domingo, 7 de março de 2010

Indecisão crônica:: Roberto Romano

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO /ALIÁS

Com um nome conhecido desde 63, oposição ainda vacila em lançar logo a candidatura

Nossa cultura se caracteriza pela aceleração do tempo e o controle do espaço. Desde a invenção da imprensa a economia, a ciência e a técnica seguem o ritmo rápido de ação e planejamento. Cidadãos e líderes buscam dominar o relógio para atingir o poder e mantê-lo. Não só Benjamin Franklin enunciou tal realidade, vital na política. As lições sobre o tema foram formuladas pelos gregos, pioneiros das eleições na história, com a teoria do kayrós, o tempo oportuno. Se um peixe desliza pelo rio e eu o desejo, devo preparar a lança para apanhá-lo no átimo certo. Um segundo antes, ou depois, perdi o almoço. O mesmo, diz a mesma sabedoria, ocorre nas eleições. Maquiavel, "homem prudentíssimo" (no juízo de Spinoza) fornece provas desse imperativo. Se alguém deseja vencer, precisa dominar o calendário.

Nas eleições, a hegemonia exige máquinas partidárias unidas. A demora na reunião de recursos físicos e humanos anuncia desastres. Os concorrentes, se movidos pela prudência, unificam os batalhões antes da luta. Se existe disciplina coesa, o número dos aderentes aumenta. Caso contrário, eles debandam. A política, diz Botero, teórico da razão de Estado (1589), é arte de ampliar a reputação. Luta pelo candidato quem o imagina vencedor, o abandona quem teme sua derrota. Simultaneamente, vêm a estratégia e as táticas de campanha, em cenários realistas. Assim se garante força de ataque e defesa contra os concorrentes. Mas nenhuma estratégia ideal substitui a coesão da campanha.

O domínio do tempo afiança o controle do espaço. Para vencer, um partido ou coalizão precisam dominar o todo territorial e a maioria de suas partes. Não basta ter o apoio de algumas regiões: urge abranger a maioria das cidades, nelas garantir comitês de apoio. Também importa fazer com que o elo entre lideranças e bases seja o mais rápido e fluente possível. A maioria dos apoiadores deve encampar todas as batalhas, não a deste ou daquele setor dirigente. O excesso de caciques pode afugentar tribos inteiras. Se alguns caciques desejarem tudo para si, sem partilhar as oportunidades de atingir o poder, todos perdem.

A candidatura de Dilma Rousseff goza de imunidades excepcionais (inclusive no TSE) para fazer sua campanha. Ela possui recursos humanos e financeiros numerosos e conta com uma eficaz assessoria de marketing. A dupla Duda Mendonça e João Santana ostenta vistoso currículo, quando se trata de fazer o eleitorado aceitar fantasias e promessas. Há mais de um ano a postulante ao Planalto faz comícios pelo Brasil, seguindo os passos do presidente. Suas aparições (e desaparecimentos, quando convocada a prestar contas no Congresso) são regidas pela batuta de Santana. Sua estratégia política está armada desde longa data, incluindo alianças que lhe permitem chegar aos rincões do País. No controle espacial o PMDB tem relevância. A militância, ressabiada desde o mensalão, retorna às ruas com ímpeto, dada a esperança do programa que ruma para a esquerda.

A oposição esbanja tempo, não o controla. E seu espaço encolhe na mesma ordem. Com um nome conhecido desde 1963 em todos os recantos do Brasil, ela chega tarde ao lançamento da candidatura. Não existe, em termos públicos, estratégia de campanha, com um agravante: Dilma conta com o PMDB nacional e a oposição tem promessas de apoio do PMDB paulista. Falta unidade de comando, os dirigentes tucanos e democratas não chegam ao consenso. Líderes como Aécio Neves, essenciais em qualquer hipótese, até hoje estranharam José Serra e seus aliados. Desconfiança idêntica ocorreu no sentido Serra-Aécio. Com a indecisão de nomes e programas, vem o vazio no imaginário do eleitorado. Os oposicionistas perdem a reputação de vitoriosos, o que prejudica a máquina publicitária, da qual não se tem notícia sequer dos operadores. Cronologia e território fogem das mãos oposicionistas. O escândalo de Brasília veio no minuto certo para ser aproveitado pelo marketing da campanha governamental.

Nada, no tempo e no espaço, é irreversível. A política também se define como arte de vencer limitações, surpreendendo o adversário. E tucanos sabem fazer política, quando querem e podem. Mas não é a primeira vez que eles ameaçam jogar uma vitória pela janela, devido aos seus desentendimentos. Basta recordar a primeira eleição de Luiz Inácio da Silva: as quebras no comando do PSDB repercutiram imediatamente nos eleitores. Coisa pior veio com a candidatura Alckmin. Ele foi hipnotizado pela retórica publicitária adversa, como nas acusações de privatismo. O candidato colocou Lula em apuros, mas o boné da Petrobrás na sua cabeça mostrou falta de poder no ataque, por ausência de uma agressiva estratégia e coesão partidária. Os Bourbons, na França, eram conhecidos por nunca esquecer ou perdoar, pois jamais aprendiam. Seriam os oposicionistas do Brasil os seus herdeiros?

Filósofo, professor de ética e filosofia na Unicamp. Autor, entre outros livros, de O Caldeirão de Medeia (Perspectiva)

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