quinta-feira, 5 de agosto de 2010

'Imposição pessoal de Lula'

DEU EM O GLOBO

SÃO PAULO. O cientista político e historiador Samuel Feldberg, da USP, confessa que ainda não entendeu o pragmatismo da política externa brasileira quando a diplomacia do Itamaraty e as falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva despreza a defesa de princípios de direitos humanos e de liberdade de expressão nas relações com regimes tirânicos como o Irã, Cuba e até mesmo a China.

Gilberto Scofield Jr.

O GLOBO: Que interesse nacional o Brasil defende ao tratar com tanto descaso princípios de direitos humanos nas relações com o Irã, Cuba e outros regimes controversos?

SAMUEL FELDBERG: Ainda estou tentando entender isso porque mesmo uma abordagem de política internacional pragmática não precisa abrir mão da defesa de princípios de direitos humanos.Veja o caso dos EUA e a China. Apesar dos interesses profundos, o então presidente George W. Bush, em visita ao país, não deixou de assistir a uma missa numa igreja pentecostal de Pequim, reafirmando o princípio da liberdade religiosa. Ele pode não ter visitado o Tibete, mas o recado de reconhecimento da minoria protestante foi dado.

Ser mais duro com o Irã não poderia atrapalhar os interesses brasileiros?

FELDBERG: As declarações do presidente Lula são uma palhaçada, assim como a comparação feita por ele dos presos políticos cubanos com criminosos comuns.Que interesses comerciais ou geopolíticos temos com o Irã ou com Cuba para não nos alinharmos às grandes democracias ocidentais? Qual a vantagem de passarmos a figurar ao lado de países de perfil autoritário, como Rússia ou China? Não temos uma corrente de comércio tão grande com o Irã e nossa autossuficiência nos tirou da dependência do petróleo do país. Não vejo isso como política externa deliberada, mas como uma imposição pessoal do presidente Lula, que pretende passar uma imagem de líder com influência internacional.

E tem conseguido?

FELDBERG: A não ser que o objetivo seja o confronto aberto com os EUA e outros aliados ocidentais. Ou que o Itamaraty tenha algum receio do que uma postura de maior cobrança dos direitos humanos possa trazer como contrapartida desses países, na linha: Não vou falar nada porque isso pode virar contra mim. O Brasil não é exatamente o paraíso dos direitos humanos, mas estamos longe de nos comportar como países autoritários.

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