Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO
Tantas CPIs depois, o país já sabe que há uma lei geral sobre o tema. Os governos nunca querem as CPIs e tentam controlar todos os postos-chaves; as oposições sempre querem colocar o governo na berlinda e são ajudadas pelas divisões da base aliada. Em algumas, surgem denúncias e depoimentos espantosos. Poucas produzem efeitos concretos. Nenhuma provoca o fim do mundo.
O STF, consultado, respondeu: CPI é um direito da minoria. Tem gente que acha que o Congresso tem apenas que votar leis - há congressistas que pensam que é apenas viajar a passeio, mas isso é outra história -, só que uma das funções do Legislativo é fiscalizar o Executivo, e um dos instrumentos é a comissão parlamentar.
Por isso, entende-se essa luta dentro do Congresso, de a base do governo - de Collor de Mello a Renan Calheiros, entre outros menos votados - tentar ocupar os espaços. Da mesma forma que a minoria tenta garantir a regra de que o autor do requerimento tenha, pelo menos, uma das duas posições mais importantes.
O que não dá para entender são os apelos patrióticos contra a CPI. A Petrobras não sairá de lá desmoralizada, não perderá reputação, não terá o mercado de capitais fechado para ela. Não é ela que está sendo analisada, mas sim a atual administração, por seus supostos erros e omissões.
A Petrobras não é a Geni. É a maior empresa do país, exerce poder de monopólio num setor com muitas ramificações na vida dos cidadãos e das empresas; recolhe uma montanha de impostos, pagos pelos consumidores finais e que ela entrega aos cofres públicos; tem milhares de contratos com empresas e fornecedores. Tudo isso já a faria grande e visada. Só que ela é mais: a Petrobras está no imaginário nacional como nenhuma outra empresa por ter tido um berço esplêndido: nasceu de uma mobilização popular e de uma teimosia do país contra prognósticos de não haver petróleo em nosso subsolo.
Nada disso estará sob escrutínio agora. O que vai se discutir não são a importância e a força da empresa, mas sim as suspeitas e indícios de irregularidades que foram detectados pelo TCU e pela Polícia Federal. O argumento de que os executivos não podem responder pelos milhares de contratos de fornecimento espanta pela informação que passa sobre a qualidade da gestão da empresa. Uma pessoa sozinha não sabe tudo sobre todos os contratos de uma companhia desse porte, mas um modelo de gestão eficiente, práticas transparentes e controles permitem reduzir ao mínimo as irregularidades. Neste ponto, se a CPI ajudar a informar aos atuais administradores de que algo errado pode ter acontecido na construção das plataformas ou da refinaria, será a oportunidade de aperfeiçoar processos e controles.
Vale lembrar, mais uma vez, que não foram o Congresso nem a oposição que falaram primeiro em indícios de superfaturamento na Refinaria Abreu e Lima ou de possíveis irregularidades na construção de plataformas, mas sim o TCU. Dúvidas sobre a reforma de plataformas vieram da Operação Águas Profundas, da Polícia Federal.
A atual administração da companhia tem a impressão equivocada de que salvou a empresa da sanha privatista do governo anterior. A Petrobras nunca foi colocada no programa de privatização, e vendê-la seria um erro gigantesco porque se criaria um monstro: o monopólio privado, ainda mais nocivo que o estatal. Quando, em um momento do governo passado, uma diretoria tentou trocar o nome da empresa para Petrobrax, escrevi aqui que isso era ideia de jerico. Felizmente, por ser estapafúrdia, a ideia naufragou em 24 horas em águas profundas.
A Petrobras não pertence a uma administração, a um partido político, a uma facção de um partido. Ela é uma companhia, com ações em bolsa e o controle do Tesouro, a quem o país transferiu inúmeras riquezas e patrimônio, que tem uma coleção formidável de privilégios, e todos esses ativos não podem estar a serviço de uma agremiação política. É esse princípio que foi descumprido nos últimos anos e alimentou a reação do Congresso.
Essa CPI é erroneamente chamada de CPI da Petrobras. No nome completo, tem que constar a Agência Nacional do Petróleo (ANP), sobre a qual existem dúvidas até mais concretas, nas distribuições de royalties e, sobretudo, no estranho caso dos R$178 milhões entregues aos usineiros por um subsídio já extinto e numa ação judicial que mal começava sua peregrinação pelas instâncias judiciais. Como informa esta semana Isabel Clemente, da revista "Época", o próprio juiz que deu o primeiro ganho de causa para os usineiros determinou que o pagamento fosse feito ao fim do processo. Detalhe: além de ter sido paga uma dívida discutível, o valor foi pago em dinheiro e não em precatórios, como o usual. O diretor-geral da ANP disse que o acordo foi "beneficioso" para os cofres públicos. Pode- se imaginar como seria se não fosse "beneficioso".
O governo, com sua vasta base aliada, terá maioria esmagadora na CPI. Vai tentar usar isso para atrapalhar o funcionamento da comissão. Será um erro. Porque aí mesmo é que vão pairar dúvidas que farão muito mal à imagem da Petrobras.
DEU EM O GLOBO
Tantas CPIs depois, o país já sabe que há uma lei geral sobre o tema. Os governos nunca querem as CPIs e tentam controlar todos os postos-chaves; as oposições sempre querem colocar o governo na berlinda e são ajudadas pelas divisões da base aliada. Em algumas, surgem denúncias e depoimentos espantosos. Poucas produzem efeitos concretos. Nenhuma provoca o fim do mundo.
O STF, consultado, respondeu: CPI é um direito da minoria. Tem gente que acha que o Congresso tem apenas que votar leis - há congressistas que pensam que é apenas viajar a passeio, mas isso é outra história -, só que uma das funções do Legislativo é fiscalizar o Executivo, e um dos instrumentos é a comissão parlamentar.
Por isso, entende-se essa luta dentro do Congresso, de a base do governo - de Collor de Mello a Renan Calheiros, entre outros menos votados - tentar ocupar os espaços. Da mesma forma que a minoria tenta garantir a regra de que o autor do requerimento tenha, pelo menos, uma das duas posições mais importantes.
O que não dá para entender são os apelos patrióticos contra a CPI. A Petrobras não sairá de lá desmoralizada, não perderá reputação, não terá o mercado de capitais fechado para ela. Não é ela que está sendo analisada, mas sim a atual administração, por seus supostos erros e omissões.
A Petrobras não é a Geni. É a maior empresa do país, exerce poder de monopólio num setor com muitas ramificações na vida dos cidadãos e das empresas; recolhe uma montanha de impostos, pagos pelos consumidores finais e que ela entrega aos cofres públicos; tem milhares de contratos com empresas e fornecedores. Tudo isso já a faria grande e visada. Só que ela é mais: a Petrobras está no imaginário nacional como nenhuma outra empresa por ter tido um berço esplêndido: nasceu de uma mobilização popular e de uma teimosia do país contra prognósticos de não haver petróleo em nosso subsolo.
Nada disso estará sob escrutínio agora. O que vai se discutir não são a importância e a força da empresa, mas sim as suspeitas e indícios de irregularidades que foram detectados pelo TCU e pela Polícia Federal. O argumento de que os executivos não podem responder pelos milhares de contratos de fornecimento espanta pela informação que passa sobre a qualidade da gestão da empresa. Uma pessoa sozinha não sabe tudo sobre todos os contratos de uma companhia desse porte, mas um modelo de gestão eficiente, práticas transparentes e controles permitem reduzir ao mínimo as irregularidades. Neste ponto, se a CPI ajudar a informar aos atuais administradores de que algo errado pode ter acontecido na construção das plataformas ou da refinaria, será a oportunidade de aperfeiçoar processos e controles.
Vale lembrar, mais uma vez, que não foram o Congresso nem a oposição que falaram primeiro em indícios de superfaturamento na Refinaria Abreu e Lima ou de possíveis irregularidades na construção de plataformas, mas sim o TCU. Dúvidas sobre a reforma de plataformas vieram da Operação Águas Profundas, da Polícia Federal.
A atual administração da companhia tem a impressão equivocada de que salvou a empresa da sanha privatista do governo anterior. A Petrobras nunca foi colocada no programa de privatização, e vendê-la seria um erro gigantesco porque se criaria um monstro: o monopólio privado, ainda mais nocivo que o estatal. Quando, em um momento do governo passado, uma diretoria tentou trocar o nome da empresa para Petrobrax, escrevi aqui que isso era ideia de jerico. Felizmente, por ser estapafúrdia, a ideia naufragou em 24 horas em águas profundas.
A Petrobras não pertence a uma administração, a um partido político, a uma facção de um partido. Ela é uma companhia, com ações em bolsa e o controle do Tesouro, a quem o país transferiu inúmeras riquezas e patrimônio, que tem uma coleção formidável de privilégios, e todos esses ativos não podem estar a serviço de uma agremiação política. É esse princípio que foi descumprido nos últimos anos e alimentou a reação do Congresso.
Essa CPI é erroneamente chamada de CPI da Petrobras. No nome completo, tem que constar a Agência Nacional do Petróleo (ANP), sobre a qual existem dúvidas até mais concretas, nas distribuições de royalties e, sobretudo, no estranho caso dos R$178 milhões entregues aos usineiros por um subsídio já extinto e numa ação judicial que mal começava sua peregrinação pelas instâncias judiciais. Como informa esta semana Isabel Clemente, da revista "Época", o próprio juiz que deu o primeiro ganho de causa para os usineiros determinou que o pagamento fosse feito ao fim do processo. Detalhe: além de ter sido paga uma dívida discutível, o valor foi pago em dinheiro e não em precatórios, como o usual. O diretor-geral da ANP disse que o acordo foi "beneficioso" para os cofres públicos. Pode- se imaginar como seria se não fosse "beneficioso".
O governo, com sua vasta base aliada, terá maioria esmagadora na CPI. Vai tentar usar isso para atrapalhar o funcionamento da comissão. Será um erro. Porque aí mesmo é que vão pairar dúvidas que farão muito mal à imagem da Petrobras.
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