“Na década de 70 e mesmo no começo dos anos 80 o desafio era a redemocratização. Pode mesmo parecer de menor significação para quem não viveu no período a importância de dizer certas palavras: falar de tortura e de arbítrio, por exemplo. Hoje é fácil. Naquele tempo a menção poderia ter um custo imediato. Era preciso, embora temendo, arriscar-se. Sem riscos equivalentes, pois neste caso a discussão se dava no campo dos que se opunham à ditadura, tampouco era fácil pregar a necessidade de apoiar o MDB e propugnar por um amplo movimento da sociedade civil como forma de combate ao regime autoritário. Na época a esquerda que se julgava “verdadeira” empunhava armas e a intelectualidade progressista, mesmo sem sair de casa, torcia por ela e desconfiava de roteiros democráticos. Hoje somos todos democráticos, abominamos a violência e nos horrorizamos com os desmandos dos que comandaram o país no passado. Tanto assim que antigos apoiadores do regime militar são agora – sem que eu reprove suas mudanças de opinião nem os desqualifique – até mais entusiastas dos governos democráticos do que antigos militantes da esquerda.”
(Fernando Henrique Cardoso, no livro Relembrando o que escrevi: da reconquista da democracia aos desafios globais, págs. 11-12 – Editoria Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2010)
Nenhum comentário:
Postar um comentário