DEU NO VALOR ECONÔMICO
De Brasília
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Dizer que José Serra é um economista "cepalino" é um lugar-comum entre os congressistas, especialmente os adversários. O termo é usado como sinônimo de algo retrógrado. Poucos, no entanto, sabem exatamente o que pensa hoje José Serra sobre a economia, talvez porque o tucano evite o apelo às manchetes fáceis nas palestras, aulas e conversas com a classe política nas quais costuma divergir de maneira cristalina da atual política econômica, especialmente no que se refere ao desequilíbrio das contas externas, juros altos e à sobrevalorização cambial.
"Cepalino" é uma referência à Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), órgão das Nações Unidas que está na origem da formação econômica de Serra e que por muito tempo foi vista como uma espécie de contraponto à escola monetarista.
Serra rejeita a pecha de "neoliberal" que o PT colou aos governos tucanos. Prefere o termo progressista, que para ele significa aliar a economia de mercado ao "ativismo governamental". Trata-se de uma expressão presente nos discursos de Serra desde antes de sua primeira candidatura a presidente, em 2002, até eventos mais recentes. Para Serra é preciso distinguir Estado ativo de Estado produtor. São políticas ativas o que ele pretende exercer na Presidência, se vencer a disputa eleitoral de 3 de outubro.
Essa é a atualização no pensamento de esquerda que tem pregado nos últimos anos, menos em entrevistas ou pronunciamentos bombásticos e mais em palestras ou aulas as quais é convidado a ministrar. Serra lamenta que parte da esquerda continue apegada ao "ideário dos anos 60", como a socialização dos meios de produção, e insista numa concepção caricatural do neoliberalismo, cesto no qual são colocados todos os que aceitam o investimento externo e menos intervenção do Estado e condenam os privilégios das corporações - como vê ocorrer hoje no Estado brasileiro.
Serra, evidentemente, acha que neoliberalismo é um monte de outras coisas, como, por exemplo, a crença no "automatismo do mercado" para assegurar o crescimento e reduzir a pobreza. O tucano acha que é possível conciliar economia de mercado e ativismo estatal para assegurar o crescimento econômico acelerado. "Em países como o nosso, não há distributivismo possível a médio e longo prazos sem taxas elevadas de crescimento", dizia já no início dos anos 2000 em palestra realizada no Instituto Sérgio Motta, em São Paulo, texto que atualmente faz sucesso em redes sociais e entre economistas.
O desafio do pensamento progressista para José Serra, portanto, é compatibilizar mais abertura externa e menos Estado produtor com seu ideário histórico de soberania nacional e justiça social. Considera um equívoco dizer que a combinação das duas coisas venha a ser necessariamente neoliberalismo.
Serra é um dos poucos brasileiros a criticar a atual política econômica, responsável pela estabilização da economia e, mais recentemente, pela retomada do crescimento do país. Acha que o Produto Interno Bruto (PIB) deveria e poderia ter crescido muito mais antes da crise econômica de 2008. Crescer mais seria a chave para maior distribuição de renda. O tucano em geral é ácido nas críticas à política monetária e ao seu condutor, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles. Acha que a política de valorização do câmbio é simplesmente um erro, nada mais, nada menos, como deixou claro em outra manifestação recente - um artigo para a edição comemorativa dos 40 anos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Nesse artigo, Serra diz que manterá o tripé no qual se assenta a política macroeconômica - regime de metas para a inflação, superávit primário das contas públicas e câmbio flutuante. Mas assegura que há modos diferentes de agir sem ter que desmontar o tripé. O tucano teme a desindustrialização do país em função da política de juros altos (e que devem voltar a subir ao longo deste ano) e da sobrevalorização cambial. Se isso de fato ocorrer, como é prognóstico do ex-governador de São Paulo, o risco é o país ficar refém do modelo primário exportador.
Enquanto critica a política de Meirelles, Serra é mais receptivo ao ministro Guido Mantega, da Fazenda, a quem costuma tecer elogios, em conversas reservadas. Mantega, um ex-colega dos tempos do Cebrap, é um "desenvolvimentista", adjetivo que tem perseguido Serra ao longo de sua vida pública - e pelo que diz e escreve, S erra não vê incompatibilidade entre economia de mercado e ativismo governamental (ou estatal, como tem falado mais recentemente).
Uma incógnita sobre um eventual governo Serra é a relação que o tucano terá com o mercado financeiro. Na campanha de 2002, Serra tinha claro que não era o candidato dos financistas. Agora também o discurso do ex-governador e o interesse dos bancos parecem desavindos, muito embora em sua campanha sejam encontrados o que se pode chamar de "representantes do setor", desde o ex-senador pefelista Jorge Bornhausen ao banqueiro tucano Luiz Carlos Mendonça de Barros. (RC)
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