Janio de Freitas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
A crise está na degradação das instituições; o problema nem é mais esse estado de coisas -é como sair dele
AS DIFERENÇAS de personagens e de circunstâncias, nas aberrações que se revelam umas após outras em Brasília, levam a vermos cada episódio como um fato em si, sem conexão com os precedentes e com os que se insinuam para o nosso próximo pasmo. Mas o mensalão não seria possível na Câmara se no Congresso não vigorassem a permissividade e a desmoralização que mostram agora, no Senado, outras de suas faces. As medidas provisórias que jorram da Presidência da República, em outro exemplo, só são possíveis, no seu amalandrado desrespeito à Constituição, porque logo ao se instalar o governo comprou grande parte do Legislativo, pagando com cargos públicos do Executivo. E aí está, com as recentes invasões de Poderes alheios, o Judiciário, ou, em citação mais justa, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral.
Nada é isolado, fatos limitados a si mesmos, na sucessão de aberrações que explodem sem cessar em Brasília. Trata-se, na expressão comum e mais prática, de um estado de coisas.
Não recente, porém. Talvez nascido com a própria capital, pelas maneiras adotadas para preenchê-la de vida. Sem ir tão longe, pode-se dizer que o agravamento de tudo estava já evidente no governo passado. Nas alianças espúrias do inovador PSDB no Congresso, na inovadora compra a dinheiro de votos parlamentares para a reeleição e, entre tantas outras, na inovação das privatizações manipuladas com participação explícita do próprio presidente da República. Tudo com a inovação de comprovações deixadas no caminho dos maus passos.
O desprezo da legalidade aí praticado sem reação efetiva, e muito escamoteado pelos meios de comunicação por apoio irrestrito a Fernando Henrique, abriu a oportunidade de novas condutas incompatíveis com o poder público. Uma delas: a reiterada afirmação de Lula, nos últimos dias, de que quer Dilma Rousseff como sua sucessora confirma, contra as tantas negativas anteriores, que o quase ininterrupto périplo dos dois pelo país afora, para inspeções inexistentes e celebrações forçadas, já era a apresentação eleitoreira da pretendida candidata. Mas em clara afronta à legislação eleitoral e em plena ilegalidade do uso eleitoreiro de recursos públicos.
As apropriações do poder de legislar, feitas pelo TSE e pelo STF, foram revestidas pelas afirmações de magistrados de ambos, e por vários comentaristas, com este aplauso: "O Judiciário agiu para suprir a omissão do Congresso". Os dois tribunais nada supriram, nem poderiam fazê-lo: conferiram-se um poder que a Constituição não lhes dá, e por isso valeram-se do artifício de incluir as condutas legislativas em decisões que, estas sim, poderiam competir-lhes.
"Suprir omissão do Congresso" é exercer poderes que exigem a representatividade conferida pelo voto popular, o que nem um só integrante do TSE e do STF tem. Além disso, se esses dois tribunais podem suprir o Congresso, o Congresso também há de poder supri-los, decidindo processos que vagam por anos e anos nas altitudes inebriantes do Judiciário. O TSE, a propósito, dá nestes dias uma ilustração de sua eficiência, ao julgar dois governadores já no terceiro dos quatro anos de mandato, ambos acusados de crimes eleitorais na campanha. E ainda falta julgar vários outros, o que pode se dar quando já estejam em outra campanha ou mandato.
Os avanços do Judiciário (representado pelo STF e pelo TSE) sobre os poderes do Legislativo só são possíveis porque a degradação do Congresso e de sua função o impede de reagir. Enquanto o Executivo, para não ser incomodado pelo Judiciário em suas ilegalidades, põe-se à margem. Todos se entendem no seu desentendimento.
Não há crise nos desaforos de ministros do STF. Não são as espertezas e as telefônicas de Lula que determinam a crise. Nem os trambiques financeiros e as passagens aéreas de senadores, as quais, por sinal, em vez de restringidas, deveriam ser liberadas -com a condição de servirem a viagens imediatas para as atrações turísticas do México. A crise está na degradação das instituições e do Estado de Direito. O problema, no entanto, nem é mais esse estado de coisas. É como sair dele -se ainda for possível.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
A crise está na degradação das instituições; o problema nem é mais esse estado de coisas -é como sair dele
AS DIFERENÇAS de personagens e de circunstâncias, nas aberrações que se revelam umas após outras em Brasília, levam a vermos cada episódio como um fato em si, sem conexão com os precedentes e com os que se insinuam para o nosso próximo pasmo. Mas o mensalão não seria possível na Câmara se no Congresso não vigorassem a permissividade e a desmoralização que mostram agora, no Senado, outras de suas faces. As medidas provisórias que jorram da Presidência da República, em outro exemplo, só são possíveis, no seu amalandrado desrespeito à Constituição, porque logo ao se instalar o governo comprou grande parte do Legislativo, pagando com cargos públicos do Executivo. E aí está, com as recentes invasões de Poderes alheios, o Judiciário, ou, em citação mais justa, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral.
Nada é isolado, fatos limitados a si mesmos, na sucessão de aberrações que explodem sem cessar em Brasília. Trata-se, na expressão comum e mais prática, de um estado de coisas.
Não recente, porém. Talvez nascido com a própria capital, pelas maneiras adotadas para preenchê-la de vida. Sem ir tão longe, pode-se dizer que o agravamento de tudo estava já evidente no governo passado. Nas alianças espúrias do inovador PSDB no Congresso, na inovadora compra a dinheiro de votos parlamentares para a reeleição e, entre tantas outras, na inovação das privatizações manipuladas com participação explícita do próprio presidente da República. Tudo com a inovação de comprovações deixadas no caminho dos maus passos.
O desprezo da legalidade aí praticado sem reação efetiva, e muito escamoteado pelos meios de comunicação por apoio irrestrito a Fernando Henrique, abriu a oportunidade de novas condutas incompatíveis com o poder público. Uma delas: a reiterada afirmação de Lula, nos últimos dias, de que quer Dilma Rousseff como sua sucessora confirma, contra as tantas negativas anteriores, que o quase ininterrupto périplo dos dois pelo país afora, para inspeções inexistentes e celebrações forçadas, já era a apresentação eleitoreira da pretendida candidata. Mas em clara afronta à legislação eleitoral e em plena ilegalidade do uso eleitoreiro de recursos públicos.
As apropriações do poder de legislar, feitas pelo TSE e pelo STF, foram revestidas pelas afirmações de magistrados de ambos, e por vários comentaristas, com este aplauso: "O Judiciário agiu para suprir a omissão do Congresso". Os dois tribunais nada supriram, nem poderiam fazê-lo: conferiram-se um poder que a Constituição não lhes dá, e por isso valeram-se do artifício de incluir as condutas legislativas em decisões que, estas sim, poderiam competir-lhes.
"Suprir omissão do Congresso" é exercer poderes que exigem a representatividade conferida pelo voto popular, o que nem um só integrante do TSE e do STF tem. Além disso, se esses dois tribunais podem suprir o Congresso, o Congresso também há de poder supri-los, decidindo processos que vagam por anos e anos nas altitudes inebriantes do Judiciário. O TSE, a propósito, dá nestes dias uma ilustração de sua eficiência, ao julgar dois governadores já no terceiro dos quatro anos de mandato, ambos acusados de crimes eleitorais na campanha. E ainda falta julgar vários outros, o que pode se dar quando já estejam em outra campanha ou mandato.
Os avanços do Judiciário (representado pelo STF e pelo TSE) sobre os poderes do Legislativo só são possíveis porque a degradação do Congresso e de sua função o impede de reagir. Enquanto o Executivo, para não ser incomodado pelo Judiciário em suas ilegalidades, põe-se à margem. Todos se entendem no seu desentendimento.
Não há crise nos desaforos de ministros do STF. Não são as espertezas e as telefônicas de Lula que determinam a crise. Nem os trambiques financeiros e as passagens aéreas de senadores, as quais, por sinal, em vez de restringidas, deveriam ser liberadas -com a condição de servirem a viagens imediatas para as atrações turísticas do México. A crise está na degradação das instituições e do Estado de Direito. O problema, no entanto, nem é mais esse estado de coisas. É como sair dele -se ainda for possível.
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