Ricardo Calil
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada
Documentário mostra que problema ainda persiste, mas entra em contradição
Os três longas-metragens realizados por José Padilha até aqui -"Ônibus 174", "Tropa de Elite" e "Garapa"- não têm uma unidade de linguagem evidente, mas possuem estratégias em comum bastante significativas.
Em primeiro lugar, há sempre a abordagem de algum tema social maiúsculo -respectivamente, a Exclusão, a Violência, a Fome.
Depois existe a tentativa de trazer à tona uma verdade inconveniente ao espectador, em particular o de classe média alta, que hoje forma o grosso do público de cinema.
Em "Tropa", por exemplo, era a ideia de que o consumidor de drogas é também responsável pela violência do tráfico. Em "Garapa", a lembrança de que a fome, embora ausente das manchetes dos jornais e das preocupações da maioria, continua a atingir uma enorme fatia da população brasileira.
Por fim, Padilha transforma esses conceitos em teses a serem didaticamente comprovadas. Se em "Tropa" havia a narração em off do capitão Nascimento, em "Garapa" há outros procedimentos. De um lado, há o didatismo da imagem. Um exemplo: as cenas de crianças com feridas abertas atacadas por mosquitos aparecem várias vezes, para que o público "sinta na pele" a miséria dos famintos.
São tantas e tão longas repetições que em algum momento o espectador pode achar que é a criança -e o filme, o incômodo inseto.
Curto-circuito
De outro lado, há o didatismo da palavra: cartelas no começo e no fim oferecem pensamentos e números sobre a fome e desnutrição no Brasil e no mundo, comprovando que o problema ainda existe -e que, apesar de avanços, está longe de ser sanado pelo programa Bolsa Família.
Ao final, porém, a palavra aparece não para explicar, mas para provocar um curto-circuito no filme. Se na maior parte da projeção Padilha adota os procedimentos do cinema direto americano (escola documental que, grosso modo, prega a observação de uma realidade com a mínima interferência da equipe de filmagem), no fim ele decide perguntar diretamente a uma das personagens algo como: "Se vocês não têm comida para alimentar a família, por que continuam tendo filhos?".
É como se o filme dissesse: se "eles" continuam se reproduzindo como coelhos, por que "nós" deveríamos nos preocupar? Nesse momento, o incômodo é apaziguado, a consciência esquece a culpa, e o filme entra em pane.
Em primeiro lugar, há sempre a abordagem de algum tema social maiúsculo -respectivamente, a Exclusão, a Violência, a Fome.
Depois existe a tentativa de trazer à tona uma verdade inconveniente ao espectador, em particular o de classe média alta, que hoje forma o grosso do público de cinema.
Em "Tropa", por exemplo, era a ideia de que o consumidor de drogas é também responsável pela violência do tráfico. Em "Garapa", a lembrança de que a fome, embora ausente das manchetes dos jornais e das preocupações da maioria, continua a atingir uma enorme fatia da população brasileira.
Por fim, Padilha transforma esses conceitos em teses a serem didaticamente comprovadas. Se em "Tropa" havia a narração em off do capitão Nascimento, em "Garapa" há outros procedimentos. De um lado, há o didatismo da imagem. Um exemplo: as cenas de crianças com feridas abertas atacadas por mosquitos aparecem várias vezes, para que o público "sinta na pele" a miséria dos famintos.
São tantas e tão longas repetições que em algum momento o espectador pode achar que é a criança -e o filme, o incômodo inseto.
Curto-circuito
De outro lado, há o didatismo da palavra: cartelas no começo e no fim oferecem pensamentos e números sobre a fome e desnutrição no Brasil e no mundo, comprovando que o problema ainda existe -e que, apesar de avanços, está longe de ser sanado pelo programa Bolsa Família.
Ao final, porém, a palavra aparece não para explicar, mas para provocar um curto-circuito no filme. Se na maior parte da projeção Padilha adota os procedimentos do cinema direto americano (escola documental que, grosso modo, prega a observação de uma realidade com a mínima interferência da equipe de filmagem), no fim ele decide perguntar diretamente a uma das personagens algo como: "Se vocês não têm comida para alimentar a família, por que continuam tendo filhos?".
É como se o filme dissesse: se "eles" continuam se reproduzindo como coelhos, por que "nós" deveríamos nos preocupar? Nesse momento, o incômodo é apaziguado, a consciência esquece a culpa, e o filme entra em pane.
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