(Marco Aurélio Nogueira, no artigo “No coração da grande política” , ontem, em O Estado de S.Paulo)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
Reflexão do dia – Marco Aurélio Nogueira
(Marco Aurélio Nogueira, no artigo “No coração da grande política” , ontem, em O Estado de S.Paulo)
Palpite infeliz:: Merval Pereira
O presidente Lula deve estar convencido de que sua popularidade lhe permite fazer o que quiser, dizer o que lhe vem à cabeça, sem necessidade de ter a mínima coerência. Só assim se explica a série de despautérios que andou distribuindo em seu mais recente périplo internacional nos últimos dias.
Apanhado em flagrante pela comunidade internacional em contradição fundamental ao não criticar a ditadura de Cuba pela repressão política que, para seu azar, culminou desta vez com a morte de um dissidente que fez greve de fome exatamente no dia em que chegou à ilha de seu amigo Fidel Castro, Lula disse ter aprendido “a não dar palpite no governo dos outros”.
Uma desculpa frouxa e sem base na realidade. Se o ditador de plantão, Raul Castro, foi grotesco ao culpar os Estados Unidos pela morte, Lula foi quase cruel ao criticar a greve de fome como instrumento político. E exigir uma carta protocolada na embaixada para receber os dissidentes cubanos.
Uma formalidade que um presidente realmente democrata não exigiria de uma oposição sabidamente perseguida numa ditadura.
Mas analisemos a desculpa de Lula para não fazer comentários sobre a ditadura cubana. Para começar, é através dele mesmo que sabemos que ele se mete no governo dos outros, até mesmo dos Estados Unidos.
Lembram daquele dia em que ele disse que acordou invocado e ligou para o Bush? Em outro momento, no auge da crise financeira, Lula contou que ligou duas vezes para o presidente Bush.
“Eu liguei para ele para falar: ‘Bush, o problema é o seguinte, meu filho: nós ficamos 26 anos sem crescer, agora que a gente está crescendo você vem atrapalhar? Resolve a sua crise’. E depois, o Brasil tem knowhow para salvar banco, é só criar um Proer”, disse durante discurso no Fórum Empresarial Brasil-México, em Recife.
Pode ser apenas uma bravata, mas está registrado.
Quando é para defender Cuba, Lula também não se incomoda de se meter no governo dos outros.
Já contou que disse ao presidente Barack Obama que ele deveria ter a mesma audácia dos eleitores que o colocaram na Casa Branca, e acabar com o bloqueio econômico a Cuba.
No caso de Honduras, chegou a ser escandalosa a intromissão do governo brasileiro nos assuntos internos daquele país, a ponto de ter tentado, com a cumplicidade de Hugo Chávez, criar um fato consumado com o retorno de Manuel Zelaya ao país, abrigando-o na embaixada brasileira.
E pedia sanções internacionais a Honduras, as mesmas que quer levantar em Cuba, enquanto Zelaya não voltasse ao governo. Queria porque queria que a ONU e a OEA interviessem em Honduras, ao mesmo tempo em que defende o retorno de Cuba à OEA sem nenhum compromisso com a democracia.
Da mesma forma, o Brasil foi dos países mais ativos, ao lado da Venezuela de Chávez, na condenação das bases militares dos Estados Unidos na Colômbia, mas nunca fez um comentário sobre os acordos militares que o mesmo Chávez andou assinando com a Rússia e o Irã.
Recentemente, intrometeuse na disputa da Argentina com a Inglaterra sobre as Malvinas (ou Falklands), cobrando da ONU uma posição.
O presidente Lula também andou mandando recados para o governo dos Estados Unidos, que aumenta as pressões para que o país não proteja o programa nuclear iraniano, que está sendo tocado sem a fiscalização dos organismos internacionais, especialmente a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
Disse que não deve exp licações a ninguém, “apenas ao povo brasileiro ”, numa referência à próxima presença da secretária de Estado Hillary Clinton no Brasil. Retórica vazia e populista, pois o país que eventualmente dirige não é um pária na sociedade internacional, e tem que se submeter aos organismos internacionais.
Se o governo do Irã insiste em realizar um programa nuclear fora do sistema de fiscalização que existe sob os auspícios da ONU, o Brasil não deveria dar-lhe apoio.
Ao contrário, o apoio do governo brasileiro à ditadura teocrática de Mahmoud Ahmadinejad se dá em vários níveis.
Quando ele foi eleito sob suspeita de fraudes, provocando protestos internos e uma onda internacional de repúdio, Lula foi dos primeiros a vir em seu socorro, minimizando os protestos como sendo comparáveis à disputa de torcidas de futebol, com o perdedor reclamando.
As muitas mortes que se seguiram aos protestos não foram suficientes para o governo brasileiro recuar.
O chanceler Celso Amorim não teve nem o cuidado de mudar o dia da reunião com o chanceler do Irã no recente Fórum Econômico Mundial, em Davos.
Recebeu-o no mesmo dia em que três dissidentes “da torcida rival” eram fuzilados em Teerã ainda devido aos protestos contra a eleição de Ahmadinejad.
Depois, disse que o Brasil não se nega a ter relações com países apenas porque eles têm pena de morte.
Como se os fuzilamentos da oposição iraniana pudessem ser comparados com os criminosos quesão condenados à morte em alguns estados nos Estados Unidos.
Os interesses econômicos e políticos têm precedência sobre os direitos humanos no pragmatismo de nossa política externa.
Presos por opinião política no Irã ou em Cuba não contam com a solidariedade do governo brasileiro, que se arroga o título de grande defensor dos direitos humanos, mas não liga muito quando “países amigos” os transgridem .
Pega mal:: Ferreira Gullar
Como convencer-se de que o que disse naquele discurso era verdade, se já sabe que não era?
Como pode uma senhora de mais de 60 anos -que em breve será avó- dizer mentiras? E em público, para a nação inteira, sabendo que as pessoas honestas e informadas do país saberão que ela está dizendo mentiras e, ainda assim, o faz em altos brados, para que todos ouçam! Pergunto, sem maldade: pode alguém confiar numa senhora que mente?
E ela mesma, esta senhora que mente, terminado o ato público, a solenidade ou o comício, ao voltar para casa e deitar a cabeça no travesseiro, que dirá a si mesma?
Imaginemos a cena: ela sozinha no quarto, troca de roupas, deita-se na cama e apaga a luz. Foi um dia agitado, passou a noite a ouvir discursos no congresso de seu partido, à espera do momento em que faria seu próprio discurso, por todos esperado. Dali a alguns momentos, ela seria aclamada candidata à Presidência da República e, então, faria seu pronunciamento à nação.
E, nesse pronunciamento, iria mentir, iria afirmar coisas que sabia não serem verdadeiras, com o propósito de desacreditar os adversários políticos e futuramente derrotá-los nas urnas. E então mentiu, mentiu diante de seus companheiros de partido, que sabiam que ela mentia; mentiu perante o presidente da República, o inventor de sua candidatura, que ali estava a exaltar-lhe os méritos e sabia que ela mentia. E, agora, sozinha, no silêncio do quarto, que diria a si mesma?
Não pode dizer a si mesma que não mentira. Isso o mentiroso poderá dizer a alguém que o acuse de ter mentido: finge estar ofendido, faz-se de indignado e chega até a insultar quem o acusou de mentir. É parte do papel do mentiroso. Mas consigo mesmo, não consegue fazê-lo. Enganar os outros é possível, ou pelo menos ele acredita que consegue, mas enganar a si mesmo é bem mais difícil, se não impossível.
Como convencer-se de que o que disse naquele discurso era verdade, se sabe que não era? Com a cabeça no travesseiro, sozinha consigo mesma, será que lhe vem à mente a confissão dolorosa?
Será que, contra sua vontade, uma voz interior, que só ela ouve, lhe dirá: "Como teve a coragem de dizer esta noite, para o país inteiro ouvir, tantas inverdades? Acha certo enganar as pessoas? E pior ainda, enganá-las ao mesmo tempo em que se propõe governar o país?".
Não posso garantir que isso tenha ocorrido, pois há casos de pessoas mentirosas que terminam acreditando nas próprias mentiras. Se bem que esses que acreditam no que inventam são outro tipo de mentirosos, que necessitam, sobretudo, enganar-se a si mesmos, mais do que enganar os outros.
Esse gênero de mentira é diferente da mentira política, quando o cara afirma coisas que não aconteceram, que todas as pessoas informadas sabem que não aconteceram e, mais que todos, o próprio mentiroso o sabe e sabe que todos o sabem.
Pelo que li nos jornais e vi na TV, no 4º Congresso do Partido dos Trabalhadores, o que não faltou foi mentira. Creio que a ministra Dilma Rousseff é essencialmente honesta, tanto que sempre que afirma certas coisas, percebe-se hesitação em sua voz. Não se sente à vontade, como Lula, que, ali mesmo, afirmou ter sido o mensalão uma conspiração contra seu governo. Uma conspiração da qual deve ter participado o procurador-geral da República, uma vez que, em sua denúncia, falou de "uma quadrilha", chefiada pelo chefe da Casa Civil do Lula.
No segundo turno das eleições de 2006, o PT inventou que Geraldo Alckmin, se eleito, privatizaria a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Isso nunca havia sido dito nem cogitado pelo PSDB, nem por seu candidato nem por ninguém.
Uma pura e simples calúnia, com o objetivo de minar a candidatura adversária.
O primeiro a dizer isso foi Lula, num debate na televisão. Alckmin o desmentiu, no mesmo instante. Lula se calou, mas, já no dia seguinte, a propaganda do PT insistia na mentira, que enganou muita gente e garantiu a vitória de Lula. Agora, mal começa a campanha, Dilma retoma a afirmação mentirosa, deixando claro qual será o nível em que o PT pretende conduzir a disputa.
Na verdade, durante o governo FHC, foram feitas várias privatizações, com resultado altamente positivo para o país, a começar pela telefônica, cuja privatização tornou o celular um bem comum a qualquer brasileiro; a CSN, privatizada, passou a dar lucro em vez de prejuízo aos cofres públicos; e a Vale do Rio Doce se tornou uma das maiores empresas do mundo.
Dilma cala sobre essas privatizações que deram certo e mente sobre as "privatizações" que nunca ninguém pensou fazer. Para uma senhora já de certa idade, ainda que petista, pega mal.
O tempo de Serra:: Marcos Coimbra
No cenário que vivemos desde o início do ano, é difícil entender os motivos que levam o governador de São Paulo a insistir na cautela. Dentro do PSDB, ninguém mais discute quem vai ser o candidato. No conjunto das oposições, ela só gera impaciência.
Quando os historiadores do futuro forem analisar as eleições presidenciais de 2010, um dos capítulos mais interessantes será o que trata do sentido de tempo do governador José Serra. Até lá, é possível que alguém já o tenha decifrado. Para quem vive o presente, no entanto, é um mistério.
Os simpatizantes mais entusiasmados de sua candidatura dizem que o compreendem. Mas são só eles. Mesmo muitos de seus correligionários têm dificuldade de entender seu comportamento na altura em que estamos.
Para quem, como ele, liderava as pesquisas desde 2007, o certo era agir do modo que agia.
Embora fosse óbvio que pretendia se candidatar, não havia razão para assumi-lo tão prematuramente. Se o fizesse, tudo que dissesse, qualquer coisa que acontecesse no seu governo cresceria de tamanho, sempre de maneira negativa. E o pior é que, em troca, a visibilidade não lhe traria qualquer benefício, por já ser bem conhecido da opinião pública nacional. Nem sequer a velha “falem bem ou mal, mas falem de mim” o atraía, por conseguinte.
Quando Aécio resolveu questionar a inexorabilidade da candidatura, mais ainda se justificava uma postura de cautela. Se havia dois nomes em disputa, ambos em condições de representar o PSDB na eleição, nenhum podia posar de candidato oficial. Aliás, nenhum o era.
Isso foi bom para Serra, pois permitiu que mantivesse a candidatura quieta em seu canto, protegida dos riscos da exposição antecipada. Era tão bom que muita gente chegou a pensar que estava mancomunado com Aécio, que fingia ser candidato apenas para servir de biombo para seu companheiro.
De dezembro para cá, as coisas mudaram. Quando tomou a decisão de retirar seu nome da disputa pela indicação tucana, Aécio mostrou que a candidatura não era um simples jogo de cena, uma manobra articulada com Serra. Mas ele foi além ao anunciá-la, deixando claro que aceitava a decisão de seu partido de não escolher entre as duas opções que estavam postas. Assim fazendo, de ficar com Serra.
No cenário que vivemos desde o início do ano, é difícil entender os motivos que levam o governador de São Paulo a insistir na cautela. Dentro do PSDB, ninguém mais discute quem vai ser o candidato. No conjunto das oposições, ela só gera impaciência. Quanto ao governo, tanta prudência em nada inibe as movimentações (se não provoca o oposto) e deixa o terreno livre para o crescimento de Dilma.
Do que será que Serra imagina que se poupa ao retardar o que qualquer outro político já estaria fazendo? Apenas por hipótese, se, por exemplo, tivesse acontecido o inverso no PSDB, ele deixando a vaga para Aécio, não teríamos hoje o governador de Minas em plena campanha? Ou alguém imagina que Aécio estaria recolhido em cuidadoso silêncio? Quem tem responsabilidade de governo não pode se dedicar em tempo integral à política, mas muito se pode fazer sem ultrapassar os limites que se devem respeitar nesses casos.
Seja na discussão de um programa alternativo à proposta de continuidade que caracteriza a candidatura Dilma, seja na procura de entendimentos políticos e com a sociedade civil, junto a movimentos sociais, segmentos organizados, grupos de interesse, há muito a fazer na construção de uma candidatura das oposições. Nada se ganha deixando tudo para depois, para uma “hora certa” que ninguém sabe qual é.
Daqui a algumas semanas, Serra terá que renunciar a seu cargo. Ou seja, vai passar os próximos seis meses enfrentando a dura tarefa de ser candidato, sem nenhum anteparo. Será que ganhou alguma coisa não o sendo desde dezembro? Será que vai ganhar algo esperando que março termine?
Por enquanto, sua cautela só tem uma consequência: manter uma dúvida sempre no ar, sobre se vai mesmo ser candidato ou não. Uma incerteza que, a crer na imprensa de São Paulo, contagia seu partido. Não foi em um dos principais jornais do estado que lemos, outro dia, que o PSDB faz “tentativa para tornar irreversível a candidatura de Serra”? Contra quem é preciso fazer essa “tentativa”? Se não é contra o PSDB e os partidos de oposição, nem contra o PT e o governo (que nada têm a ver com isso), contra quem seria? O próprio Serra?
Vantagem de Serra sobre Dilma baixa para 4 pontos
Em cenário com Ciro, tucano cai 5 pontos e vai a 32%, e petista sobe 5, para 28%
Candidato do PSB tem 12% e está estagnado, assim como Marina Silva, do PV, que mantém o patamar de 8% do levantamento anterior
Fernando Rodrigues
Da sucursal de Brasília
A pré-candidata a presidente pelo PT, Dilma Rousseff, registrou crescimento de cinco pontos percentuais na sua taxa de intenções de voto de dezembro para cá. Atingiu 28% e encurtou de 14 para 4 pontos percentuais a distância que a separa de seu principal adversário, José Serra, do PSDB, hoje com 32%.
Esse é o principal resultado da pesquisa Datafolha realizada nos dias 24 e 25 de fevereiro, com 2.623 pessoas de 16 anos ou mais. Confirmou-se a curva ascendente de Dilma, não importando o cenário nem quais são os candidatos em disputa.
Apesar do crescimento da petista, é impreciso dizer que o levantamento indica um empate estatístico entre Dilma e Serra. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
Os dois só estariam empatados tecnicamente em 30% na raríssima hipótese de o tucano estar no seu limite mínimo e sua adversária no limite máximo, segundo a estatística Renata Nunes, do Datafolha.
"A proximidade entre os candidatos é algo visível, mas mais importante nessa pesquisa é mostrar as curvas de alta da candidata do PT e de queda do candidato do PSDB -considerando os levantamentos anteriores", diz Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha.
No cenário no qual Dilma está com 28% e Serra com 32%, Ciro Gomes (PSB) tem 12%. Marina Silva (PV), 8%. Os que votam em branco, nulo ou nenhum são 9%. Indecisos, 10%.
Ciro e Marina estagnados
A pesquisa também revela uma estagnação de Ciro e de Marina. Ambos tiveram exposição em fevereiro, quando seus partidos usaram os dez minutos a que têm direito em rede nacional de rádio e TV.
O efeito foi nulo. Ciro tinha 13% em dezembro. Agora, fica com 12%. Marina parou nos 8% -no cenário mais provável, no qual estão Serra e Dilma.
Os números do Datafolha dão pistas sobre os efeitos da eventual desistência de Ciro -algo desejado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em dezembro, sem o nome do PSB, havia a possibilidade de Serra vencer no primeiro turno: ele tinha 40% contra 37% de Dilma e Marina somadas. A eleição é liquidada na primeira votação quando alguém recebe acima de 50% da soma de todos os votos dados aos adversários.
Agora, deu-se uma inversão. Quando Ciro está fora, Serra tem 38%, contra 41% somados de Dilma e Marina. Fica mais remota a hipótese de o tucano vencer no primeiro turno.
Registre-se que a petista cresce cinco pontos nos cenários principais, com ou sem Ciro.
Num teste com Aécio Neves sendo o candidato do PSDB as coisas ficam mais fáceis para Dilma. Ela lidera com 34% contra 18% do tucano em um cenário sem Ciro Gomes. Quando o nome do PSB está presente, a petista tem 30% contra 21% de Ciro -Aécio fica com 13%.
2º turno
Em dezembro, numa simulação de segundo turno, Serra estava com 49% contra 34% de Dilma. A vantagem de 15 pontos caiu para 4. Hoje, segundo o Datafolha, o tucano registra 45% contra 41% da petista. Em outro cenário de segundo turno, Dilma vence com 48% contra 26% do tucano Aécio Neves.
Todos os candidatos tiveram variação para cima nas suas taxas de rejeição, o que é comum quando o período eleitoral se aproxima. O destaque nesse trecho da pesquisa Datafolha é Serra, cujo percentual subiu de 19% em dezembro para 25% no atual levantamento.Dilma oscilou de 21% para 23%. Ciro foi de 18% a 21%. Marina, de 17% para 19%.
Quando o Datafolha faz a pesquisa sem mostrar nomes, surge um dado revelador sobre a percepção do eleitor a respeito do processo sucessório: uma queda vertiginosa das menções ao presidente Lula.
O petista era citado espontaneamente por 27% dos eleitores em agosto. Caiu para 20% em dezembro. Agora, bateu em 10%. Apesar da sua popularidade recorde, Lula é cada vez menos citado "porque o eleitor está percebendo que ele não será candidato", diz Mauro Paulino.
Na pesquisa espontânea, Dilma chegou a 10% (a mesma taxa de Lula), contra 7% de Serra.
Ou vai ou racha:: Eliane Cantanhêde
BRASÍLIA - O Datafolha de hoje confirma a previsão do Planalto e não deixa alternativa para os tucanos: agora, ou vai ou racha.
Significa que o tempo de hibernação de José Serra se esgotou e que ele tem de se lançar já à Presidência, antes que seja tarde. Como significa que a eleição atingiu o ponto ideal para a definição de Aécio Neves: sempre se soube, mas nunca tinha ficado tão evidente o quanto sua candidatura a vice é fundamental para a oposição.
Quanto mais Dilma é identificada como candidata de Lula, mais ela cresce, e estava escrito nas estrelas do PT que aquele aguaceiro em São Paulo, os dissabores de Gilberto Kassab na prefeitura e a debacle do DEM no DF iriam afetar Serra.
Ainda não tecnicamente, mas na prática a pesquisa registra um empate, com duas más notícias para Serra: Dilma Rousseff sobe consistentemente, e ele, que se mantinha sólida e estavelmente no topo, passou a cair. O cruzamento desses dois movimentos é fatal para o tucano, a não ser que seja contido. Como? Só ele, seus aliados e estrategistas podem saber, mas Aécio já era importante e passou a ser vital.
Em todos cenários -com ou sem Ciro, no primeiro ou segundo turno-, Dilma ganhou pontos, Serra perdeu. E em igual proporção, como os 5 a mais de uma e os 5 a menos do outro com Ciro na disputa.
O dado mais poderoso, porém, é a perda de três pontos de Serra no Sudeste, que tem 42% do eleitorado. Para subir a rampa, Serra tem não só de ganhar bem nessa região como compensar aí o que certamente Lula dará a mais para Dilma no Norte e no Nordeste. Com Aécio é possível. Sem ele...
No discurso serrista, tudo isso é porque "a campanha nem começou". Só que, quando começar, Dilma vai continuar como hoje, com muito mais tempo de exposição positiva na TV, sem contestação.
Voltando à vaca fria, a oposição ou vai de Serra e Aécio ou racha.
Na política, rachar é sinônimo de perder.
Ladeira acima:: Clóvis Rossi
SÃO PAULO - A surpresa, pelo menos do meu ponto de vista, na pesquisa Datafolha que este jornal publica hoje não é o fato de Dilma Rousseff ter reduzido bastante a desvantagem em relação a José Serra, mas o fato de Serra ainda estar à frente, mesmo que no limite da margem de erro.
Explico: nestes últimos 50 anos em que as eleições brasileiras foram se massificando, jamais houve outro pleito em condições tão favoráveis para o governo como o deste ano. É verdade que a série histórica é magra. A de 2010 será a sétima eleição em meio século. É pouco, mas é o que temos para comparar.
Não se trata de que o público compre a numeralha que o governo despeja, parte dela maquiada. Ninguém vai à sessão eleitoral calculando que "Lula fez 4 casas, e FHC, apenas 2, logo, voto no Lula".
Não. Eleição para a esmagadora maioria é sentimento ou emoção. E o fator predominante é o que os ingleses chamam de "feel good". Quase dá para segurar com as mãos esse "sentir-se bem".
Daí a votar no governista de turno é um passo. O trabalho de Lula, portanto, é apenas o de gravar a fogo no sentimento do público que Dilma é a sua parceira no "feel good".
A pesquisa que hoje se publica é a primeira que demonstra que esse trabalho está dando certo. Dilma quase empata com Serra antes até do que calculavam alguns dos estrategistas de sua campanha.
Já o trabalho de Serra é infernal: não adianta querer convencer o eleitorado de que as coisas não estão nada "good", mas muito "bad", que é o que faz qualquer oposição em qualquer lugar do mundo. Terá que demonstrar que, com ele, Serra, o "good" será melhor ainda.
Claro que é sempre necessário guardar as formas e lembrar que pesquisa retrata apenas um momento, o de hoje. Mas que o PSDB terá que empurrar o carro Serra ladeira acima parece não haver dúvida.
Manifesto na internet prega união Serra-Aécio; para FHC, chapa puro-sangue do PSDB ainda é possível
Em São Paulo
Uma página lançada na internet prega uma chapa tucana puro sangue com dois candidatos à Presidência da República em 2010: os governadores José Serra (São Paulo) e Aécio Neves (Minas Gerais).
“Em poucos momentos da história é possível unir duas lideranças ilibadas e representativas em torno de um projeto nacional democrático e progressista, vivemos um deles”, diz a nota do site: www.serra-aecio.com.br.
Por enquanto, o manifesto tem pouco mais de 450 assinaturas. “Serra e Aécio, nos cargos públicos que ocuparam, e ao longo dos anos, deram demonstração de competência, vocação pública e de compromisso com mudanças. Para dirigir o Brasil não precisam apresentar credenciais, já estão prontos, pois são o resultado do que tem de melhor a experiência política nacional nos últimos 20 anos”, diz ainda o manifesto.
Para os assinantes, “uma chapa Serra-Aécio significaria, antes de tudo, concretizar uma alternativa ao atual governo federal, que acertou ao dar curso a orientações que emanam de administrações próximas anteriores e fracassou ao não executar reformas agendadas e de grande alcance histórico como a política e a tributária. Seria sinalizar a toda a sociedade que um novo projeto ético na vida pública e na política é possível”.
O UOL Notícias entrou em contato para saber quem são os responsáveis pela página e aguarda retorno.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defende uma chapa única tucana. Ele afirmou que é possível a construção de uma chapa "puro-sangue" do PSDB para a disputa da eleição presidencial deste ano. Para FHC, isso não significa que a única opção para a vice-presidência seja o governador mineiro Aécio Neves.
"Puro sangue depende da circunstância. A população hoje não está acreditando muito em partidos, siglas, legendas. Ela vai olhar quem, qual a pessoa. Se for uma pessoa boa, ótimo", afirmou Fernando Henrique, no Rio de Janeiro.
FHC minimizou a demora do partido em indicar o vice na chapa que poderá ser encabeçada pelo governador de São Paulo, José Serra. Segundo ele, a escolha do segundo nome só deve acontecer em junho.
"Nem o PSDB e nem nenhum partido (escolheu o vice). O governo não sabe quem vai ser o vice tampouco", ponderou, pedindo uma atuação firme do Judiciário na investigação de possíveis usos da máquina pública nas eleições.
"O uso da máquina pública é crime. A Justiça tem que atuar com mais firmeza nessa matéria, porque simplesmente é contra a lei", acrescentou.
Ontem, em entrevista à Reuters, o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, afirmou que "sem dúvida" o candidato do PSDB será José Serra.
PSDB já tem candidatos próprios em 14 estados; e PT, em dez
ELEIÇÕES 2010:
Os dois partidos, porém, ainda enfrentam dificuldades com palanques
Adriana Vasconcelos, Gerson Camarotti e Maria Lima
BRASÍLIA. Dirigentes e candidatos do PT e do PSDB vão intensificar as articulações este mês para fechar palanques competitivos nos estados para seus presidenciáveis. Os dois partidos avançaram, mas estão com problemas em estados emblemáticos. Para compensar a resistência do governador José Serra (SP) a antecipar o lançamento de sua candidatura presidencial e deixar claro para aliados que está no jogo, o PSDB estabeleceu como prioridade os maiores colégios eleitorais. Fechou palanques fortes em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, com candidatos próprios ou não. Mas não sabe como resolver palanques em estados como Pernambuco e Ceará.
O PT, por sua vez, está pondo em prática a política do comando do partido de, em nome da candidatura de Dilma Rousseff, abrir mão de candidaturas próprias em favor das alianças. Até agora, o PSDB tem 14 candidatos próprios definidos nos estados. O PT, 10. Nos dois casos o número pode subir. Mas os petistas decidiram apoiar aliados em 13 estados, enquanto o compromisso dos tucanos com aliados se restringe a sete.
- A estratégia do governador Serra está certa. Temos apoios definidos em quase todos os estados. Não houve prejuízo na arrumação dos palanques estaduais. Antecipar a candidatura serve só para ampliar o tempo da travessia no deserto - diz o ex-líder do PSDB e um dos principais aliados de Serra, deputado Jutahy Júnior (BA).
PT: problemas em SP, Rio e MG
Já o PT, mesmo com um leque de alianças mais amplo que a oposição e com a pré-candidata Dilma Rousseff já lançada, está com problemas em estados estratégicos. Até agora, o partido não tem solução para seus palanques em Minas e São Paulo, além de um complicador - Anthony Garotinho (PR) - no Rio, onde já tinha fechado com o peemedebista Sérgio Cabral.
- Não é momento de apresentar dificuldades. Não podemos criar problemas para nós mesmos. A eleição da ministra Dilma é o principal objetivo - diz o líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).
Serra enfrenta fragilidades em vários estados, especialmente no Nordeste. Terá de agir com firmeza para assegurar palanques competitivos em Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Sul. A insistência da governadora Yeda Crusius de disputar a reeleição, depois do desgaste com os escândalos locais, pode dificultar a vida de Serra.
No Ceará, reduto tucano por anos seguidos, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) resiste em disputar pela quarta vez o governo, como deseja a cúpula. Sua preferência é a aliança com o governador Cid Gomes, do PSB, que fechou com Dilma. Em Pernambuco, Serra tem trabalhado para convencer o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) a sair candidato ao governo e se contrapor à força de Lula.
- Este é o momento de priorizar as alianças estaduais para garantir palanques fortes para nosso candidato à Presidência - diz o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).
Avaliação de petistas e tucanos é que Serra tem vantagem no Sul e Centro-Oeste, mas está em desvantagem no Norte e Nordeste, o que zera a disputa no Sudeste. Como o Rio será um estado rachado, e em São Paulo Serra tem vantagem de seis milhões de votos, o definidor da eleição deverá mesmo ser Minas. O temor no PSDB é de que não haja empenho suficiente do governador Aécio Neves
PT desiste de candidaturas em 12 estados
ELEIÇÕES 2010:
Articulações para garantir apoio a Dilma fazem partido abrir mão de disputa até onde tinha chances reais de vitória
Maria Lima, Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti
BRASÍLIA. Nas cúpulas do governo e do PT, o pragmatismo para garantir a manutenção da Presidência da República comanda as articulações para formação dos palanques estaduais. Mesmo que, para agradar aos aliados, os petistas tenham que abrir mão de candidaturas com chances reais de vitória. Na política de consolidar o maior arco de apoios possível à candidatura da ministra Dilma Rousseff, o PT dá prioridade às alianças e já desistiu de candidatura própria em 12 estados. Em cinco deles, apoia o PMDB, parceiro considerado fundamental para a vitória sobre os tucanos. Dos dez candidatos próprios que tem, por enquanto, a maioria está no Norte e Nordeste.
O PT está sem candidato em estados considerados as joias da coroa, como São Paulo e Minas, e com os aliados divididos no Rio. Para tentar resolver esses impasses, desde a semana passada o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, peregrina Brasil afora tentando acalmar os que insistem em candidatura própria, e os aliados, que reclamam do apetite petista.
Em Minas, caso mais complicado para o PT
Minas, segundo maior colégio eleitoral, é o caso mais complicado, porque há disputa interna no PT, além do problema com o PMDB. O PT tem dois pré-candidatos, o ministro Patrus Ananias e o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel. E o PMDB insiste na candidatura do ministro Hélio Costa (Comunicações).
- O melhor caminho para Dilma é a solução negociada no PT, com o PMDB. No momento não há preferência por candidaturas em Minas. A preferência é pelo nome que unificar a candidatura nacional - disse Dutra.
PSDB quer ''mais José e menos Serra'' durante campanha
Biografia do menino pobre e o histórico de líder vão se contrapor ao imaginário político explorado por Lula
Ana Paula Scinocca
Mais José e menos Serra. É com essa fórmula que as lideranças do PSDB querem encaminhar a candidatura do governador de São Paulo José Serra na campanha presidencial. A ideia é reforçar os traços da vida do José que aproximam mais o candidato do brasileiro comum, indo além do bem-sucedido gestor público, o governador do maior Estado do País e ministro da Saúde que criou os genéricos e articulou a quebra das patentes dos remédios de combate à Aids.
A campanha dará ênfase ao homem simples, filho de feirantes, que lutou para vencer na vida. Como a concorrente do Planalto, a ministra Dilma Rousseff (PT), o "cidadão José" também fez oposição à ditadura (1964-1985), mas com uma diferença a ressaltar: nunca flertou com a ideia da luta armada como estratégia de confronto com os militares.
"Zé", como é chamado pela família, nasceu na Mooca, zona leste de São Paulo. Vivia em uma casa de apenas um quarto, que dividiu com os pais até os 4 anos. Só aos 11 ele e os pais se mudaram - foi quando o menino ganhou um quarto só para ele. Aos 21 foi eleito presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). A biografia do menino pobre e o histórico de líder à esquerda formarão um mix a contrapor ao imaginário político eleitoral exposto e explorado à exaustão pelo presidente Lula em seus dois mandatos.
Filho único de Francesco e Serafina, imigrantes italianos, foi criado cercado por mulheres. Sua maior referência afetiva na infância foi a avó materna, Carmela, calabresa nascida na Argentina. Seus pais tinham uma barraca de frutas no Mercado Municipal da Cantareira. O pai queria que Serra ajudasse na feira, mas a mãe insistiu que ele só estudasse.
É esse personagem que o PSDB quer tornar conhecido para os eleitores. Embora a estrutura da campanha e a escolha do marqueteiro não tenham sido definidas, há consenso entre as principais lideranças tucanos que a figura do administrador público é sobejamente conhecida. Já a pessoa física, avaliam, o "José da Mooca", está longe de ser íntima do eleitorado.
"Nosso candidato tem conteúdo e todo mundo sabe disso. Mas a campanha tem de ser a do José Serra, e não apenas do Serra", afirma o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).
A meta dos estrategistas tucanos é eliminar os traços de arrogância que o administrador Serra impõe ao José em algumas intervenções públicas, deixar que as manias de homem comum prevaleçam - o palmeirense roxo que detesta alho, cebola e pimentão e tem obsessão por gravatas.
Em 2006, em um debate entre os candidatos a presidente, achou "medonha", como disse à época, a gravata que usava Geraldo Alckmin, então presidenciável tucano. Tirou a dele e a colocou no ex-governador. Na semana passada, Guerra foi para um encontro com Serra em São Paulo. Entrou com uma gravata e saiu com outra. Coisas de Serra. Ou melhor, do "Zé".
AÉCIO
Os tucanos consideram "fundamental" a presença do mineiro Aécio Neves na campanha e no posto de vice. Pelo fato de o mineiro ter a liderança no segundo maior colégio eleitoral do País, isso é visto como uma forma de minimizar a já contabilizada derrota que os tucanos devem sofrer no Nordeste. Lá, dizem baseados em pesquisas, Dilma tem vitória assegurada.
No PSDB, a escolha do vice deverá ser arrastada até o limite. Tucanos consideram mínimas as chances de Aécio aderir à chapa encabeçada por Serra antes de junho. Mas acreditam que o cenário é cada vez mais propício a que ele vire mesmo companheiro de Serra na chapa. Se Serra sair consagrado das urnas, a vitória será computada, em grande parte, a Aécio. Se perder ao lado de Aécio, o mineiro, ainda jovem, não sofrerá grandes perdas políticas. Terá o partido em suas mãos para traçar sua estratégia em 2014. Agora, se Serra perder sem Aécio, o mineiro sempre será apontado como um dos responsáveis pela derrota.
Paz perpétua:: Rubens Ricupero
Como se pode condenar golpe como o de Honduras e legitimar regimes onde presos políticos morrem em greve de fome?
Amanhã completa o Brasil 140 anos de paz ininterrupta com seus dez vizinhos, que já foram 11 no passado. O 1º de março original marcava o fim da Guerra do Paraguai nesse dia de 1870 (morte de Francisco Solano López).
O fato é notável, sem precedentes nem paralelos. Desconheço um grande país com tantos vizinhos com igual tradição de paz. Basta olhar para a história da Rússia, da China, da Índia, da Alemanha, da França, países de muita vizinhança. Ou para os Estados Unidos, de poucos vizinhos, mas em situação oposta à nossa: vivem em estado de guerra permanente.
Uma das consequências de quase um século e meio de paz é que se apagou no inconsciente coletivo a mais vaga lembrança das ameaças externas. Isso explica por que se mostra tão difícil convencer os brasileiros de que o país necessita gastar fortunas em armamentos dispendiosos. Não é à toa que dos quatro Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) ou dos cinco "países-monstros" -aqueles que combinam território continental com população gigantesca-, isto é, os quatro Brics e os Estados Unidos, o Brasil é o único que não é nem potência nuclear nem, a rigor, potência militar convencional.
Não nascemos assim. Logo depois da Independência, tivemos a guerra contra a Argentina devido à incorporação da Cisplatina, o atual Uruguai. Após 1850, foram diversas as intervenções brasileiras nos países platinos, culminando com a "maldita" Guerra do Paraguai, que, no dizer do barão de Cotegipe, atrasou-nos 50 anos. Como escapamos dessa sina?
Os diplomatas do passado seguiram caminho simples, no fundo com três metas:
1ª) em vez de perder tempo com diplomacia sem objetividade, protagônica e mirabolante, resolveram por negociações, de modo paciente e sistemático, como fez o barão do Rio Branco, todas as questões de limites ou outras pendentes;
2ª) defenderam os direitos e os interesses do Brasil com firmeza e fé na única ideologia que se lhes pode atribuir, a da confiança não na força ou no poder mas no Direito internacional;
3ª) obedeceram de forma estrita ao princípio de não ingerência em assuntos de terceiros.
Os que hoje pensam que esses princípios são obsoletos e devem ser substituídos por diplomacia intervencionista e ideológica enganam-se duplamente. Velha era a tendência de meter-se na casa alheia, que nos valeu guerras, ódios e ressentimentos dos que pretendíamos "redimir". Ao usar a Embaixada do Brasil em Honduras como santuário de "putsch" gorado contra autoridades locais, ao querer ditar à Colômbia o que é melhor para sua segurança, voltamos à perigosa política das ingerências.
Além de pôr em risco as bases de 140 anos de paz, a seletividade ideológica compromete a coerência na defesa de princípios. Como se pode condenar um golpe de opereta como o de Honduras e oferecer legitimidade a regimes onde presos políticos morrem em greve de fome ou que negam o Holocausto e mandam enforcar opositores?
É por isso que amanhã, data também do bicentenário de Chopin, ao ouvir os Noturnos que embalaram a agonia do poeta, deveríamos meditar a lição de Rio Branco: "O Brasil nada mais tem a fazer na vida interna das nações vizinhas (...) o Brasil do futuro há de continuar a confiar acima de tudo na força do Direito e (...) a conquistar a consideração e o afeto de todos os povos vizinhos em cuja vida interna se absterá de intervir".
Rubens Ricupero , 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco.
Estatais? Para que? :: Suely Caldas
O socorro financeiro de governos de países ricos a grandes bancos afetados pela crise animou integrantes do PT e do governo Lula a tirarem do baú convicções que foram forçados a esconder por 20 anos com a derrota do velho socialismo e a queda do Muro de Berlim. Com a euforia de quem passou esse tempo na retranca e agora vai à forra, a ministra Dilma Rousseff e o assessor especial de Lula Marco Aurélio Garcia condenaram a economia de mercado e aproveitaram para defender e justificar a presença forte do Estado na economia. Dilma chegou a afirmar que a ideia de livre mercado está fora de moda.
No afã de partir para o ataque, os dois esqueceram de criticar o que merece ser criticado e corrigido e se destrambelharam em análises apressadas e inadequadas. Onde o socorro financeiro ocorreu - EUA, Europa e Japão - não se cogita abrir mão da economia de mercado, e propostas na direção de estatizar os bancos que receberam socorro foram rejeitadas pelos governantes.
Nessa crise, erraram os bancos centrais, o BIS, que os supervisiona, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e as agências de risco - que não regularam, não fiscalizaram, não anteviram nem preveniram a crise. Essa cadeia de omissões, aliada à ganância por lucro elevado e rápido, incentivou executivos financeiros a fazerem apostas erradas e milionárias, num jogo especulativo e irresponsável com dinheiro alheio, que acabaram por criar uma situação de quebradeiras em série, em que os governos tiveram de intervir para evitar o pior.
Menos do que o tamanho da crise recomenda, governos e bancos centrais buscam agora corrigir seus erros submetendo o mercado a regras de regulação e fiscalização. Isso, sim, merece ser duramente criticado e corrigido e os especuladores, julgados. Não ensejar o ingênuo e ultrapassado desejo de recuperar para o Estado o papel de empresário - modelo derrotado nos países da União Soviética e do Leste Europeu e que só sobreviveu com a população silenciada, sem liberdade, sem direito a votar nem opinar. Modelo que atrofiou a economia, não produziu riquezas nem novas tecnologias. Nele, a população estava condenada à pobreza, os salários eram baixíssimos, não havia previdência para os idosos nem direitos trabalhistas para os trabalhadores.
Quando Nikita Kruchev e depois Mikhail Gorbachev começaram a destampar e remexer seu conteúdo, dessa panela transbordou o que ficou escondido por décadas: milhares de opositores assassinados, corrupção disseminada entre governantes e burocratas, gestões medíocres e incompetentes, empresas paralisadas e acomodadas, tecnologia primitiva, pobreza espalhada pela população e um gigante e rico poderio bélico-militar a sustentar a guerra fria.
No Brasil, empresas estatais foram criadas em dois momentos. Por Getúlio Vargas, a partir da década de 40, com Vale, Petrobrás e CSN. Foi o que deu impulso à industrialização - o que, na época, seria quase impossível fazer sem a participação do Estado. Juscelino Kubitschek acelerou a industrialização atraindo empresas privadas estrangeiras. Hoje reverenciado à esquerda e à direita, na época foi xingado de entreguista.
Num segundo momento, as estatais ganharam espaço e musculatura com a ditadura militar de 1964. Telebrás, Siderbrás, subsidiárias da Petrobrás, Eletrobrás vitaminada, bancos estaduais, enfim, centenas de estatais criadas pelos generais ditadores, num modelo típico de capitalismo de Estado, uma vez que defensores do socialismo eram reprimidos, presos e torturados.
A quem serviram as estatais? Hoje, com o distanciamento do tempo e centenas de casos conhecidos de corrupção, escândalos financeiros e uso político, é possível dizer que as estatais serviram muito mais a presidentes, governadores, prefeitos, deputados, senadores e seus amigos do que aos brasileiros.
As distribuidoras de energia elétrica e os bancos estaduais eram descaradamente usados como caixa de governadores para financiar campanhas eleitorais. O setor elétrico (Eletrobrás e subsidiárias) foi por anos feudo do senador baiano Antonio Carlos Magalhães, transferido depois para o senador José Sarney. A Telebrás e as telefônicas estaduais eram inchadas de apadrinhados, prestavam favores aos políticos, enquanto a população mendigava uma linha telefônica, que custava R$ 5 mil.
Pois agora, com todo esse lamentável histórico, em vez de um programa de governo para a banda larga, Lula e Dilma querem ressuscitar a Telebrás e criar uma nova estatal de fertilizantes. Para quê?
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio
Refúgio dos ricos:: Miriam Leitão
Dos empréstimos concedidos no ano passado pelo BNDES, as grandes empresas representaram 9,7% das operações e ficaram com 83% do dinheiro. Há casos espantosos, como o do frigorífico JBS Friboi, do qual o BNDES comprou 99,9% das debêntures emitidas. O maior desembolso foi para o projeto que tem contestação do TCU, mas que o governo resolveu manter assim mesmo: a refinaria Abreu e Lima.
O BNDES é um velho canal pelo qual o Brasil transfere dinheiro para a elite empresarial. O dinheiro é mais barato do que o custo pago pelo Tesouro por sua dívida, ou seja, é subsidiado.
Nunca antes na história desse BNDES houve tantas operações de grande volume para empresas grandes por motivos discutíveis.
Nesta crise, o banco voltou a ser hospital de empresas, um papel que havia sido renegado na década passada pelos prejuízos que provocou.
No começo do ano passado, logo após receber R$ 100 bilhões do Tesouro, o banco liberou R$ 2,4 bilhões para capitalizar a Sadia, para que a empresa fosse assumida pela Perdigão, formando a BR Foods. A Sadia estava em encrenca justamente por erros dos seus acionistas e administradores na especulação com o câmbio.
E, se não comprasse, o que aconteceria? Nada, a empresa acabaria sendo comprada por um preço mais baixo por qualquer concorrente interessado nos ativos.
O fato é que com operações assim, o que o BNDES preservou foi o patrimônio dos acionistas. Foi mais uma vez o refúgio dos ricos.
O caso do Friboi é espantoso.
Primeiro, porque é descarada a preferência pelo frigorífico e o financiamento total ao seu projeto de internacionalização.
A imprensa fala em R$ 7,5 bilhões aplicados pelo banco na empresa em dois anos. Até o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos, Péricles Salazar, em entrevista ao “Estado de S. Paulo”, disse o seguinte: “O grande pecado do BNDES é o excesso. O país tem outras prioridades. Por que jogar tanto dinheiro numa empresa só?” O BNDES admitiu ter posto R$ 3,2 bilhões e mais R$ 2,5 bi no Bertin, comprado pelo JBS.
O Friboi tem quase 80% da sua receita fora do país. Na operação para a compra do Pilgrim’s Pride, um frigorífico americano, a empresa lançou debêntures de R$ 3,4 bilhões, e o BNDES comprou 99,9%. A família Batista, dona da empresa, comprou meros 0,05%. Consultado, o JBS alegou que não tinha técnico disponível para responder às nossas perguntas.
Quando a Aracruz também se complicou com derivativos cambiais, a Votorantim a comprou por R$ 5,4 bilhões, mas o negócio só foi possível porque o BNDES fez um aporte de R$ 2,4 bilhões na VCP, 40% do valor do negócio, deixando assim a família Ermírio de Moraes e as famílias donas da Aracruz com seus patrimônios preservados e engordados. Essas operações de compra de ativos não geram emprego, muito menos a compra no exterior, como fez o JBS Friboi.
O dinheiro dado à Telemar para a compra da Brasil Telecom foi uma extravagância.
E, de novo, era um negócio que significava mais concentração e nenhum emprego.
Só duas das parcelas foram: R$ 2,6 bilhões, anunciada em 2008, e R$ 4,4 bilhões, em 2009. Consultada, a empresa disse que está em período de silêncio que antecede a divulgação de balanços.
O BNDES afirma que só participou com R$ 2,6 bilhões na compra pela Telemar da Brasil Telecom. No balanço de 2009, há R$ 4,2 bi em empréstimos para a Telemar e Brasil Telecom.
O pior empréstimo do BNDES foi para o frigorífico Independência, porque a operação de injeção de R$ 450 milhões no capital foi feita em novembro de 2008. Com esse capital, o banco ficou sócio do frigorífico, do qual 100% das ações pertenciam à família Russo. O banco subscreveu R$ 250 milhões de ações e em março faria outra operação de R$ 200 milhões, mas aí a empresa quebrou e entrou em recuperação judicial.
Hoje, vários bancos estão na Justiça, inclusive o JP Morgan, para tomar os bens de acionistas. O BNDES nos respondeu que encaminhou o assunto ao departamento jurídico. O que precisa ser explicado é como ele colocou tanto dinheiro num frigorífico às vésperas de quebrar.
O BNDES montou também uma acrobacia fiscal para tentar garantir a aparência de cumprimento do superávit primário. Transferiu R$ 3,5 bilhões para o Tesouro comprando dividendos da Eletrobrás.
Tradicional financiador de projetos de longo prazo, o banco hoje em muitas operações se distancia desse perfil. Virou sócio de empresas com dificuldades e, além disso, empresta recursos para as mesmas empresas das quais é sócio. Faz operações de alto risco, como a do Frigorífico Independência, e participa de manobras fiscais para edulcorar as contas públicas.
Para as pequenas empresas, o banco destinou 5% do capital; para as micro, 4%; e para as médias, 7%. Pessoa física ficou com 1%. O resto, 83%, foi para as grandes, que são apenas 9,7% das operações.
No site da instituição, está registrado que os maiores empréstimos foram para a Refinaria Abreu e Lima, R$ 10 bilhões; Petrobras, com outros R$ 10 bilhões; alguns grandes projetos como Santo Antônio; Jirau; e grandes empresas mesmo estrangeiras como General Motors. No ano passado, na área industrial, o JBS está como a maior operação, com R$ 3,5 bilhões a título de “internacionalização da empresa”. A segunda é de compra de ações da BR Foods, de “até” R$ 1 bilhão.
E houve várias operações apenas de concessão de capital de giro, como a de R$ 200 milhões para a Camargo Corrêa, mesmo valor destinado à Positivo Informática.
Para as Lojas Americanas, R$ 150 milhões; para a TIM, duas operações de R$ 200 milhões cada. Capital de giro não costuma ser financiamento de longo prazo.
Digamos que tudo isso foi feito numa ação anticíclica.
E agora que a crise passou? O BNDES vai manter o mesmo tipo de atuação?
Cliente de Dirceu usou BNDES na Eletronet
Negociação entre AES e o banco, em 2003, abriu espaço para entrada da Contem na Eletronet, cujo sócio é Nelson dos Santos
Empresário intermediou acordo com BNDES pela AES e foi escalado pela companhia para fazer contatos com o PT, quando conheceu Dirceu
Julio Wiziack e Marcio Aith
Ex-cliente de José Dirceu, o empresário Nelson dos Santos usou o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), em 2003, para permitir a entrada do grupo Contem na Eletronet, empresa com uma rede de 16 mil quilômetros de fibras ópticas, que o governo quer utilizar como "espinha dorsal" do PNBL (Plano Nacional de Banda Larga).
Naquela época, eram sócios da Eletronet o governo, por meio da Lightpar, com 49% de participação, e a AES, com 51%. Uma crise financeira na matriz levou a companhia norte-americana a desinvestir, deixando, no Brasil, de pagar empréstimos ao BNDES. A dívida chegou a US$ 1,2 bilhão.
Nessa fase, Nelson dos Santos passou a atuar com o BNDES como consultor da AES Corporation, negociando a dívida. Santos já era próximo ao então presidente mundial da AES, Joseph Brandt, e foi escalado para construir relações dentro do PT. Foi quando ele conheceu José Dirceu.
As negociações entre a AES e o BNDES começaram em 2003, na gestão do então presidente do banco, Carlos Lessa. Em agosto, o acordo foi fechado: a instituição assumiria metade da dívida da AES, que investiria na criação de uma companhia.
Batizada de Brasiliana, ela seria formada pela parte boa da AES Tietê, da AES Uruguaiana e da AES Eletropaulo. O BNDES participaria como sócio ao transformar metade da dívida assumida em ações.
O fator Eletronet
Nesse período, a Eletronet já estava em processo de falência, tendo o advogado Isaac Zveiter sido nomeado síndico da massa falida pela Justiça.
Sabendo que a AES pretendia se retirar da Eletronet, algo que poderia prejudicar os credores da companhia, Zveiter pediu à Justiça arresto das ações da AES Eletropaulo (pivô da renegociação das dívidas), travando a reestruturação da empresa.
A Folha apurou que, naquele momento, Santos surgiu com a solução: retirar a AES da Eletronet e transferir os 51% da companhia ao grupo Contem.
Esse arranjo permitiria que a massa falida passasse a contar com uma empresa sólida de quem pudesse cobrar. A ação de arresto foi então derrubada, e o BNDES concluiu a reestruturação da AES em dezembro.
Dois anos após esse acerto, Santos comprou 25% da Eletronet do grupo Contem por R$ 1 e, seis meses depois, tornou-se sócio dessa empresa, sem desembolsar por isso.
O BNDES afirma que negociou com a AES somente a reestruturação dela no país e que a Eletronet não fez parte do acordo nem dos ativos da Brasiliana. Por meio de nota, o banco informou que esse processo permitiu reverter potencial prejuízo em lucro.
Procurados, Nelson dos Santos, Ítalo Barioni, dono do grupo Contem, e o advogado Isaac Zveiter não responderam até o fechamento desta edição.
José Dirceu
Entre 2007 e 2009, Santos contratou o ex-ministro José Dirceu por um total de R$ 620 mil, como revelou a Folha. Dirceu e Santos declararam que o dinheiro não foi para lobby, mas para pagamento por serviços de consultoria.
Quando foi ministro, entre 2003 e 2005, Dirceu participou ativamente do debate no governo sobre a reutilização das fibras da Eletronet. Em 2006, após sua saída, o governo planejou reativá-la com a Telebrás para levar a internet a regiões não cobertas pelas teles.
Essas informações chegaram ao mercado, provocando alta das ações da estatal de telecomunicações, que ficou sem função desde a privatização do setor, em 1998. Entre 31 de dezembro de 2002 e 8 de fevereiro de 2010, foram 35.000% de valorização, contando juros e dividendos sobre o capital.
Em dezembro do ano passado, o governo obteve decisão judicial que transferiu as fibras da Eletronet à União mediante depósito de R$ 270 milhões em caução aos fornecedores das fibras e dos equipamentos.
Em janeiro, os credores recorreram, alegando não terem recebido o dinheiro. A contenda continua. Sem resolver a disputa pelas fibras, o governo não tem como lançar o PNBL livre do risco de perdê-las.
Nelson dos Santos afirma que tem direito a receber cerca de R$ 200 milhões como indenização, caso a Eletronet não seja reativada.
Cuba e seus amigos:: Janio de Freitas
Um dos problemas de Cuba são os seus simpatizantes, que colaborariam com menos conformismo
Além de patéticos, inverdadeiros - estes foram os atributos que Lula e outros de sua comitiva preferiram para os seus comentários sobre a morte, por greve de fome, de um oposicionista ao regime cubano. E pior ainda, consideradas suas intenções, desceram ao grotesco convictos de que prestavam uma colaboração importante aos líderes e ao governo de Cuba.
A situação, é verdade, era difícil para a comitiva, que chegava a Havana na condição de convidada, para uma visita de cordialidades. E foi recebida, também, pela coincidente morte do oposicionista Orlando Zapata - por outra coincidência, não um intelectual ou acadêmico, mas um operário que decidira aderir à militância política na oposição e em nome de mais direitos civis.
A segunda dificuldade, muito maior, não era exclusiva dos visitantes. É generalizada. Trata-se do complicado problema dos direitos civis cubanos, dos quais deriva o tão questionado problema dos direitos humanos. Na mesma conjuntura em que a liberdade de imprensa convencional é inexistente, uma cubana faz grande sucesso no Ocidente com seu blog de oposição fortíssima feito em Havana (no dia da morte de Zapata, o blog transmitiu uma entrevista da mãe do oposicionista, com graves e não respondidas acusações ao governo).
O regime de partido único não admite, e pune com severidade, toda prática de política institucional fora do Partido Comunista. Mas comissões de iniciativa da população, de sentido oposicionista, são inúmeras. Inclusive comissões de direitos humanos, como a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, liderada por Elizardo Sánchez, alcançável sem maior embaraço por telefonema do exterior. E por aí vai, em uma composição de possíveis e proibidos só compreensível, se for, pelos próprios cubanos.
Para maior complicação, dos cerca de 200 presos políticos que indicam haver em Cuba, entidades especializadas qualificam pouco mais de 50 como presos de consciência. Em que sentido os outros são presos políticos, que espécie de crime político praticaram, digamos, sem envolver sua consciência política? Pode-se argumentar que isso não importa, bastando a existência de presos políticos para configurar o regime de repressão aos direitos civis. Ainda assim, a complexidade persiste, tanto mais que o governo cubano é muito parcimonioso, quando não é silencioso de todo, a respeito dos atos dos réus e de comprovações que eliminassem suspeitas de abusos repressivos.
Na própria condição de visitantes, porém, estava a resposta honesta, e diplomaticamente correta, de Lula e de sua comitiva. Algo fácil como "estamos aqui na condição de convidados, e não nos cabem considerações sobre eventos internos, nem temos informações sobre as peculiaridades desse fato". Em vez disso, Lula preferiu uma segunda condenação a Orlando Zapata: "Lamento profundamente que uma pessoa se deixe morrer por uma greve de fome".
Um estúpido, portanto.
E "morrer por uma greve de fome"? Não seria pelo acréscimo de 36 anos de cadeia uma vez cumprida a sua pena de 3 anos? E o porquê desse acréscimo tem muita importância: se não matou ninguém com meios bárbaros, e disso não foi acusado, o que pode ter feito esse preso dentro da cadeia para mais 36 anos de condenação, o restante de sua vida? Disseram que agrediu carcereiros e foi sempre agitador. Uma sentença de 36 anos, para o que o Orlando Zapata tenha feito na cadeia sem haver crime de morte, vale como demonstração da perda de senso e medida do regime cubano para assegurar-se sua sobrevivência.
Adendo de Lula a si mesmo, já em outras circunstâncias: "Eu aprendi que não se deve dar palpite sobre outros países, porque às vezes a gente mete o dedo onde não deve". Mas na véspera, quando ainda em Cuba: "Estou convencido de que o presidente Obama (...) deveria tomar essa decisão", de acabar com o bloqueio a Cuba. "Uma coisa que tenho dito (...) é que ele não tem que fazer nada mais do que fez o povo americano, que teve a ousadia de votar no Obama. É essa ousadia do povo americano que permite que ele seja ousado e resolva o problema do embargo".
E, não por acaso, logo tínhamos a notícia de que "Lula vai conversar sobre direitos humanos no Irã". O que tem coerência com o comunicado do seu governo em plena ONU, assim como a atitude do seu ministro do Exterior na Espanha, de que o Brasil intercedeu junto a Ahmadinejad para que "o governo iraniano dialogue de modo respeitoso com os dissidentes e minorias" sob repressão no Irã.
Como complemento, o assessor especial Marco Aurélio Garcia, em negação à sua capacidade, bastou-se em dizer, sobre o assunto Zapata, que "em todos os países há desrespeito a direitos humanos". E o que isso justifica ou, vá lá, explica? Há de tudo pelo mundo afora, e por isso tudo está bem, e é aceitável ao menos pelo indignado Marco Aurélio Garcia?
Um dos problemas de Cuba são os seus simpatizantes. Muito mais colaborariam com menos conformismo e com visões mais abertas e íntegras, para juntar às vistas isoladas e cansadas dos cubanos.
O que leva Lula a se aproximar do Irã:: Andrés Oppenheimer*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O importante apoio diplomático do Brasil ao regime cada vez mais isolado do Irã deixa atônita a comunidade internacional. Há várias teorias sobre o comportamento do Brasil, algumas bastante perturbadoras.
Nos últimos dias, quando a tradicionalmente cautelosa Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) da ONU finalmente concluiu que o Irã provavelmente vai desenvolver uma arma nuclear, e até a Rússia começou a se distanciar do Irã, o o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manterá seus planos de visitar o Irã em 15 de maio.
O Brasil, uma das potências ascendentes do mundo, dará, assim, uma legitimidade a um regime que, além de burlar as normas internacionais sobre energia nuclear, é considerado por boa parte do mundo um dos principais patrocinadores do terrorismo.
O Irã é conhecido também por ajudar grupos terroristas islâmicos como o Hezbollah, e promete publicamente varrer Israel da face da Terra. Até o governo populista argentino, que normalmente se alinha com o Brasil em questões de política externa, diz que o Irã esteve por trás dos atentados terroristas do Hezbollah em Buenos Aires nos anos 90.
No fim do ano passado, Lula surpreendeu o mundo ao receber com tapete vermelho em Brasília o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. O Brasil tornou-se, assim, um dos primeiros países não radicais a dar sua bênção a Ahmadinejad após as controvertidas eleições de 12 de junho de 2009.
Por que o Brasil está colocando em risco sua reputação de bom cidadão internacional fazendo isso? Entre as teorias mais disseminadas:
Presunção. Segundo essa escola de pensamento, o sucesso econômico do Brasil e a sabedoria convencional de que ele forma com a China e a Índia as potências emergentes do mundo, subiram à cabeça de Lula.
O brasileiro, que recentemente previu que o Brasil será a quinta maior economia mundial em dez anos, quer enviar uma mensagem de que seu país é um novo ator global que terá de ser levado a sério. E a teoria prossegue: o que poderia ser melhor para atrair a atenção mundial que ter um papel no conflito internacional do momento?
Devaneio diplomático. Lula, encorajado pelo status de celebridade em seu país e no exterior, pode estar levando a sério suas reiteradas ofertas de mediar a crise no Oriente Médio. Lula tem programada uma visita a Israel, aos territórios palestinos e à Jordânia dia 15.
Embora seja difícil de acreditar que Lula possa resolver alguma coisa no Oriente Médio - durante uma visita recente aos Emirados Árabes Unidos e a Israel, não encontrei uma única pessoa que me dissesse que Lula tem alguma chance de obter sucesso onde poderosos mediadores americanos, franceses e russos fracassaram - o presidente brasileiro pode honestamente pensar que conseguirá fazer história.
Ambições nucleares secretas. Lula está sendo cordial com o Irã porque o Brasil quer desenvolver armas nucleares, ou ao menos deixar essa opção em aberto após a vizinha Venezuela ter assinado vários acordos de cooperação nuclear com o Irã.
Com isso em mente, o Brasil pode querer que um outro país - neste caso o Irã - alargue os limites dos acordos nucleares mundiais existentes e crie um precedente.
Política doméstica. Lula está tentando apaziguar seus apoiadores esquerdistas do Partido dos Trabalhadores, a maioria dos quais é ferozmente antiamericana, projetando-se como um estadista vigorosamente independente, enquanto persegue suas políticas favoráveis à economia empresarial.
Minha opinião: é uma combinação da primeira teoria, presunção, com a segunda, devaneio diplomático. Mas não posso deixar de me perguntar se a presunção não conduzirá, mais cedo ou mais tarde, a mais ambições nucleares. Por enquanto, as aberturas do governo brasileiro a Ahmadinejad estão sabotando esforços internacionais para pressionar o Irã a cumprir acordos da ONU e encorajando um regime repressivo nesse país.
*Andrés Oppenheimer é analista político e colunista
O fim da ditadura:: Francisco de Oliveira*
Debacle do Democratas, herdeiro da Arena, encerra de fato o regime que formalmente acabara em 85
O desmoronamento do Democratas com os escândalos do Arrudagate e do quase já consolidado desmascaramento do Kassabgate assinala, felizmente, o ponto final da ditadura civil-militar que formalmente durou até 1985. Como se sabe, o Democratas se originou no bipartidismo imposto pela ditadura, quando Castelo Branco extinguiu os partidos pré-64 e enfiou todos na Arena e no MDB. Na reforma partidária de 1978, o MDB transformou-se em PMDB e a Arena em PFL.
Todos os partidos fazem parte do novo ciclo de "organizações paraestatais", uma transformação que Gramsci não previu, pois as formas do capitalismo contemporâneo fazem do Estado não apenas o garantidor das condições gerais da produção, mas sua vértebra insubstituível. O barbudo de Tiers também deixou passar a oportunidade teórica de introduzir na sua equação da mercadoria a passagem necessária pelos fundos públicos, mas concedamos que o fenômeno estava apenas em seus começos.
O velho PSD mineiro já sabia que "fora do Estado não há salvação". Essa sentença do anedotário político das raposas mineiras é mais do que certeira nas condições do capitalismo contemporâneo. Onde é que o Democratas não entendeu o recado? Em primeiro lugar, por refugiar-se nos chamados "grotões" que tanto o desenvolvimento capitalista quanto as reformas do Estado e finalmente o assistencialismo do Bolsa-Família liquidaram. Aí o Democratas acreditou que, mudando o nome e dirigindo-se às classes médias urbanas, voltaria a ser protagonista principal e não apenas coadjuvante (um Oscar para ele!). Acreditou que as classes médias urbanas são liberais, não gostam do Estado, e pagam tudo pela liberdade. Não entendeu nada de Brasil, e não leu, certamente, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes. Ficou em Casa Grande & Senzala.
Daí para resvalar na vala comum da corrupção não há uma distância muito grande, sobretudo em Brasília, cidade campeã e emblema do patrimonialismo. Quanto a Kassab, sobreviveu graças à estratégia política do atual governador de São Paulo, que lhe transmitiu o cargo de prefeito , cujos rendimentos ainda lhe deram fôlego para a reeleição. Mas por aí termina. Entendamo-nos: não é que inexista corrupção e patrimonialismo nos outros partidos políticos, principalmente nos dois principais. Mas eles conseguem administrar interesses bem definidos, o que não foi o caso do Democratas. Mas estão também no modelo "partidos paraestatais": a irrelevância do PSDB em certas regiões do País o afirma: aliás os tucanos não são propriamente um partido, mas como no Vaticano, um colégio de cardeais.
Desde o fim da República Velha não há lugar para o liberalismo no Brasil, nem nas periferias capitalistas. O último liberal brasileiro, Rui Barbosa, lutou várias vezes para chegar à Presidência, fracassando em todas elas; é certo que "coronelismo, enxada e voto" - a obra maestra de Victor Nunes Leal - não consentia que um liberal estivesse no topo do Estado.
Depois, o Brasil entrou definitivamente - com Vargas, um caudilho gaúcho - na senda da industrialização sustentada no Estado, e então as chances liberais sumiram pelo ralo da indústria e da urbanização acelerada. Os neoliberais tomaram emprestado do avô sua primitiva designação, mas aí a fraude já era evidente, pois mercado nas economias periféricas e no capitalismo contemporâneo só com uma dose cavalar de Estado - que me permita minha querida Maria da Conceição Tavares usar assim de graça seu bordão, e Obama por acréscimo.
O Democratas chegou tarde. É uma pena, pois teriam sido um elemento civilizador no começo do século 20. Já no século 21, é apenas um anacronismo. Não quer isso dizer que desaparecerá, pois a diversidade regional, política, social e econômica do Brasil permite várias formações e agrupamentos de interesses. Mas está condenado a ser satélite - e não é do Banco do Brasil que estamos falando - enquanto o ciclo dos partidos paraestatais não se esgota. É bom para a República que a lição que o Democratas não aprendeu esteja sendo dada em Brasília, antiga capital da esperança. Quem sabe ela volta?
*Professor emérito da FFLCH-USP, autor de Crítica à Razão Dualista: o Ornitorrinco (Boitempo)
sábado, 27 de fevereiro de 2010
Reflexão do dia – Tancredo Neves
(Tancredo Neves, em 1983, ao deixar o Senado para assumir o governo de Minas Gerais)
No coração da grande política:: Marco Aurélio Nogueira
À memória de Gildo Marçal Brandão, cuja fibra generosa e combativa fazia com que rompesse fronteiras
Quem se interessa pelas coisas associadas ao poder e à comunidade humana costuma distinguir duas formas dominantes de política.
A pequena política expressaria um lado mais demoníaco e mesquinho, concentrado no interesse imediato, na artimanha e no uso intensivo dos recursos de poder. Seria o reino dos políticos com “p” minúsculo, onde preponderariam a simulação e a dissimulação, a frieza, o cinismo e a manipulação.
A grande política, por sua vez, refletiria o lado nobre, grandioso e coletivo da política, focado na convivência e na busca de soluções para os problemas comunitários. Seria o reino dos políticos com “p” maiúsculo, onde o privilégio repousaria na construção do Estado e da vida coletiva, na aproximação, inclusão e agregação de iguais e diferentes.
A grande política sempre carregou as melhores esperanças e expectativas sociais. Não seria exagero dizer que os avanços históricos estiveram na dependência da ação de grandes políticos, de estadistas, e da prevalência de perspectivas capazes de fazer com que frutificassem projetos abrangentes de organização social. Sem pontes para unir os territórios e fronteiras em que vivem homens e mulheres – com seus problemas, idéias, sentimentos e interesses –, o futuro fica turvo demais, entregue ao imponderável.
Mas a grande política não é o oposto da pequena, nem tem potência para eliminá-la. De certo modo, é seu complemento necessário, que a impede de produzir somente o mal ou o inútil, aquele que lhe empresta utilidade e serventia. Toda operação de grande política traz em si um pouco de pequena política, que ela tenta domar e direcionar. Não há muralhas separando um tipo do outro, que se retro-alimentam. O estadista nem sempre veste luvas de pelica.
Há momentos em que a pequena política parece tomar conta de tudo. Em que faltam perspectivas e o chão duro dos interesses se distancia uma enormidade do céu dos princípios e valores que enriquecem e dão sentido à vida. Nesses momentos, a pequena política desloca a grande para a margem. Cai então sobre as sociedades uma névoa de pessimismo e desesperança, que se materializa ou numa adesão unilateral aos assuntos de cada um, ou no reaparecimento de uma fé fanática na ação providencial de algum herói. Os políticos – grandes ou pequenos que sejam – terminam assim por ser execrados e empurrados para a vala comum que deveria acomodar os dejetos sociais.
Existem também os que pensam e estudam a política. Hoje, costumamos chamá-los de cientistas políticos, abusando de um vocábulo, a ciência, que nos convida a eliminar o que existe de paixão e fantasia na explicação do mundo. Alguns desses cientistas, radicalizando o significado intrínseco da palavra, acreditam que só podem “fazer ciência” à custa do sacrifício da história, das circunstâncias, das ideologias, da própria política, e por extensão das pessoas apaixonadas, cheias de dúvidas e motivos não propriamente racionais. Fecham-se numa bolha e cortam a comunicação com o mundo, enredando-se numa fraseologia despojada de qualquer efeito magnético.
Muitas vezes, de tanto se concentrar em seu objeto, tentar recortá-lo e isolá-lo da vida social, os cientistas políticos se banalizam. Perdem o interesse em ligar a grande e a pequena política, por exemplo. Dividem-se em grupamentos mais especializados na dimensão sistêmica do Estado – competições eleitorais, governabilidade, reformas institucionais – ou mais dedicados a articular Estado e sociedade, ou seja, a encontrar as raízes sociais dos fenômenos do poder. Não são tribos estanques, e invariavelmente combinam-se entre si. Mas distinguem-se pelas apostas que fazem. Ao passo que uns investem tudo na lógica institucional, outros se inquietam na busca dos nexos mais explosivos e substantivos, que explicam porque as coisas são como são e como poderiam ser diferentes.
Nos momentos em que a pequena política prepondera, multiplicam-se os que se ocupam da dimensão sistêmica. Embalados pelos ventos a favor, tornam-se especialistas em soluções técnicas, quase indiferentes à opinião e à sorte das maiorias. Suas soluções, porém, não resolvem os problemas das pessoas. E como, além do mais, não se preocupam em construir pontes de aproximação ou romper fronteiras que separam e afastam, deixam de contribuir para que se afirmem diretrizes capazes de fornecer novo sentido ao convívio social.
Um belo dia, aqueles que vêem a política sistêmica como a quintessência da política esgotam seus arsenais. Tropeçam diante da abissal complexidade da vida, que escapa das fórmulas mais engenhosas. Nesse momento, as atenções se voltam para os que pensam a grande política. Que são capazes de injetar idéias e perspectivas à política, retirá-la da rotina e da mesmice, fazê-la falar a linguagem dos muitos, projetá-la para além de fronteiras e interesses parciais enrijecidos.
Um círculo então se fecha e a política se mostra por inteiro. Na face menor, revela a pequenez, a malícia e a vocação egoística de tantos que se aproximam do poder para usá-lo sem causas maiores. Na face grande, resplandece o ideal de que o futuro, por estar sempre em aberto, pode ser construído com ideais, instituições democráticas, bons governos e cidadãos ativos, dando expressão igualitária a desejos, esperanças e convicções de pessoas dispostas a viver coletivamente.
O cientista político surge então de corpo e alma. Sem olhar com desprezo para o pequeno mundo da política miúda, que ele sabe ser parte da vida, mas sem perder de vista o valor da grande política, que exige idéias e doses expressivas de criatividade e desprendimento.
Quando ele falta, ou desaparece, um vazio se abre. E fica mais difícil de ser preenchido.
Marco Aurélio Nogueira, Professor Titular de Teoria Política da Universidade Estadual Paulista-UNESP
Temores::Merval Pereira
O governo brasileiro teme que eventuais sanções contra o Irã possam se voltar contra nós, pois os dois são países que estão no mesmo estágio de desenvolvimento da tecnologia nuclear e com a mesma intenção de controlar todos as etapas do enriquecimento do urânio.
A explicação é do ministrochefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Jorge Félix, ao negar informação publicada ontem aqui na coluna de que o órgão por comandado esteja fazendo consultas para um possível acordo nuclear com o Irã a ser assinado na visita que o presidente Lula fará àquele país, em maio.
O general Félix chegou a aventar a hipótese de que outro órgão qualquer do governo esteja fazendo essas consultas, embora esclarecesse que desconhecia qualquer movimento no sentido de um acordo com o Irã.
Pode ter havido também um mal-entendido qualquer, admite o general, devido a uma reunião que ele teve quinta-feira, no Rio, com órgãos ligados ao programa nuclear brasileiro, como a Nuclepe, a Eletronuclear, a INB (Indústrias Nucleares do Brasil) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen).
Ele, no entanto, assegura que o assunto da reunião foi o esquema de segurança de locais onde existem as usinas e outros equipamentos, função que passou para o GSI no ano passado.
De fato, dois dos três órgãos que, segundo apurei, receberam consultas sobre eventuais trocas de informações de interesse de Brasil e Irã no campo nuclear estavam na reunião do general Félix: a Eletronuclear e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnem). A terceira é o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo, onde está a usina de Aramar.
O Brasil incluiu recentemente no Plano Nacional de Defesa a decisão de dominar o conhecimento e a tecnologia nucleares, como parte de seu programa de desenvolvimento estratégico, e considera que se o Irã for impedido de enriquecer o urânio a 20% como anunciou, de alguma forma a posição do Brasil pode ficar enfraquecida, pois nós já temos permissão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para enriquecer urânio nesse nível em Aramar.
A única fase do processo de enriquecimento do urânio que o Brasil ainda não está capacitado a realizar é a transformação do “yellow cake” — uma pasta de concentrado de urânio — , em gás ( hexafloreto de urânio), que é feita no Canadá ou na Urenco, um consórcio formado pela Holanda, Alemanha e Reino Unido.
Mas em meados deste ano esse processo, que já dominamos laboratorialmente, já estará sendo feito no país, fechando o ciclo.
A Marinha investe em uma usina que permita a produção do hexafloreto de urânio suficiente para nossas necessidades, para o caso de alguma razão estratégica impedir que outros países façam essa transformação para nós. O custo desta etapa do processo de enriquecimento do urânio é de apenas 5% do total, embora ela seja fundamental para as operação das centrífugas que enriquecem o urânio.
Os que defendem uma aproximação com o Irã nesse setor de energia nuclear acreditam que estar ã o p r o m o v e n d o u m a reinserção daquele país na legislação de salvaguardas internacionais fora das pressões americanas, defendendo a soberania dos respectivos programas nucleares.
À diferença do Irã, porém, além de ter assinado todos os tratados, o Brasil aceita as insp eções da AIEA. Além do mais, nós não estamos em uma região conflitada como o Oriente Médio e nem temos inimigos nas nossas fronteiras.
Aliás, a origem da assinatura do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), em 1997 no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, está na necessidade de uma boa relação com a Argentina.
O ex-chanceler Celso Lafer considera que, para a América do Sul, o término da corrida nuclear significou a possibilidade de uma cooperação com a Argentina, que antes obedecia à lógica da corrida armamentista.
Antes da assinatura do TNP, foi criada a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), que permitia que os dois maiores países da América do Sul se fiscalizassem mutuamente.
O Brasil também aceitou, juntamente com Argentina e Chile, as emendas ao Tratado de Tlatelolco, e outro acordo estabeleceu normas de salvaguardas claras.
O entendimento generalizado no atual governo é que o Brasil não precisaria ter assinado o TNP, e o Ministro do Planejamento Estratégico, Samuel Pinheiro Guimarães, considera que o país cedeu a pressões dos Estados Unidos.
Por essa razão, o governo não está disposto a assinar um Protocolo Adicional ao TNP, como é desejo da AIEA, que considera que a usina de enriquecimento de urânio de Rezende não está coberta por salvaguardas suficientes.
Prevê-se que a negociação para a renovação da autorização de funcionamento da usina de Rezende, nos próximos meses, será tensa.
O Brasil assinou o TNP em 1997 e de lá para cá não negociou qualquer Protocolo Adicional, fazendo o mesmo que grande parte dos cerca de 200 países que o assinaram. Mas o momento político está mais tensionado devido justamente ao programa nuclear do Irã.
De acordo com especialistas, se o governo brasileiro pretende auxiliar o Irã a resistir às pressões vindas da maioria do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com forte liderança americana, um acordo nuclear atrairia maiores pressões contra o nosso próprio programa de desenvolvimento na área nuclear
Lula pisou em algum despacho:: Villas-Bôas Corrêa
A boa estrela do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ilumina os seus caminhos desde a mudança num pau de arara, com a heroica dona Lindu, sua mãe, e os irmãos dos cafundós de Garanhuns, uma cidade de meia dúzia de vielas no interior de Pernambuco, para São Paulo, quando começa a viver no maior centro urbano do país em marcha para a industrialização, consegue uma vaga no curso de torneiro mecânico como que vacinara o menino pobre, que nas ruas de Santos vende amendoim, laranja, tapioca, tangerina para ajudar a alimentação da família.
Ao mesmo tempo cursa a escola primária do Grupo Escolar Marcílio Dias, onde se alfabetiza. Quatro anos depois, dona Lindu muda-se para a capital, onde o garoto Luiz Inácio em três anos tira o certificado que o credencia a trabalhar na Fábrica de Parafusos Marte e, profissional competente, consegue trabalhar na empresa metalúrgica Vilares, em São Bernardo do Campo.
Em 1969, Lula casado com dona Marisa Letícia de Silva, também viúva e com quatro filhos, é convidado a participar da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico de São Bernardo do Campo. E daí em diante o seu destino dispara em velocidade de carro de morro abaixo.
Eleito presidente em 1975, Lula cria o “novo sindicalismo”, com a liderança de antigas reivindicações, como remuneração salarial justa, garantia de emprego e melhores condições de trabalho. Reeleito presidente com 98% dos votos, em 1978, em plena greve nacional liderada por Lula, em desafio à legislação da ditadura militar.
Os últimos capítulos da novela são conhecidos. Lula funda o Partido dos Trabalhadores (PT), elege-se deputado federal com medíocre atuação na Constituinte de 1988. A sua vocação era para o Executivo. Lula tenta em obstinada determinação. Perde três eleições: uma para Collor de Mello, duas para Fernando Henrique Cardoso e se elege em 2002 para reeleger-se em 2008 para o mandato que termina em 2011.
Todo este longo e repetitivo rodeio é a modesta tentativa de estabelecer o contraste entre o ontem e hoje, na reviravolta de um longo período de bonança, onde tudo dava certo para o presidente Lula, desde o ousado lançamento na marra da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como a candidata do PT e dos que quisessem pegar uma carona na favorita, amparada pelos 82% de aprovação nas pesquisas, enquanto as oposições batem a testa na indecisão infinita da montagem da chapa.
Em que o presidente errou? O seu anjo da guarda, exausto de tanto carregar o saco dos sucessos, tirou um cochilo calamitoso na viagem sem quê nem para quê do presidente a Cuba.
É indesculpável que não tenha sido alertado pelo Itamaraty para a tensão nos porões da ditadura cubana com a agonia nos seus últimos estertores do preso político cubano Orlando Zapata Tamayo, que morreu após 82 dias de greve de fome em protesto contra as más condições da prisão e pelos direitos humanos.
A foto de Lula, em cores, na primeira página de O Globo de anteontem, seria proibida nos tempos do DIP. Entre o presidente Raúl Castro e o envelhecido Fidel Castro, Lula acaricia a barba no grupo sorridente.
A série de vexames não parou aí. A morte de Zapata provocou uma onda de violência e repressão em Cuba, com a prisão domiciliar e a detenção de dezenas de opositores que tentavam chegar a Holguín para o velório do operário detido desde 2003 e considerado preso pela anistia internacional.
A oposição no Congresso engoliu o constrangimento com a roubalheira no governo de Brasília, um feudo dos Democratas, recuperou a voz e subiu à tribuna parlamentar para protestar para um plenário às moscas, mas que sustentou um debate veemente.
O deputado José Carlos Aleluia (BA), vice-líder do DEM, foi ao acerto de contas com o governo: “Quem poderia imaginar um presidente operário, o nosso presidente metalúrgico, ir a Cuba para comemorar a morte de um dissidente do regime de Fidel Castro?
Isso é inaceitável. Tirar foto dando risada ao lado de assassinos, ao lado de bandidos, em Cuba”. A deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) pediu que fosse retirada do discurso a expressão “assassinos”.
Com o resto, pelo visto, está de acordo.
Joaquim Barbosa denuncia conduta 'inusitada' de perito do mensalão do PT
Ministro afirma que policial estaria criando obstáculos à investigação
Carolina Brígido
BRASÍLIA. O ministro Joaquim Barbosa, relator do processo que investiga o mensalão do PT no Supremo Tribunal Federal (STF), enviou para a corregedoria da Polícia Federal um documento denunciando o comportamento “inusitado” do Instituto Nacional de Criminalística (INC) no caso. Segundo o ministro, o policial responsável por periciar as provas estaria criando obstáculos desnecessários para concluir o trabalho, atrasando o andamento da investigação.
O nome do perito não foi citado no despacho. Se a corregedoria concordar com Barbosa, poderá abrir uma investigação disciplinar contra o servidor.
Para concluir uma das perícias pedidas, o INC solicitou ao Supremo notas fiscais emitidas por uma empresa para o Banco do Brasil, junto com a descrição dos produtos adquiridos ou serviços prestados. O ministro pediu informações detalhadas ao Banco do Brasil, que respondeu à Corte. Em seguida, o INC enviou um ofício ao STF pedindo a mesma informação de forma mais detalhada, incluindo a logomarca da empresa e mais provas de que o banco necessitava dos produtos adquiridos.
O ministro considerou o fato estranho. No despacho remetido ao instituto, demonstrou impaciência.
“Diante do inusitado quadro, oficie-se ao INC para que conclua a perícia requisitada ou justifique, fundamentadamente, a real pertinência e necessidade de mais essa documentação complementar, tendo em vista, sobretudo, o fato de que a solicitação de documentação feita inicialmente, apesar de estranha, já foi atendida”.