Crítica Luiz Zanin Oricchio
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2
Longa-metragem do cineasta Pompeu Aguiar tem na atriz Dedina Bernardelli a presença quase exclusiva na tela
Adagio Sostenuto, de Pompeu Aguiar, demonstra com folga as virtudes e riscos de uma aposta no cinema poético. Méritos óbvios, ao fugir da narrativa naturalista convencional, mainstream suposto do cinema contemporâneo. Problemas, ao intelectualizar demais, como a colocar cimento conceitual em uma narrativa de natureza obrigatoriamente porosa.
O filme concentra-se na presença permanente na tela da personagem Anna, vivida por Dedina Bernardelli. Em off, ouvem-se as vozes de Alexandre Borges e Priscilla Rozenbaum. Anna evoca a figura do seu marido, aparentemente uma vítima da violência urbana. Acresce que Anna e José, o ausente, são, ou eram, parceiros na construção de um filme que fala numa vida longa, um casal de professores que, ao sentir a proximidade do fim, a miséria do naufrágio final que é a velhice, suicida-se. Boa parte dos diálogos é consumida na discussão desse final. Se seria lógico ou pessimista; trágico ou niilista; inevitável ou desesperançado.
Há um traço no filme, e que não funciona a contento - a relação com o tempo. No fundo, é o próprio tema, ou, no mínimo, um dos seus subtemas mais importantes. O casal jogado no tempo, o envelhecimento, na "ficção dentro do filme". Já no caso da narradora, Anna, e seu companheiro José, o tempo é cortado pela brutalidade contemporânea. No entanto, o próprio filme é vítima do tempo, pois demora demais a engrenar, a dizer a que vem. As imagens recorrentes da praia, do mar batendo, do luar, parecem menos destinadas a estabelecer um estado de espírito do que preencher vácuos de estrutura.
Da mesma forma, desafinam os apelos à forma musical, como a justificar o título que se refere a um andamento comum nas anotações de partitura. Lento e sustentado, é a tradução da notação italiana. Mas acontece que a lentidão nem sempre é sustentada pela coerência da forma. Daí a impressão de espaços mortos, citações e um tom hierático que nem sempre se justificam no conjunto da obra. A frequência de citações intelectuais também leva a pensar em um excesso. Parece que, num tipo de projeto como esse, referências funcionam melhor se apenas sugeridas. Quando jazem abaixo da linha de superfície e assim produzem melhor seus efeitos. Ostentadas, perdem eficácia e se transformam em pedantismo. Quebram o enlevo do espectador em vez de conduzi-lo a um estado poético de receptividade, como talvez fosse a intenção.
Adagio Sostenuto não é mau filme. É sensível e inteligente. Ma non troppo.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2
Longa-metragem do cineasta Pompeu Aguiar tem na atriz Dedina Bernardelli a presença quase exclusiva na tela
Adagio Sostenuto, de Pompeu Aguiar, demonstra com folga as virtudes e riscos de uma aposta no cinema poético. Méritos óbvios, ao fugir da narrativa naturalista convencional, mainstream suposto do cinema contemporâneo. Problemas, ao intelectualizar demais, como a colocar cimento conceitual em uma narrativa de natureza obrigatoriamente porosa.
O filme concentra-se na presença permanente na tela da personagem Anna, vivida por Dedina Bernardelli. Em off, ouvem-se as vozes de Alexandre Borges e Priscilla Rozenbaum. Anna evoca a figura do seu marido, aparentemente uma vítima da violência urbana. Acresce que Anna e José, o ausente, são, ou eram, parceiros na construção de um filme que fala numa vida longa, um casal de professores que, ao sentir a proximidade do fim, a miséria do naufrágio final que é a velhice, suicida-se. Boa parte dos diálogos é consumida na discussão desse final. Se seria lógico ou pessimista; trágico ou niilista; inevitável ou desesperançado.
Há um traço no filme, e que não funciona a contento - a relação com o tempo. No fundo, é o próprio tema, ou, no mínimo, um dos seus subtemas mais importantes. O casal jogado no tempo, o envelhecimento, na "ficção dentro do filme". Já no caso da narradora, Anna, e seu companheiro José, o tempo é cortado pela brutalidade contemporânea. No entanto, o próprio filme é vítima do tempo, pois demora demais a engrenar, a dizer a que vem. As imagens recorrentes da praia, do mar batendo, do luar, parecem menos destinadas a estabelecer um estado de espírito do que preencher vácuos de estrutura.
Da mesma forma, desafinam os apelos à forma musical, como a justificar o título que se refere a um andamento comum nas anotações de partitura. Lento e sustentado, é a tradução da notação italiana. Mas acontece que a lentidão nem sempre é sustentada pela coerência da forma. Daí a impressão de espaços mortos, citações e um tom hierático que nem sempre se justificam no conjunto da obra. A frequência de citações intelectuais também leva a pensar em um excesso. Parece que, num tipo de projeto como esse, referências funcionam melhor se apenas sugeridas. Quando jazem abaixo da linha de superfície e assim produzem melhor seus efeitos. Ostentadas, perdem eficácia e se transformam em pedantismo. Quebram o enlevo do espectador em vez de conduzi-lo a um estado poético de receptividade, como talvez fosse a intenção.
Adagio Sostenuto não é mau filme. É sensível e inteligente. Ma non troppo.
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