Armínio Fraga acha que o país pode crescer 5% ou mais no ano que vem. Acredita que há riscos de uma recaída na economia americana. Define como band-aid o IOF sobre capital estrangeiro e acha que nem maior liberdade no mercado cambial resolverá o problema da valorização do real.
“O Brasil é uma história de sucesso, e hoje o mundo paga juros zero, e nós 10% em um ano.”
Entrevistei o ex-presidente do Banco Central, hoje no Gávea Investimentos, no programa da Globonews. Ele analisou a conjuntura econômica do Brasil e do mundo, mas ao mesmo tempo fez alertas de mais longo prazo: — Tivemos no Brasil uma recessão profunda mas curta.
Em 2010, vamos crescer 5%.
Isso em parte é efeito estatístico, mas o crescimento sustentado ainda não está garantido.
O país deveria aproveitar o momento positivo, o embalo, e fazer algumas tarefas necessárias. A taxa de investimento não subiu, é muita baixa, a qualidade da educação é muito ruim.
Ele acaba de voltar de uma viagem internacional, daquelas que faz com frequência, mas viu que o Brasil, como nunca, está na moda: — De todos os emergentes, o Brasil é o mais ocidental, mais institucionalizado, tem democracia, imprensa livre, alternância de poder, e eles hoje valorizam isso. O país estabilizou a economia e saiu da situação de quase permanente moratória. Mas a visão que se tem de nós lá fora é meio artificial, não fizemos algumas lições que precisamos fazer.
No caso da educação, Armínio acha que o dedo não deve ser apontado só para o governo, mas também para as famílias: — O erro é nosso também.
A maioria das famílias não se preocupa com a educação dos filhos, não acompanha. É um mistério. Na China, a família só falta ir armada para a escola exigir qualidade.
Perguntei se a baixa taxa de investimento não era um problema crônico no Brasil: — Nada é crônico, tudo é curável no Brasil. Nós precisamos de investimentos de longo prazo.
O risco mais imediato neste momento, ele falou recentemente ao “Valor Econômico” sobre o tema, é o de que o Brasil esteja revisitando o velho vício do patrimonialismo, nome tão feio quanto o fenômeno que ele define: o de usar o Estado para fins privados.
Ao “Valor”, ele disse a frase “precisamos reestatizar o Estado”. Pedi explicação: — O governo está tentando aumentar a presença do Estado na economia. Ele está sendo aparelhado e direcionado para interesses partidários, sindicais e até privados.
Um dos indícios é o enorme crescimento dos bancos estatais. Há a Petrobras com esta descoberta maravilhosa do pré-sal. Mas ela é uma empresa com capital privado também e está sendo beneficiada. Até o Itamaraty, que sempre foi uma carreira de Estado, está agora batendo bumbo.
Perguntei se o aumento da presença do Estado em outras economias, tradicionalmente liberais, não mostraria a vitória de um pensamento mais favorável à presença do governo. Ele deu uma resposta inesperada: — Sim, nós vencemos. Nós de centro-esquerda. Quem está no Brasil acaba sendo de centro-esquerda por ficar contra essa absurda concentração de renda. Mas o país não tem essa renda concentrada por acaso. É o modelo do Estado capturado por interesses privados que fez isso.
Reduzir o Estado empresário, que fazia aço e telefonia, faz sentido, mas é preciso fortalecê-lo e equipá-lo para as suas funções.
Sobre a crise financeira, ele acha que o excesso de liberalismo foi derrotado: — A crise foi um sinal de fracasso da economia num sistema de regulação excessivamente liberal. O governo teve que entrar para apagar o incêndio. No Brasil, há muitos anos a regulação foi bem mais restritiva e não houve essa alavancagem toda, nem esses veículos financeiros que não entravam no balanço.
Ele acha que há riscos de novas bolhas no mundo: — Estávamos sim perto de 1929, numa situação até pior a meu ver. Mas as respostas dos governos impediram isso, quando deram doses monumentais de esteroides às economias. Mas, continuando a analogia médica, se postergou a cura porque a doença foi mascarada. Não acredito que a economia internacional vai sair dessa confusão crescendo como antes.
Há sim o risco de que juros baixos demais alimentem uma bolha. O dinheiro fica queimando na mão da pessoa, aí ela começa a comprar.
Dá certo, ela compra mais e se forma a bolha. Não é o caso do Brasil. Não acho que haja bolha na bolsa brasileira. Ela não está barata como antes, mas não em bolha.
Armínio, que é do conselho consultivo do Fundo Soberano da China, concorda que a moeda chinesa deveria voltar a se valorizar em relação ao dólar porque a interrupção do processo de valorização está criando tensões demais no mundo e está se mantendo o desequilíbrio de antes: em que a China vendia demais, e os Estados Unidos compravam demais.
Para ele, há o risco de que a economia americana tenha uma recaída: — É isso que se fala nos bastidores, é esse o maior temor. Além disso, os países do G-7 vão sair da crise com uma relação dívida/PIB de 120%, e os maiores emergentes, com 40%. A coisa se inverteu.
Eles estão queimando reputação, mas a reputação não é infinita.
Na visão dele, o dólar pode continuar caindo. A melhor forma de ter um câmbio mais equilibrado é reduzir gastos públicos para abrir espaço para a queda dos juros.
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