DEU EM O GLOBO
Toda a estratégia do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, na árdua negociação política para se transformar em uma opção viável do PSDB para a eleição de presidente da República no ano que vem está baseada na sua capacidade de dialogar com adversários e de agregar apoios, como destacou na mensagem publicada na coluna de ontem. O objetivo seria construir um ambiente propício ao convívio de contrários, especialmente PT e PSDB, que há 20 anos polarizam a política nacional. A preocupação de Aécio é que o pós-Lula seja vivido num clima de radicalização entre os dois partidos, cuja origem paulista explicaria, em grande parte, esse embate e caracterizaria uma visão provinciana da política.
O próximo presidente, seja qual for, pode ter muita dificuldade de governar se não for ultrapassado esse obstáculo, e, sendo o governador paulista José Serra, a dificuldade seria maior ainda, justamente por representar o grupo tucano que domina a política paulista, em contraponto aos petistas, adversários que vêm sendo permanentemente batidos no estado.
Juntando-se a isso, há o que o cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio, define como “a frustração dos mineiros”, que ajudaram a tirar os paulistas do poder em 1930 e os recolocaram de volta em 1994.
Ele ressalta que São Paulo, o principal estado brasileiro, ficou fora do comando da federação por 64 anos: de 1930 a 1994, tirando os nove meses de Jânio Quadros e o período dos militares, “isso porque mineiros e gaúchos se uniram contra os paulistas”.
O candidato do ex-presidente Itamar Franco à sua sucessão era o deputado federal Antonio Britto, político gaúcho, revivendo a velha aliança de Minas com o Rio Grande do Sul. E, como Britto não quis, ele apoiou Fernando Henrique, esperando voltar à política do “café com leite”, e se sentiu traído pela reeleição.
“Fernando Henrique fez com Itamar a mesma coisa que Washington Luiz em 1929, quando não apoiou Antonio Carlos, presidente de Minas”, relembra Romero Jacob, para concluir: “É claro que existe em Minas uma certa decepção”.
Para ele, é possível que, ao escolher a ministra Dilma Rousseff para candidata oficial à sua sucessão, o presidente Lula tenha levado em conta não apenas suas qualidades de gestão, ou o fato de ser uma mulher.
A questão regional também deve ter pesado, diz Jacob: Dilma é uma política do Rio Grande do Sul, e, para sorte do projeto político governista, nasceu em Minas Gerais.
Com sua indicação, Lula quebrou a hegemonia paulista dos últimos 16 anos, onde ele e Fernando Henrique, dois políticos paulistas, exerceram a Presidência da República.
E é o que Aécio Neves tenta fazer dentro do PSDB.
O apoio do deputado Ciro Gomes deve ser entendido dentro dessa lógica, mas continuo considerando que foi um erro estratégico, pois Ciro transformou o grupo paulista do PSDB no inimigo a ser batido, e Aécio, mesmo sem a intenção, associou-se a ele.
As semelhanças entre PT e PSDB estão explicitadas no programa econômico do governo Lula, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acaba de definir, em entrevista ao jornal espanhol “El País”, como uma política social-democrata, e pelos programas sociais, que tiveram início no governo tucano e foram ampliadas na gestão Lula, com a união de todos eles sob o guardachuva do Bolsa Família.
Continuidade destacada pela revista inglesa “The Economist”, na reportagem de capa sobre o Brasil, que lembra que o governo Fernando Henrique, com a implantação do Plano Real, estabilizou a economia, controlou a inflação e deu condições a que o governo Lula pudesse fazer uma política de crescimento econômico com distribuição de renda, aproveitando-se dos anos dourados da economia mundial.
Mas o decorrer do governo Lula também mostrou diferenças acentuadas entre a maneira de ver o Estado do PT e do PSDB, reforçando as separações para além da simples disputa eleitoral.
Uma das diferenças fundamentais é que o PSDB acha que programa social bom é aquele que diminui a cada ano. Reduzir o número de famílias atendidas pelo Bolsa Família significaria que elas teriam sido incluídas no mercado de trabalho, o que demonstraria o sucesso do programa.
O governo Lula, ao contrário, festeja o aumento para 11 milhões dos bolsistas, numa visão assistencialista.
O aumento da máquina estatal, e seu aparelhamento pelos sindicalistas e militantes petistas, é outro ponto de discordância entre os dois grupos políticos.
O PT diz que fortalece a máquina estatal, desmontada pela visão neoliberal do PSDB, e os tucanos acusam os petistas de usarem politicamente o Estado, abrindo mão da eficiência e não evitando desperdícios do dinheiro público.
Ao dizer que não tem condições intelectuais para redigir a decisão do Supremo sobre o caso Cesare Battisti, o relator, ministro Cezar Peluso, procura, pela ironia, ressaltar a incongruência da decisão de extraditar o italiano, mas permitir que o presidente da República não cumpra os acordos internacionais firmados pelo país.
A destacar o fato de que essa dicotomia foi uma estratégia da defesa que, perdida a causa central, “inventou” a polêmica. Todos os ministros que votaram a favor de Battisti votaram também por dar a decisão final ao presidente.
O único incoerente foi o ministro Ayres Britto, que votou pela extradição, mas abriu a brecha para que Cesare Battisti possa ficar no Brasil.
Difícil vai ser o presidente Lula encontrar um jeito de ficar bem com a esquerda e, ao mesmo tempo, com o governo italiano.
Toda a estratégia do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, na árdua negociação política para se transformar em uma opção viável do PSDB para a eleição de presidente da República no ano que vem está baseada na sua capacidade de dialogar com adversários e de agregar apoios, como destacou na mensagem publicada na coluna de ontem. O objetivo seria construir um ambiente propício ao convívio de contrários, especialmente PT e PSDB, que há 20 anos polarizam a política nacional. A preocupação de Aécio é que o pós-Lula seja vivido num clima de radicalização entre os dois partidos, cuja origem paulista explicaria, em grande parte, esse embate e caracterizaria uma visão provinciana da política.
O próximo presidente, seja qual for, pode ter muita dificuldade de governar se não for ultrapassado esse obstáculo, e, sendo o governador paulista José Serra, a dificuldade seria maior ainda, justamente por representar o grupo tucano que domina a política paulista, em contraponto aos petistas, adversários que vêm sendo permanentemente batidos no estado.
Juntando-se a isso, há o que o cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio, define como “a frustração dos mineiros”, que ajudaram a tirar os paulistas do poder em 1930 e os recolocaram de volta em 1994.
Ele ressalta que São Paulo, o principal estado brasileiro, ficou fora do comando da federação por 64 anos: de 1930 a 1994, tirando os nove meses de Jânio Quadros e o período dos militares, “isso porque mineiros e gaúchos se uniram contra os paulistas”.
O candidato do ex-presidente Itamar Franco à sua sucessão era o deputado federal Antonio Britto, político gaúcho, revivendo a velha aliança de Minas com o Rio Grande do Sul. E, como Britto não quis, ele apoiou Fernando Henrique, esperando voltar à política do “café com leite”, e se sentiu traído pela reeleição.
“Fernando Henrique fez com Itamar a mesma coisa que Washington Luiz em 1929, quando não apoiou Antonio Carlos, presidente de Minas”, relembra Romero Jacob, para concluir: “É claro que existe em Minas uma certa decepção”.
Para ele, é possível que, ao escolher a ministra Dilma Rousseff para candidata oficial à sua sucessão, o presidente Lula tenha levado em conta não apenas suas qualidades de gestão, ou o fato de ser uma mulher.
A questão regional também deve ter pesado, diz Jacob: Dilma é uma política do Rio Grande do Sul, e, para sorte do projeto político governista, nasceu em Minas Gerais.
Com sua indicação, Lula quebrou a hegemonia paulista dos últimos 16 anos, onde ele e Fernando Henrique, dois políticos paulistas, exerceram a Presidência da República.
E é o que Aécio Neves tenta fazer dentro do PSDB.
O apoio do deputado Ciro Gomes deve ser entendido dentro dessa lógica, mas continuo considerando que foi um erro estratégico, pois Ciro transformou o grupo paulista do PSDB no inimigo a ser batido, e Aécio, mesmo sem a intenção, associou-se a ele.
As semelhanças entre PT e PSDB estão explicitadas no programa econômico do governo Lula, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acaba de definir, em entrevista ao jornal espanhol “El País”, como uma política social-democrata, e pelos programas sociais, que tiveram início no governo tucano e foram ampliadas na gestão Lula, com a união de todos eles sob o guardachuva do Bolsa Família.
Continuidade destacada pela revista inglesa “The Economist”, na reportagem de capa sobre o Brasil, que lembra que o governo Fernando Henrique, com a implantação do Plano Real, estabilizou a economia, controlou a inflação e deu condições a que o governo Lula pudesse fazer uma política de crescimento econômico com distribuição de renda, aproveitando-se dos anos dourados da economia mundial.
Mas o decorrer do governo Lula também mostrou diferenças acentuadas entre a maneira de ver o Estado do PT e do PSDB, reforçando as separações para além da simples disputa eleitoral.
Uma das diferenças fundamentais é que o PSDB acha que programa social bom é aquele que diminui a cada ano. Reduzir o número de famílias atendidas pelo Bolsa Família significaria que elas teriam sido incluídas no mercado de trabalho, o que demonstraria o sucesso do programa.
O governo Lula, ao contrário, festeja o aumento para 11 milhões dos bolsistas, numa visão assistencialista.
O aumento da máquina estatal, e seu aparelhamento pelos sindicalistas e militantes petistas, é outro ponto de discordância entre os dois grupos políticos.
O PT diz que fortalece a máquina estatal, desmontada pela visão neoliberal do PSDB, e os tucanos acusam os petistas de usarem politicamente o Estado, abrindo mão da eficiência e não evitando desperdícios do dinheiro público.
Ao dizer que não tem condições intelectuais para redigir a decisão do Supremo sobre o caso Cesare Battisti, o relator, ministro Cezar Peluso, procura, pela ironia, ressaltar a incongruência da decisão de extraditar o italiano, mas permitir que o presidente da República não cumpra os acordos internacionais firmados pelo país.
A destacar o fato de que essa dicotomia foi uma estratégia da defesa que, perdida a causa central, “inventou” a polêmica. Todos os ministros que votaram a favor de Battisti votaram também por dar a decisão final ao presidente.
O único incoerente foi o ministro Ayres Britto, que votou pela extradição, mas abriu a brecha para que Cesare Battisti possa ficar no Brasil.
Difícil vai ser o presidente Lula encontrar um jeito de ficar bem com a esquerda e, ao mesmo tempo, com o governo italiano.
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