quarta-feira, 30 de junho de 2010

Gastos levam contas públicas ao pior resultado em 18 anos

DEU EM O GLOBO

Mau desempenho do INSS foi o que mais pesou para o rombo em maio

A situação das contas públicas se deteriorou drasticamente em maio. O superávit primário — economia para pagar juros da dívida — de todo o setor público despencou de R$ 19,7 bilhões em abril para R$ 1,4 bilhão no mês passado. O pior desempenho foi da União, que teve déficit de R$ 1,431 bilhão, o maior em 18 anos para o mês. O principal responsável pelo rombo foi a Previdência. Os números gerais só não foram piores porque os estados e as empresas estatais fizeram a sua parte e pouparam. Segundo especialistas, o crescimento da economia e a elevação da receita com impostos estão compensando boa parte dos aumentos de gastos e, só por isso, o quadro fiscal não aparenta ser tão grave. “A atual política fiscal estimula o crescimento a curto prazo, mas o inibirá a médio e longo.

Mais gastos correntes e de pessoal induzem a mais juros e câmbio valorizado”, alertou o economista Roberto Padovani.

Tombo no esforço fiscal

Superávit primário despenca com pior resultado do governo em 18 anos para mês de maio

Gustavo Paul e Martha Beck

BRASÍLIA - Com o governo central (Tesouro, INSS e o Banco Central) fazendo o mais baixo esforço fiscal em 18 anos para um mês de maio, o superávit primário do setor público despencou para R$ 1,430 bilhão, após a economia para pagar juros alcançar R$ 19,7 bilhões em abril. Foi o segundo pior resultado no mês, superado só pelos números de 2009.

Ainda assim, devido ao forte ritmo da economia e à valorização cambial, a dívida líquida do setor público continua em queda em relação ao Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país), indicando situação fiscal confortável para o país a curto e médio prazos, mas mantendo o sinal de alerta.

Apesar de o endividamento ter crescido entre abril e maio, passando de R$ 1,370 trilhão para R$ 1,371 trilhão, a relação dívida/PIB caiu de 41,8% a 41,4% e deve chegar a 41,1% em junho, segundo o BC. Principal indicador da solvência do país, essa relação vem caindo ao longo dos anos e em 2010.

Em dezembro era de 42,8% do PIB e deve ficar abaixo de 40% no fim do ano.

O chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, lembrou que a retração nos últimos meses foi considerável.

Ele citou as economias industriais do planeta, cujo endividamento deve crescer entre 2009 e 2010: — A trajetória da dívida é benigna, mostra retração ao longo do tempo.

Sazonalmente os números são ruins, mas a dívida se mostra sob controle.

Dívida bruta cresce para 60,1% do PIB

A queda do indicador deve-se mais à reavaliação do PIB do primeiro trimestre do que à economia para pagar juros. Outro fator foi a alta do real, que reduziu a parcela da dívida externa.

Mas a dívida bruta do governo — que exclui ativos do setor público — continua subindo: de 59,9% do PIB em março para 60,1% em maio. Lopes estima 59,7% em junho.

Os dados devem servir de alerta ao governo, diz o economista-chefe do WestLB, Roberto Padovani. Ele frisa que, apesar de o Brasil ter situação fiscal confortável sem risco a curto prazo, a perspectiva é ruim. Os gastos públicos, diz, continuam em expansão, principalmente os permanentes, como custeio e pessoal: — A atual política fiscal estimula o crescimento a curto prazo mas o inibirá a médio e longo. Mais gastos correntes e de pessoal induzem a mais juros e câmbio valorizado.

Em maio, o governo central apresentou déficit primário de R$ 1,431 bilhão, pior número para maio desde 1992, início da série histórica do BC. O maior responsável pelo rombo foi o INSS. O resultado só não foi pior porque foi compensado pelos governos regionais, com superávit de R$ 1,469 bilhão, e estatais (R$ 1,392 bilhão).

O Tesouro, que divulgou os dados do governo central, atribuiu o desempenho ruim do governo central a despesas maiores e queda de receitas. Os principais gastos foram a alta de R$ 2,4 bilhões nas transferências da União para estados e municípios e o forte ritmo dos investimentos.

Do lado das receitas, caiu a arrecadação de tributos com recolhimento trimestral em abril, como Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido. Augustin frisou que os investimentos federais pegaram carona no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em maio, somaram R$ 4 bilhões, e em 2010, R$ 16,7 bilhões, alta de 80% sobre maio de 2009 — 58% reais (descontada a inflação).

— (investimento) é uma despesa que queremos ter — disse ele.

Os repasses mais fortes da União para estados e municípios se explicam pela alta da arrecadação de tributos partilhados, como o IPI. O secretário ressaltou que o comportamento dos gastos com pessoal é positivo pois embora haja alta nominal de 8,5% de janeiro a maio de 2010, a queda real é de 4,6%. Para Augustin, as contas estão equilibradas e, por isso, agências de risco como a Fitch têm feito relatórios com análise positivas do país: — No Brasil temos visto analistas enxergando dificuldades fiscais. Nós sempre dissemos que isso não existe.

O economista da consultoria Tendências Felipe Salto pondera: — O investimento cresce fortemente, é bom. Mas outros gastos também e isso pode não ser sustentável.

O superávit fraco de maio impediu o setor público de cobrir os R$ 16,1 bilhões em gastos com juros da dívida, levando a um déficit nominal de R$ 14,7 bilhões. Em 12 meses, o indicador subiu de 3,21% a 3,28% do PIB.

O mesmo “efeito PIB” que reduz a dívida torna difícil cumprir a meta de superávit cheia no ano, de 3,3% do PIB. O superávit em 12 meses em proporção do PIB caiu de 2,15% para 2,13%. Altamir Lopes diz ser possível chegar à meta, pois a arrecadação está crescendo e a partir de junho a economia sentirá o contingenciamento de R$ 10 bilhões.

Segundo o economista-chefe do Banco Schahin, Silvio Campos Neto, o país não terá superávit acima de 2,6% do PIB. Ele alerta que a queda da dívida está baseada só em crescimento e não em medidas fiscais: — Não há trajetória sustentável.

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