quinta-feira, 29 de abril de 2010

Juro sobe 0,75, após 19 meses

DEU EM O GLOBO

Com o forte aquecimento da economia, o Banco Central elevou os juros básicos em 0,75 ponto percentual, para 9,50% ao ano, após 19 meses sem alta.
Com a decisão, unânime, o BC quer conter a inflação, que chegou a 5,41%. Para economistas, o ciclo de alta pode se estender até 2011. Fundos DI ficaram mais rentáveis que a poupança.

E os juros voltam a subir...

Com a inflação em alta, BC eleva taxa básica para 9,5% ao ano, em decisão unânime. É o 1º aumento em 19 meses

Patrícia Duarte e Bruno Villas Bôas

BRASÍLIA, RIO e SÃO PAULO Em meio ao forte ritmo da economia brasileira, que desencadeou uma pressão sobre a inflação, e ao estouro da crise fiscal europeia, o Banco Central (BC) deu início ontem a um novo ciclo de aperto monetário no país, ao elevar os juros básicos em 0,75 ponto percentual, para 9,50% ao ano. A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) foi unânime e, apesar de uma parte do mercado projetar alta de 0,5 ponto, ficou dentro do esperado. A Taxa Selic não subia há 19 meses. Para os economistas, o movimento de alta vai continuar nos próximos encontros do BC, pelo menos até o fim do ano. Pela pesquisa semanal Focus, feita junto ao mercado pelo BC, os economistas preveem a Selic a 11,75% em dezembro, voltando a cair somente em 2011.

“Dando seguimento ao processo de ajuste das condições monetárias ao cenário prospectivo da economia, para assegurar a convergência da inflação à trajetória de metas, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a Taxa Selic para 9,50% ao ano, sem viés”, diz o comunicado emitido após o encontro, que durou três horas.

Com a alta, a taxa real brasileira passa a 4,2% ao ano, mantendo a primeira colocação entre os países com as maiores taxas do mundo. O segundo lugar é ocupado pela Indonésia, com taxa real de 3%, seguida pela China, com 2,8%.

A última vez que o BC elevara a Selic tinha sido em setembro de 2008, de 13% para 13,25%, patamar que começou a ser reduzido em janeiro do ano passado, no auge da crise internacional.

Em julho de 2009, a taxa atingiu seu piso histórico de 8,75%, que perdurou até ontem.

— A atividade econômica está de fato mais forte e o BC já havia antecipado desconforto com isso — afirmou a economista-chefe do ING, Zeina Latif.

Muitos avaliam que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) neste ano, projetado pelo mercado atualmente a 6%, está acima do potencial brasileiro de expandir-se sem gerar distorções, que seria entre 4% e 5% ao ano. Quando isso ocorre, a demanda (consumo) cresce acima da capacidade de oferta de bens da indústria e de importação da economia, favorecendo aumentos de preços. Ao elevar os juros, o BC inibe o consumo porque encarece o crédito.

As projeções para a inflação acompanham a percepção de que cada vez mais existe este descasamento. A previsão para o IPCA já chega a 5,41% em 2010 e 4,80% em 2011, ambos os números acima do centro da meta oficial do governo, de 4,5%. No caso do IGP-M, indicador que é usado para corrigir aluguéis, e do IGP-DI, os especialistas preveem altas superiores a 8% neste ano: 8,03% e 8,01%, respectivamente.

Apesar de haver razões técnicas para apertar os juros, essa reunião do Copom também foi envolvida por muitos ruídos de ordem política, talvez os mais fortes da gestão do presidente Henrique Meirelles no BC, iniciada em 2003. Não é difícil encontrar especialistas que classificam como confusa a comunicação do Copom neste momento, sobretudo a partir de março, quando o comitê resolveu manter a Selic em 8,75% apesar dos sinais de descontrole da inflação, na avaliação de parte dos analistas.

— O Copom deveria ter subido a Selic em março porque, agora, as expectativas estariam mais ancoradas — afirmou o economista-chefe da Máxima Asset Management, Elson Teles.

Pesou ainda para a desconfiança o fato de que, justamente naquele momento, Meirelles — filiado ao PMDB — estivesse decidindo se saía do BC para ser candidato ou não. Para alguns especialistas, manter a Selic em março passado pode ter tido um viés político, já que Meirelles trabalhava para se tornar candidato a vice-presidente na chapa da pré-candidata à presidência pelo PT, Dilma Rousseff.

Diante das pressões, na última terça-feira — primeiro dia da reunião do Copom — Meirelles saiu em defesa da autonomia da instituição e da primazia das avaliações técnicas.

Mas patinou, na opinião do mercado, ao dizer que o BC “não precisa provar mais nada a ninguém”.

— O BC precisa sim provar sempre para a sociedade o seu trabalho. Não existe autonomia formal que o livre dessa responsabilidade — afirmou o especialista de um grande banco.

Real valorizado e maior déficit externo

Segundo economistas, a elevação tende também a atrair mais dólares para o país, com investidores em busca de maior rentabilidade. Nesse cenário, o real ficaria ainda mais valorizado frente à moeda americana, para uma taxa próxima de R$ 1,75. Bráulio Borges, economista da LCA Consultores, explica que o real valorizado tornará mais barato importar bens e insumos, o que contribui para desacelerar a inflação. Ele acrescenta que 30% do IPCA são de produtos comercializáveis, ou seja, importados ou cotados no mercado internacional. Braulio lembra que o aumento da importação, por outro lado, pode elevar o déficit em conta corrente e pressionar o câmbio.

— O componente de incerteza sobre esse movimento vem da Europa. Se o cenário piorar em países como Grécia, Espanha e Portugal, por exemplo, o dólar vai ganhar força frente ao real e as importações voltarão a ficar caras, acelerando a inflação — explica.

Luis Otávio Leal, do banco ABC Brasil, lembra que em um cenário de crescimento acelerado, os repasses de preços são maiores, já que os estoques rapidamente são substituídos: — Precisamos ver a cara dessa nova crise, mas uma piora pode acelerar a inflação aqui e obrigar um ciclo de ajuste maior na Selic.

Para Alexandre Póvoa, da Modal Asset, o aumento de 0,75 ponto percentual na Selic foi um “bom primeiro passo” do início do ciclo de aumento dos juros. Póvoa diz que a economia pode crescer a um ritmo de 5% ao ano sem provocar inflação, mas dados recentes apontam para um ritmo anualizado de 8% no primeiro trimestre.

Empresários e sindicalistas se uniram nas críticas. Para a Fiesp, que reúne as indústrias paulistas, a decisão coloca em “risco a competência e a autonomia” do BC que estaria “atendendo a interesses de poucos em detrimento de muitos”. Do lado dos sindicatos, a Força Sindical classificou a alta de “equivocada e perversa” para o setor produtivo. Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) alerta que o aumento dos juros terá efeitos negativos mais permanentes sobre a produção.

Na direção oposta a Febraban, federação dos bancos, disse, em nota, que a decisão do BC foi acertada.

O QUE LEVOU À DECISÃO

A elevação da taxa básica de juros, a Selic, ontem pelo Banco Central já era esperada pelos economistas, por causa dos sinais de aquecimento da economia. Como resultado, a inflação vem acelerando. A projeção para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que orienta o sistema de metas do governo, já chega a 5,41% em 2010 e 4,80% em 2011, ambas as expectativas acima do objetivo central oficial, que é 4,5%.

Colaboraram: Lino Rodrigues e Wagner Gomes

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