quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Dilma, Lina e os sapos de Bandeira

Elio Gaspari
DEU EM O GLOBO

A ministra Dilma Rousseff colheu o que plantou. Tinha mestrado pela Unicamp, mas não tinha. Disse a um grupo de empresários paulistas que o governo coletava despesas de Fernando Henrique Cardoso ao tempo em que estivera no Planalto e, semanas depois, convenceu-se que tudo não passava de um “banco de dados”.

Isso num governo em que não houve nada parecido com o mensalão, no qual José Sarney não é “uma pessoa comum”.

Agora a ministra está numa enrascada.

É a palavra dela contra a da exsecretária da Receita, Lina Vieira, bacharel em Direito pela Mackenzie de São Paulo, com 33 anos de serviço público. Durante os onze meses em que ela ficou no cargo, deixou uma frase inesquecível.

Referindo-se aos festins de parcelamento e perdão de dívidas de sonegadores, disse que “o bom contribuinte se sente um otário”.

Passado um mês de sua demissão, o governo ainda não ofereceu uma explicação que faça nexo e mereça respeito.

Numa entrevista aos repórteres Andreza Matais e Leonardo Souza, Lina Vieira disse que, no final do ano passado, a ministra Dilma perguntoulhe “se eu podia agilizar a fiscalização do filho do Sarney”. A então secretária entendeu que a ministra estava interessada em “encerrar” a investigação.

(Trata-se de uma blitz nas contas do Sarneystão, que já resultou 17 ações fiscais, atingindo 24 pessoas e empresas, entre elas Fernando Sarney, que já foi indiciado em inquérito da Polícia Federal. Não há notícia de que a Receita tenha lavrado alguma autuação como consequência dessa devassa.) Dilma Rousseff desmente: “Encontrei com a secretária da Receita várias vezes e com outras pessoas junto em grandes reuniões. Essa reunião privada a que ela se refere eu não tive.” Uma das duas está mentindo. Caso para os sapos de Manuel Bandeira: “Meu pai foi rei! – Foi!” “Não foi! Foi!” A denúncia da ex-secretária amparase numa insinuação. Admitindose que houve o encontro e, nele, o pedido, “agilizar” não significa “encerrar”. Tanto é assim que, em setembro de 2007, durante a administração do doutor Jorge Rachid, um juiz federal exigiu que a Receita apressasse seu trabalho. Como até hoje não se sabe por que Lina Vieira foi mandada embora, a insinuação merece o benefício da suspeita.

A ministra e a ex-secretária podem mostrar à choldra que farão um esforço para desmascarar a mentira.

Por enquanto, falta base material ao testemunho de Lina Vieira. Ela não lembra a data do encontro com Dilma Rousseff e acredita que poderá consultar suas agendas ao desencaixotar a mudança que mandou para o Rio Grande do Norte. Tomara que consiga, porque o registro de encontros como esse faz parte da boa prática da administração pública. Fica combinado que não se pode exigir de Dilma Rousseff a prova de que não se encontrou com Lina Vieira.

Pela narrativa da ex-secretária, a conversa aconteceu no Palácio do Planalto. Mesmo na hipótese absurda de não haver registro em qualquer das duas agendas, haverá pelo menos algum vídeo da chegada de Lina Vieira à Casa Civil. Ela conta que entrou pela garagem.

Novamente, deve haver registro. O encontro, pedido pela secretária-executiva (põe executiva nisso) Erenice Guerra, deveria ser “sigiloso”. Sigiloso é uma coisa, clandestino, bem outra.

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