Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
A semana política que se inicia terça-feira em Brasília será fundamental para definir se a Câmara dos Deputados acompanha o sentimento da sociedade brasileira e acata a decisão da Mesa Diretora de restringir o uso de passagens aéreas ao parlamentar em serviço, ou se vai se colocar acima dela para defender interesses fisiológicos dos que querem manter privilégios inaceitáveis. A tese de que os meios de comunicação não refletem necessariamente a opinião média do eleitorado, mas apenas o pensamento das elites brasileiras, que já foi usada com êxito como argumento para que a grande maioria dos deputados envolvidos no mensalão fosse absolvida pela corporação, transforma os deputados em parceiros do nivelamento por baixo de nossa política, e em interessados em que a sociedade não avance, para que seus interesses pessoais permaneçam intocáveis.
Para frustração dos que, na Câmara, consideravam vencida a batalha, a medida "cirúrgica" da Mesa Diretora - que nunca abriu mão da prerrogativa de baixar essas normas - se transformou em Projeto de Resolução, a ser votado em plenário.
O próprio presidente da Câmara, Michel Temer, embora eleito por parte dos que agora se insurgem contra a medida, liderou o movimento de necessária renovação dos hábitos, depois de ter tentado uma solução a La Tancredi, do Leopardo: mudar para permanecer tudo na mesma.
Um recomeço sob novas regras de austeridade e transparência, que já defendi aqui nessa coluna, abrigaria até mesmo um "acordo tácito" que já está em vigor na Câmara, onde os pouquíssimos que não fizeram usos irregulares, mesmo os justificáveis pela tradição, ou ofertaram voos internacionais, não esticam a corda com acusações, para criar um ambiente de entendimento (aliás, está na hora de os jornais fazerem uma lista dos que não utilizaram suas cotas de maneira abusiva).
Parece, no entanto, que uma maioria não abre mão do uso das passagens "a critério exclusivo do parlamentar". Por isso tudo, essa votação de uma questão interna, administrativa, ganhou um peso imenso para a vida futura desta Legislatura e para a credibilidade da política institucional, novamente no fundo do poço.
Esse comportamento retrógrado da Câmara dos Deputados, portanto, afasta ainda mais nossos representantes do Estado moderno, surgido em consonância com a "opinião pública" no século XVIII. O que dizer, então, da moderna democracia digital, que permite que a sociedade acompanhe passo a passo a atuação dos funcionários públicos, que é o que são nossos deputados e senadores?
A legislação de acesso à informação, ferramenta indispensável para o exercício de uma democracia moderna na definição de Rosental Calmon Alves, professor da Universidade do Texas em Austin, hoje é um assunto que mobiliza todos os governos.
Há 20 anos, era assunto apenas dos Estados Unidos e dos países escandinavos. Os países europeus demoraram muito, mas em alguns casos os países pós-comunistas da Europa do Leste foram mais rápidos do que os da Europa Ocidental porque estavam instalando uma democracia nova e esses conceitos eram necessários.
Segundo Rosental, o projeto de lei brasileiro, que o governo promete apresentar até o fim do mês, é bom, mas o ponto polêmico será a necessidade de uma agência reguladora. Ao contrário, o projeto prevê que a Controladoria Geral da União vai assumir esse papel o que seria "como colocar a raposa tomando conta do galinheiro", na definição de Rosental.
Em todos os lugares, a hora do conflito é quando um cidadão quer saber quanto um ministro gastou na viagem que fez à Europa, e em que ele gastou, por exemplo. Ou como nossos parlamentares usaram suas verbas .
A base da lei, segundo Rosental, é que "tudo o que tem a ver com dinheiro público a gente tem direito de saber, e aí alguém vai ter que arbitrar quando um funcionário público recusar a informação".
Nos Estados Unidos, é a Corte Federal que decide se a instância administrativa não quiser divulgar uma informação. As leis mais modernas prevêem uma agência independente, como o México, que é o país que tem a melhor legislação.
Na eleição de 2000, com a sociedade empolgada com a possibilidade de ter o primeiro presidente que não era do PRI, todos os candidatos se comprometeram com isso.
Outro problema grave vai ser o custo, pois cada ministério, cada agência, tem que ter pelo menos uma pessoa encarregado da operação, que exige uma estrutura permanente, pois são milhões de pedidos.
O cidadão paga o custo da digitalização, ou da fotocópia, e a lei nos Estados Unidos especifica que não se pode cobrar pelo serviço nada além do custo da cópia.
Rosental Calmon Alves diz que também evoluiu muito o conceito no Brasil, pois há uns anos havia muita relutância, inclusive dos que, embora favoráveis, achavam que não precisaríamos de uma lei específica, pois já havia o preceito constitucional.
Mas não adianta ter a lei se não é regulamentada, ressalta Rosental, lembrando que o mais importante é o prazo. Um funcionário público que receber um pedido de qualquer pessoa sobre uma informação tem que ter um prazo máximo estabelecido por lei e precisa ser responsabilizado se não obedecê-lo na tentativa de não dar a informação.
Mas será esse Congresso que se agarra a mordomias e se irrita com a revelação de suas irregularidades que vai aprovar uma lei de transparência total de informação pública? Vamos começar a ter a resposta a partir desta semana em Brasília.
DEU EM O GLOBO
A semana política que se inicia terça-feira em Brasília será fundamental para definir se a Câmara dos Deputados acompanha o sentimento da sociedade brasileira e acata a decisão da Mesa Diretora de restringir o uso de passagens aéreas ao parlamentar em serviço, ou se vai se colocar acima dela para defender interesses fisiológicos dos que querem manter privilégios inaceitáveis. A tese de que os meios de comunicação não refletem necessariamente a opinião média do eleitorado, mas apenas o pensamento das elites brasileiras, que já foi usada com êxito como argumento para que a grande maioria dos deputados envolvidos no mensalão fosse absolvida pela corporação, transforma os deputados em parceiros do nivelamento por baixo de nossa política, e em interessados em que a sociedade não avance, para que seus interesses pessoais permaneçam intocáveis.
Para frustração dos que, na Câmara, consideravam vencida a batalha, a medida "cirúrgica" da Mesa Diretora - que nunca abriu mão da prerrogativa de baixar essas normas - se transformou em Projeto de Resolução, a ser votado em plenário.
O próprio presidente da Câmara, Michel Temer, embora eleito por parte dos que agora se insurgem contra a medida, liderou o movimento de necessária renovação dos hábitos, depois de ter tentado uma solução a La Tancredi, do Leopardo: mudar para permanecer tudo na mesma.
Um recomeço sob novas regras de austeridade e transparência, que já defendi aqui nessa coluna, abrigaria até mesmo um "acordo tácito" que já está em vigor na Câmara, onde os pouquíssimos que não fizeram usos irregulares, mesmo os justificáveis pela tradição, ou ofertaram voos internacionais, não esticam a corda com acusações, para criar um ambiente de entendimento (aliás, está na hora de os jornais fazerem uma lista dos que não utilizaram suas cotas de maneira abusiva).
Parece, no entanto, que uma maioria não abre mão do uso das passagens "a critério exclusivo do parlamentar". Por isso tudo, essa votação de uma questão interna, administrativa, ganhou um peso imenso para a vida futura desta Legislatura e para a credibilidade da política institucional, novamente no fundo do poço.
Esse comportamento retrógrado da Câmara dos Deputados, portanto, afasta ainda mais nossos representantes do Estado moderno, surgido em consonância com a "opinião pública" no século XVIII. O que dizer, então, da moderna democracia digital, que permite que a sociedade acompanhe passo a passo a atuação dos funcionários públicos, que é o que são nossos deputados e senadores?
A legislação de acesso à informação, ferramenta indispensável para o exercício de uma democracia moderna na definição de Rosental Calmon Alves, professor da Universidade do Texas em Austin, hoje é um assunto que mobiliza todos os governos.
Há 20 anos, era assunto apenas dos Estados Unidos e dos países escandinavos. Os países europeus demoraram muito, mas em alguns casos os países pós-comunistas da Europa do Leste foram mais rápidos do que os da Europa Ocidental porque estavam instalando uma democracia nova e esses conceitos eram necessários.
Segundo Rosental, o projeto de lei brasileiro, que o governo promete apresentar até o fim do mês, é bom, mas o ponto polêmico será a necessidade de uma agência reguladora. Ao contrário, o projeto prevê que a Controladoria Geral da União vai assumir esse papel o que seria "como colocar a raposa tomando conta do galinheiro", na definição de Rosental.
Em todos os lugares, a hora do conflito é quando um cidadão quer saber quanto um ministro gastou na viagem que fez à Europa, e em que ele gastou, por exemplo. Ou como nossos parlamentares usaram suas verbas .
A base da lei, segundo Rosental, é que "tudo o que tem a ver com dinheiro público a gente tem direito de saber, e aí alguém vai ter que arbitrar quando um funcionário público recusar a informação".
Nos Estados Unidos, é a Corte Federal que decide se a instância administrativa não quiser divulgar uma informação. As leis mais modernas prevêem uma agência independente, como o México, que é o país que tem a melhor legislação.
Na eleição de 2000, com a sociedade empolgada com a possibilidade de ter o primeiro presidente que não era do PRI, todos os candidatos se comprometeram com isso.
Outro problema grave vai ser o custo, pois cada ministério, cada agência, tem que ter pelo menos uma pessoa encarregado da operação, que exige uma estrutura permanente, pois são milhões de pedidos.
O cidadão paga o custo da digitalização, ou da fotocópia, e a lei nos Estados Unidos especifica que não se pode cobrar pelo serviço nada além do custo da cópia.
Rosental Calmon Alves diz que também evoluiu muito o conceito no Brasil, pois há uns anos havia muita relutância, inclusive dos que, embora favoráveis, achavam que não precisaríamos de uma lei específica, pois já havia o preceito constitucional.
Mas não adianta ter a lei se não é regulamentada, ressalta Rosental, lembrando que o mais importante é o prazo. Um funcionário público que receber um pedido de qualquer pessoa sobre uma informação tem que ter um prazo máximo estabelecido por lei e precisa ser responsabilizado se não obedecê-lo na tentativa de não dar a informação.
Mas será esse Congresso que se agarra a mordomias e se irrita com a revelação de suas irregularidades que vai aprovar uma lei de transparência total de informação pública? Vamos começar a ter a resposta a partir desta semana em Brasília.
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