DEU NO VALOR ECONÔMICO
O real se valoriza sobranceiro diante do dólar e de outras moedas. A moeda americana dobra os joelhos diante da moeda brasileira sob o peso das injeções de liquidez inoculadas pelo Federal Reserve e, escoltada pela prodigalidade dos déficits fiscais engendrados pelo Tesouro americano. Inquietos com os minguados "yields" de Tio Sam e desaçaimados em sua incessante busca de rendimentos, os gestores de portfólios globais, entre crispações e redemoinhos, cuidam de rearranjar suas carteiras. Encontram farto repasto na apetitosa arbitragem com o coupon cambial administrado pelos senhores da finança nativa.
Num ritual farsesco, renova-se, em sua caducidade tediosa, a discussão sobre a efetividade (ou inefetividade) das intervenções do Banco Central no mercado de câmbio. A controvérsia sobre o câmbio, tão acerba quanto monótona, termina indefectivelmente com a vitória da turma da bufunfa, aqueles que se refestelam na arbitragem financeira e engordam seus cabedais sob o patrocínio das vacilações, medos e inconsistências do governo. Com essas e outras, as exportação de manufaturados se debilita rapidamente e as importações predatórias inundam o mercado brasileiro. É primário argumentar que os críticos do câmbio são favoráveis ao "fechamento" da economia e buscam comprometer sua eficiência com a redução das importações, indispensáveis, sim, para sustentar um crescimento saudável com baixa inflação.
Neste momento a história é outra: a decadência das exportações vai dos têxteis aos calçados, dos automóveis aos ônibus da internacionalizada Marco Polo, para finalmente culminar na degradação das vendas externas de máquinas e equipamentos da nossa indústria de bens de capital. A derrocada exportadora faz parceria com a invasão das importações de produtos manufaturados, prenhes de incentivos e subsídios oferecidos generosamente por chineses e outros competidores espertos.
Os chineses sofreram de forma aguda os efeitos da desaceleração global. Mas graças a estratégias eficazes, não só crescem acima da média mundial, como ainda sustentam alentados superávits comerciais, fomentados por políticas tributárias e creditícias agressivas de estímulo às exportações. Desde janeiro de 2009, o governo chinês ampliou os "tax rebates" para mais de 500 produtos manufaturados. O yuan praticamente não se moveu nos últimos doze meses, protegido pelas intervenções do Peoples Bank of China que não só compra agressivamente divisas como interfere duramente nas posições compradas e vendidas em moeda estrangeira dos bancos chineses.
Eles colhem altas taxas de investimento na indústria e na infraestrutura e rápida escalada no gradiente do horizonte tecnológico. No caso da China, a política de defesa do yuan e a oferta ilimitada de mão de obra barata se juntam para esfolar o que resta das indústrias intensivas em mão de obra nos concorrentes incautos e desavisados da periferia.
A controvérsia sobre o câmbio, tão acerba quanto monótona, termina com a vitória da turma da bufunfa
Já observei em outra ocasião que, na China, o aumento da participação das exportações de manufaturas foi acompanhado por um aumento correspondente na geração do valor agregado manufatureiro mundial Isso tem uma implicação importante: o valor das exportações se elevou com a maior integração da economia ao comércio internacional e induziu o crescimento da renda interna. Neste caso, pode-se concluir que houve um "adensamento" das cadeias manufatureiras domésticas que permitiram a apropriação do aumento das exportações pelo circuito doméstico de geração de renda e de emprego.
Na América Latina, inclusive no México a história foi outra. O México diferentemente do Brasil e da Argentina, aumentou bastante sua participação relativa nas exportações mundiais. Mas, caiu a sua parte na formação do valor agregado manufatureiro global exprimindo a desarticulação das cadeias produtivas depois da assinatura do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o Nafta.
A trajetória de Brasil e Argentina mostra que a integração das economias foi mal concebida e isso determinou não só a desindustrialização relativa, mas também na perda de posição no ranking do valor agregado manufatureiro.
A teologia do saber convencional só revelará suas nefastas consequências daqui a algum tempo. Parece óbvio que os mercados financeiros globalizados, restaurados sua confiança pela intervenção munificente dos Estados nacionais, cuidam de patrocinar uma festa que pode terminar em ressaca, transformando a economia urbano-industrial brasileira em um espectro de si mesma. Os economistas do mercado voltaram às páginas dos jornais e das revistas para garantir que o déficit em conta corrente, a despeito de sua evolução para a casa dos 4% a 5% do PIB, é financiável. Nos anos 90, esse foi o mantra dos defensores do câmbio valorizado.
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente neste espaço.
O real se valoriza sobranceiro diante do dólar e de outras moedas. A moeda americana dobra os joelhos diante da moeda brasileira sob o peso das injeções de liquidez inoculadas pelo Federal Reserve e, escoltada pela prodigalidade dos déficits fiscais engendrados pelo Tesouro americano. Inquietos com os minguados "yields" de Tio Sam e desaçaimados em sua incessante busca de rendimentos, os gestores de portfólios globais, entre crispações e redemoinhos, cuidam de rearranjar suas carteiras. Encontram farto repasto na apetitosa arbitragem com o coupon cambial administrado pelos senhores da finança nativa.
Num ritual farsesco, renova-se, em sua caducidade tediosa, a discussão sobre a efetividade (ou inefetividade) das intervenções do Banco Central no mercado de câmbio. A controvérsia sobre o câmbio, tão acerba quanto monótona, termina indefectivelmente com a vitória da turma da bufunfa, aqueles que se refestelam na arbitragem financeira e engordam seus cabedais sob o patrocínio das vacilações, medos e inconsistências do governo. Com essas e outras, as exportação de manufaturados se debilita rapidamente e as importações predatórias inundam o mercado brasileiro. É primário argumentar que os críticos do câmbio são favoráveis ao "fechamento" da economia e buscam comprometer sua eficiência com a redução das importações, indispensáveis, sim, para sustentar um crescimento saudável com baixa inflação.
Neste momento a história é outra: a decadência das exportações vai dos têxteis aos calçados, dos automóveis aos ônibus da internacionalizada Marco Polo, para finalmente culminar na degradação das vendas externas de máquinas e equipamentos da nossa indústria de bens de capital. A derrocada exportadora faz parceria com a invasão das importações de produtos manufaturados, prenhes de incentivos e subsídios oferecidos generosamente por chineses e outros competidores espertos.
Os chineses sofreram de forma aguda os efeitos da desaceleração global. Mas graças a estratégias eficazes, não só crescem acima da média mundial, como ainda sustentam alentados superávits comerciais, fomentados por políticas tributárias e creditícias agressivas de estímulo às exportações. Desde janeiro de 2009, o governo chinês ampliou os "tax rebates" para mais de 500 produtos manufaturados. O yuan praticamente não se moveu nos últimos doze meses, protegido pelas intervenções do Peoples Bank of China que não só compra agressivamente divisas como interfere duramente nas posições compradas e vendidas em moeda estrangeira dos bancos chineses.
Eles colhem altas taxas de investimento na indústria e na infraestrutura e rápida escalada no gradiente do horizonte tecnológico. No caso da China, a política de defesa do yuan e a oferta ilimitada de mão de obra barata se juntam para esfolar o que resta das indústrias intensivas em mão de obra nos concorrentes incautos e desavisados da periferia.
A controvérsia sobre o câmbio, tão acerba quanto monótona, termina com a vitória da turma da bufunfa
Já observei em outra ocasião que, na China, o aumento da participação das exportações de manufaturas foi acompanhado por um aumento correspondente na geração do valor agregado manufatureiro mundial Isso tem uma implicação importante: o valor das exportações se elevou com a maior integração da economia ao comércio internacional e induziu o crescimento da renda interna. Neste caso, pode-se concluir que houve um "adensamento" das cadeias manufatureiras domésticas que permitiram a apropriação do aumento das exportações pelo circuito doméstico de geração de renda e de emprego.
Na América Latina, inclusive no México a história foi outra. O México diferentemente do Brasil e da Argentina, aumentou bastante sua participação relativa nas exportações mundiais. Mas, caiu a sua parte na formação do valor agregado manufatureiro global exprimindo a desarticulação das cadeias produtivas depois da assinatura do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o Nafta.
A trajetória de Brasil e Argentina mostra que a integração das economias foi mal concebida e isso determinou não só a desindustrialização relativa, mas também na perda de posição no ranking do valor agregado manufatureiro.
A teologia do saber convencional só revelará suas nefastas consequências daqui a algum tempo. Parece óbvio que os mercados financeiros globalizados, restaurados sua confiança pela intervenção munificente dos Estados nacionais, cuidam de patrocinar uma festa que pode terminar em ressaca, transformando a economia urbano-industrial brasileira em um espectro de si mesma. Os economistas do mercado voltaram às páginas dos jornais e das revistas para garantir que o déficit em conta corrente, a despeito de sua evolução para a casa dos 4% a 5% do PIB, é financiável. Nos anos 90, esse foi o mantra dos defensores do câmbio valorizado.
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente neste espaço.
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