridades francesas resolveram extraditá-lo. Hoje, escreve histórias policiais e diz que nunca foi terrorista e não matou ninguém, considera-se um perseguido político. É difícil acreditar mais em Battisti do que nas autoridades italianas. Por que a decisão monocrática de nosso ministro da Justiça seria mais justa do que o processo penal nos tribunais da Itália? Quanto mais o presidente Lula tenta justificar a concessão de asilo político como um ato de soberania, mais as autoridades italianas se sentem afrontadas.
O castigo
A Itália é um país democrático. Battisti foi condenado durante o governo do socialista Sandro Pertini, veterano da resistência italiana ao fascismo. Um episódio ocorrido em 1943 por si só lhe garantiria um lugar na História: Benito Mussolini tenta voltar ao poder pelo norte da Itália e acaba encurralado. Começa a negociar a própria fuga numa reunião no Arcebispado de Milão, na qual propõe um acordo. No meio da conversa, sem ser convidado, entra um homem pequeno e valente: “Nada disso! Vai ter que prestar contas ao povo!”. Era Pertini. Mussolini fugiu, mas acabou apanhado e fuzilado pelos “partiggianis”.
O Brasil não discutiu o terrorismo com a intensidade da Itália. Nossa Lei de Anistia, fruto de uma transição negociada entre líderes políticos e generais, é um manto de silêncio sobre esse assunto. Durante a ditadura, além da brutal repressão de Estado, houve ações terroristas da esquerda militarista e dos militares linha-dura. Na Itália, porém, o terrorismo ocorreu em pleno regime democrático e provocou intenso debate político, no qual se destacou o jurista Norberto Bobbio, que escreveu vários artigos no jornal La Stampa. Alguns deles estão publicados no livro As ideologias e o poder em crise (Editora UnB, 1988). Vale conferir os argumentos de mestre, que trata da relação entre os fins e os meios, a moral e a política naquele momento dramático que ensanguentava a Itália.
A democracia derrotou o terrorismo. Milhares de brigadistas depuseram as armas e fizeram autocrítica. Muitos foram presos e condenados. Cumpriram pena para voltar à vida normal. “A política não pode absolver o crime”, bradou Bobbio, em 1979, ao se opor à anistia para os presos políticos. “O terrorismo italiano é ignominioso porque mantém uma ação sanguinária diante de um regime democrático, fraco e instável, com defeitos, que consente e exige manifestações de luta política não-cruenta”. Segundo ele, a “insânia terrorista” estava no fato de que a escalada da violência só teria sucesso como “regime de terror geral, que seria o fim da liberdade de todos”. Este o busílis: a concessão de refúgio político a Battisti funciona como uma espécie de anistia à brasileira, a mesma “anistia recíproca” que justifica o asilo concedido ao ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner e ao guerrilheiro colombiano Oliverio Medina. Porém, a situação na Itália era muito diferente do que aconteceu no Brasil, no Paraguai e na Colômbia.
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
O Brasil não discutiu o terrorismo com a intensidade da Itália. Nossa Lei de Anistia, fruto de uma transição negociada entre líderes políticos e generais, é um manto de silêncio sobre esse assunto
O ministro da Justiça, Tarso Genro, não convence ao defender a concessão de refúgio político ao italiano Cesare Battisti, ex-militante do PAC, Proletariados Armados para o Comunismo, uma antiga organização terrorista, condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana por autoria de quatro homicídios. O ministro argumenta que Battisti não teve direito de defesa e sofre perseguição política na Itália. A decisão provocou forte reação dos meios de comunicação e dos partidos políticos, do Congresso e do governo Berlusconi. O presidente da Itália, o ex-comunista Giorgio Napolitano, escreveu uma carta para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na qual pediu a reconsideração do ato. O presidente Lula, porém, manteve a decisão. Agora, cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) revê-la ou não. Uma pergunta fica no ar: vale a pena o comprar essa briga por Battisti?
O crime
Oriundis como a juíza Denise Frossard e o jornalista Mino Carta, com dupla nacionalidade, baixam o sarrafo na decisão. Battisti foi um jovem delinquente convertido à esquerda radical no decorrer dos anos 70, marcados na Itália pelo surgimento das Brigadas Vermelhas e outras organizações terroristas. Magistrados, políticos, sindicalistas e jornalistas foram assassinados, inclusive o presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro. Em plena Guerra Fria, Moro negociava um governo de coalizão com o então secretário-geral do PCI, Enrico Berlinguer, o chamado “compromisso histórico”. O crime provocou comoção na Itália.
Battisti foi condenado à prisão perpétua porque teria matado um carcereiro, um joalheiro, um açougueiro e um agente policial. Preso, foi espetacularmente resgatado por seus companheiros. Exilou-se na França, de onde fugiu para o Brasil, quando as autoridades francesas resolveram extraditá-lo. Hoje, escreve histórias policiais e diz que nunca foi terrorista e não matou ninguém, considera-se um perseguido político. É difícil acreditar mais em Battisti do que nas autoridades italianas. Por que a decisão monocrática de nosso ministro da Justiça seria mais justa do que o processo penal nos tribunais da Itália? Quanto mais o presidente Lula tenta justificar a concessão de asilo político como um ato de soberania, mais as autoridades italianas se sentem afrontadas.
O castigo
A Itália é um país democrático. Battisti foi condenado durante o governo do socialista Sandro Pertini, veterano da resistência italiana ao fascismo. Um episódio ocorrido em 1943 por si só lhe garantiria um lugar na História: Benito Mussolini tenta voltar ao poder pelo norte da Itália e acaba encurralado. Começa a negociar a própria fuga numa reunião no Arcebispado de Milão, na qual propõe um acordo. No meio da conversa, sem ser convidado, entra um homem pequeno e valente: “Nada disso! Vai ter que prestar contas ao povo!”. Era Pertini. Mussolini fugiu, mas acabou apanhado e fuzilado pelos “partiggianis”.
O Brasil não discutiu o terrorismo com a intensidade da Itália. Nossa Lei de Anistia, fruto de uma transição negociada entre líderes políticos e generais, é um manto de silêncio sobre esse assunto. Durante a ditadura, além da brutal repressão de Estado, houve ações terroristas da esquerda militarista e dos militares linha-dura. Na Itália, porém, o terrorismo ocorreu em pleno regime democrático e provocou intenso debate político, no qual se destacou o jurista Norberto Bobbio, que escreveu vários artigos no jornal La Stampa. Alguns deles estão publicados no livro As ideologias e o poder em crise (Editora UnB, 1988). Vale conferir os argumentos de mestre, que trata da relação entre os fins e os meios, a moral e a política naquele momento dramático que ensanguentava a Itália.
A democracia derrotou o terrorismo. Milhares de brigadistas depuseram as armas e fizeram autocrítica. Muitos foram presos e condenados. Cumpriram pena para voltar à vida normal. “A política não pode absolver o crime”, bradou Bobbio, em 1979, ao se opor à anistia para os presos políticos. “O terrorismo italiano é ignominioso porque mantém uma ação sanguinária diante de um regime democrático, fraco e instável, com defeitos, que consente e exige manifestações de luta política não-cruenta”. Segundo ele, a “insânia terrorista” estava no fato de que a escalada da violência só teria sucesso como “regime de terror geral, que seria o fim da liberdade de todos”. Este o busílis: a concessão de refúgio político a Battisti funciona como uma espécie de anistia à brasileira, a mesma “anistia recíproca” que justifica o asilo concedido ao ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner e ao guerrilheiro colombiano Oliverio Medina. Porém, a situação na Itália era muito diferente do que aconteceu no Brasil, no Paraguai e na Colômbia.
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