Regina Alvarez e Martha Beck, Brasília
DEU EM O GLOBO
Com a reação da economia brasileira, em meio à crise global, diversos setores da indústria estão próximos do limite da capacidade de produção. Isso pode pressionar a inflação e levar o BC a aumentar juros, caso as empresas não aceleram investimentos.
Retomada com o pé atrás
Gargalo na indústria pode levar BC a subir juros para conter inflação, caso setor não acelere investimentos
A discussão sobre os riscos de uma retomada rápida e vigorosa do crescimento alimentar o dragão da inflação — que opõe técnicos do Ministério da Fazenda e do Banco Central (BC) — ganha consistência e fôlego, a partir de uma análise do nível de utilização da capacidade instalada nos diversos setores da indústria.
Estudo do economista Julio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica, mostra que em alguns setores a utilização já está próxima dos níveis pré-crise, o que reforça a necessidade e a urgência de novos investimentos na indústria, como antídoto às pressões inflacionárias e ao aumento dos juros.
Na média, o nível de utilização na indústria de transformação chegou perto de 82% em setembro, com crescimento de 0,85 ponto percentual por mês no último trimestre. Em agosto de 2008, pouco antes do auge da crise, a utilização estava em 86,6%. Almeida calcula que se o grau de utilização continuar crescendo no mesmo ritmo dos últimos três meses, em seis meses chegará perto de 85%, nível que prevaleceu no período de exuberância da indústria no pré-crise.
Na visão do economista, esse é um nível que levaria os empresários a fazerem planos de novos investimentos.
Por outro lado, poderia acender um sinal de alerta no BC, com consequente aumento dos juros para conter pressões inflacionárias.
— Esse é um problema geral que pode se apresentar já em março ou abril do ano que vem. O ideal é que nesse momento, ou um pouco antes, na virada do ano, houvesse um claro sinal de que os investimentos estão sendo retomados, para evitar que o Banco Central eleve cedo demais a taxa de juros — afirma Almeida.
Em alguns setores da indústria, os gargalos são mais evidentes — caso de material de construção (cujo indicador já atingiu 89,3%) e bens de consumo em geral (84,4%), que são preocupações evidentes a curto prazo.
Já nos setores muito afetados pela crise e naqueles que não contaram com compensações fiscais do governo (redução do IPI) há ainda alguma folga. Esse é o caso dos setores mobiliário e de bens de capital.
“São setores em que o grau de utilização já é hoje elevado e que estão em um processo de crescimento expressivo. Isso pode dificultar ou encarecer programas como o Minha Casa, Minha Vida e abrir caminho (no caso de bens de consumo) para que a importação tome o lugar da produção doméstica”, alerta a análise do economista.
Fábricas já não atendem à demanda
O comportamento da produção permite a mesma leitura. Segundo o IBGE, dos 27 subsetores pesquisados, seis já ultrapassaram o patamar de setembro de 2008, o mais alto da série histórica. Outros três — mobiliário, refino de petróleo e álcool e alimentos — devem ter alcançado esse ritmo de produção no mês passado.
— O ideal seria que o nosso sistema de planejamento se antecipasse e, com os instrumentos de que dispõe (incentivo fiscal e de crédito), evitasse problemas de oferta, especialmente nos casos indicados — afirma Almeida.
Especialista em inflação, o professor de economia da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha considera que já existem sinais concretos de pressão inflacionária em 2010. Cita como exemplos o reaquecimento da indústria no segundo semestre de 2009 e os elevados gastos do governo, que já subiram 12% em termos reais até agosto.
Esses fatores, combinados com o setor de serviços — que pressionou a inflação em 2007 e 2008 e não desaqueceu durante a crise — tenderiam a puxar para cima os preços no ano que vem. Mesmo assim, Cunha não vê riscos de descumprimento da meta de inflação, de 4,5%: — O quadro inflacionário para 2010 não é de tranquilidade total.
Mas não imagino que haja risco de descumprimento da meta — disse.
Cunha destaca que a retomada do crescimento mundial virá acompanhada de um quadro inflacionário no mundo inteiro. No Brasil, o setor de linha branca (geladeiras, fogões, máquinas de lavar e tanquinhos), por exemplo, que foi beneficiado pela diminuição do IPI entre abril e o final de outubro, teve forte aquecimento e já aponta dificuldades para atender à demanda do varejo para o fim do ano.
Lourival Kiçula, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), afirma que a redução do IPI para a linha branca foi importante para estimular as vendas em 2009. O problema é que a demanda foi tão forte que agora as empresas já enfrentam dificuldades para atender aos pedidos para o fim do ano. Segundo Kiçula, a redução do IPI para a linha branca, que acaba no fim de outubro, deveria ser prorrogada.
— As lojas querem que fabriquemos em apenas um mês o que vão vender em três meses. Por isso, esperamos que o governo prorrogue o benefício — afirma.
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider, reconhece que o setor foi muito beneficiado pela redução do IPI e pelo aumento do crédito com a retomada da atividade econômica. No entanto, evita falar em pressão inflacionária. Segundo ele, é preciso ver como o mercado se comportará a partir do aumento das alíquotas, que começa em outubro e será concluído no início de 2010.
Na construção, risco maior será em 2011
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), Paulo Simão Safady, concorda que o setor está aquecido, mas considera que esse fator não deve pressionar a inflação em 2010. Segundo ele, a construção civil — que recebeu incentivos com o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida — deve crescer entre 2,5% e 3% este ano e mais de 5% em 2010.
— O setor está absolutamente tranquilo e equilibrado. Estamos nos preparando para o aquecimento da demanda com várias ações, como um programa de inovação tecnológica muito profundo — diz Simão.
Ele alerta, no entanto, que gargalos poderão aparecer em 2011. Por isso, considera que é preciso continuar trabalhando em medidas que aumentem a competitividade das empresas e reduzam custos. Simão também defende investimentos em mão de obra qualificada. Já o vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, não vê espaço para aumento de preços na indústria: — Não corremos qualquer risco e não será preciso subir juros. Qualquer bem que subir de preço será substituído pelo importado. Com esse câmbio (valorizado) já tem muito industrial deixando de produzir para importar.
DEU EM O GLOBO
Com a reação da economia brasileira, em meio à crise global, diversos setores da indústria estão próximos do limite da capacidade de produção. Isso pode pressionar a inflação e levar o BC a aumentar juros, caso as empresas não aceleram investimentos.
Retomada com o pé atrás
Gargalo na indústria pode levar BC a subir juros para conter inflação, caso setor não acelere investimentos
A discussão sobre os riscos de uma retomada rápida e vigorosa do crescimento alimentar o dragão da inflação — que opõe técnicos do Ministério da Fazenda e do Banco Central (BC) — ganha consistência e fôlego, a partir de uma análise do nível de utilização da capacidade instalada nos diversos setores da indústria.
Estudo do economista Julio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica, mostra que em alguns setores a utilização já está próxima dos níveis pré-crise, o que reforça a necessidade e a urgência de novos investimentos na indústria, como antídoto às pressões inflacionárias e ao aumento dos juros.
Na média, o nível de utilização na indústria de transformação chegou perto de 82% em setembro, com crescimento de 0,85 ponto percentual por mês no último trimestre. Em agosto de 2008, pouco antes do auge da crise, a utilização estava em 86,6%. Almeida calcula que se o grau de utilização continuar crescendo no mesmo ritmo dos últimos três meses, em seis meses chegará perto de 85%, nível que prevaleceu no período de exuberância da indústria no pré-crise.
Na visão do economista, esse é um nível que levaria os empresários a fazerem planos de novos investimentos.
Por outro lado, poderia acender um sinal de alerta no BC, com consequente aumento dos juros para conter pressões inflacionárias.
— Esse é um problema geral que pode se apresentar já em março ou abril do ano que vem. O ideal é que nesse momento, ou um pouco antes, na virada do ano, houvesse um claro sinal de que os investimentos estão sendo retomados, para evitar que o Banco Central eleve cedo demais a taxa de juros — afirma Almeida.
Em alguns setores da indústria, os gargalos são mais evidentes — caso de material de construção (cujo indicador já atingiu 89,3%) e bens de consumo em geral (84,4%), que são preocupações evidentes a curto prazo.
Já nos setores muito afetados pela crise e naqueles que não contaram com compensações fiscais do governo (redução do IPI) há ainda alguma folga. Esse é o caso dos setores mobiliário e de bens de capital.
“São setores em que o grau de utilização já é hoje elevado e que estão em um processo de crescimento expressivo. Isso pode dificultar ou encarecer programas como o Minha Casa, Minha Vida e abrir caminho (no caso de bens de consumo) para que a importação tome o lugar da produção doméstica”, alerta a análise do economista.
Fábricas já não atendem à demanda
O comportamento da produção permite a mesma leitura. Segundo o IBGE, dos 27 subsetores pesquisados, seis já ultrapassaram o patamar de setembro de 2008, o mais alto da série histórica. Outros três — mobiliário, refino de petróleo e álcool e alimentos — devem ter alcançado esse ritmo de produção no mês passado.
— O ideal seria que o nosso sistema de planejamento se antecipasse e, com os instrumentos de que dispõe (incentivo fiscal e de crédito), evitasse problemas de oferta, especialmente nos casos indicados — afirma Almeida.
Especialista em inflação, o professor de economia da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha considera que já existem sinais concretos de pressão inflacionária em 2010. Cita como exemplos o reaquecimento da indústria no segundo semestre de 2009 e os elevados gastos do governo, que já subiram 12% em termos reais até agosto.
Esses fatores, combinados com o setor de serviços — que pressionou a inflação em 2007 e 2008 e não desaqueceu durante a crise — tenderiam a puxar para cima os preços no ano que vem. Mesmo assim, Cunha não vê riscos de descumprimento da meta de inflação, de 4,5%: — O quadro inflacionário para 2010 não é de tranquilidade total.
Mas não imagino que haja risco de descumprimento da meta — disse.
Cunha destaca que a retomada do crescimento mundial virá acompanhada de um quadro inflacionário no mundo inteiro. No Brasil, o setor de linha branca (geladeiras, fogões, máquinas de lavar e tanquinhos), por exemplo, que foi beneficiado pela diminuição do IPI entre abril e o final de outubro, teve forte aquecimento e já aponta dificuldades para atender à demanda do varejo para o fim do ano.
Lourival Kiçula, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), afirma que a redução do IPI para a linha branca foi importante para estimular as vendas em 2009. O problema é que a demanda foi tão forte que agora as empresas já enfrentam dificuldades para atender aos pedidos para o fim do ano. Segundo Kiçula, a redução do IPI para a linha branca, que acaba no fim de outubro, deveria ser prorrogada.
— As lojas querem que fabriquemos em apenas um mês o que vão vender em três meses. Por isso, esperamos que o governo prorrogue o benefício — afirma.
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider, reconhece que o setor foi muito beneficiado pela redução do IPI e pelo aumento do crédito com a retomada da atividade econômica. No entanto, evita falar em pressão inflacionária. Segundo ele, é preciso ver como o mercado se comportará a partir do aumento das alíquotas, que começa em outubro e será concluído no início de 2010.
Na construção, risco maior será em 2011
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), Paulo Simão Safady, concorda que o setor está aquecido, mas considera que esse fator não deve pressionar a inflação em 2010. Segundo ele, a construção civil — que recebeu incentivos com o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida — deve crescer entre 2,5% e 3% este ano e mais de 5% em 2010.
— O setor está absolutamente tranquilo e equilibrado. Estamos nos preparando para o aquecimento da demanda com várias ações, como um programa de inovação tecnológica muito profundo — diz Simão.
Ele alerta, no entanto, que gargalos poderão aparecer em 2011. Por isso, considera que é preciso continuar trabalhando em medidas que aumentem a competitividade das empresas e reduzam custos. Simão também defende investimentos em mão de obra qualificada. Já o vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, não vê espaço para aumento de preços na indústria: — Não corremos qualquer risco e não será preciso subir juros. Qualquer bem que subir de preço será substituído pelo importado. Com esse câmbio (valorizado) já tem muito industrial deixando de produzir para importar.
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